O que a Justiça já decidiu em casos de presos que não querem deixar a prisão, como Lula

No dia 23 de setembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou o direito de pedir a mudança para o regime semiaberto e sair da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR), onde está preso desde o dia 7 de abril de 2018.

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Na última sexta-feira (27), a própria Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba pediu a progressão de regime. “Uma vez certificado o bom comportamento carcerário pelo superintendente da PF no Paraná e ouvida a defesa, requer o Ministério Público Federal que seja deferida a Luiz Inácio Lula da Silva a progressão ao regime semiaberto”, diz um trecho do pedido, que está formalmente sob sigilo.

Na tarde desta segunda-feira (30), porém, o petista divulgou uma carta escrita à mão na qual reafirma que não aceitará sair da prisão sem que seu processo seja considerado nulo.

“Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade. Já demonstrei que são falsas as acusações que me fizeram. São eles e não eu que estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e ao mundo”, diz um trecho da carta.

Lula pode agora pedir para deixar a cadeia porque cumpriu o limite de 1/6 da pena de 8 anos e 10 meses imposta a ele pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no caso conhecido como “tríplex do Guarujá”.

Mas o que acontece quando um preso se recusa a aceitar a progressão, como o ex-presidente?

Advogados criminalistas consultados pela BBC News Brasil descreveram pelo menos dois casos de clientes que tinham direito a deixar o cárcere, mas não o quiseram. Nas duas situações, os condenados ficaram no regime fechado.

Longe da família

“Eu me lembro de um fato que aconteceu há muitos anos, na qual o sentenciado sairia do regime fechado para o semiaberto. Mas ele acabou vendo que, se fosse para o semiaberto, ficaria mais longe da família. E não teria como trabalhar fora do presídio (como geralmente ocorre no semiaberto, onde a pessoa trabalha durante o dia e dorme no presídio), porque iria para uma colônia agrícola”, diz o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, que é professor de processo penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“Então ele optou por ficar (no regime fechado): ‘Pô doutor, é melhor eu ficar aqui, perto da minha família. Já estou acostumado e tenho uma boa relação com os outros presos'”, narra o advogado. Diante da manifestação da defesa, diz Castelo Branco, o preso continuou onde estava por mais algum tempo.

“Certamente é um caso sui generis (raro). A norma é o advogado lutar pela progressão; a família querer, o preso mais ainda”, diz Castelo Branco.

Embora a lei permita ao Ministério Público solicitar a progressão de pena dos condenados, isso é algo muito raro de acontecer, afirma o advogado criminalista Gustavo Badaró, professor de processo penal na USP (Universidade de São Paulo).

“Eu já tive um cliente que não quis solicitar a mudança de regime porque estava namorando outro preso que continuaria em regime fechado. Eu simplesmente não solicitei a progressão e o MP não fez nada a respeito”, contou.

“No caso de Lula, ele não reconhece a legitimidade de sua condenação e entende que se aceitar algum direito previsto em lei estaria reconhecendo essa legitimidade”, observa ele.

Advogado criminalista e doutor em direito pela USP, João Paulo Martinelli lembra ainda do ocorrido com Suzane von Richthofen em 2014. Condenada a 39 anos de prisão depois de matar os próprios pais em 2002, Richthofen disse à juíza responsável pela execução de sua pena que não queria ir para o semiaberto, como pedido por seu defensor de então. Ela permaneceu no regime fechado.

“Diante do teor das declarações prestadas pela sentenciada nesta data, dando conta de que por temer por sua vida não tinha interesse na progressão de regime no momento (…), torno sem efeito a decisão que progrediu para o regime intermediário de cumprimento de pena, mantendo-a na situação em que se encontrava antes”, escreveu a juíza do caso de Richthofen, à época.

Prédio da Polícia Federal em Curitiba, com agentes e viaturas em frente

Lula está preso em uma sala solitária na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ele tem dentro de sua cela uma esteira para se exercitar diariamente, além de uma televisão em que pode assistir aos canais abertos ou a vídeos que recebe de seus advogados e visitas em pen drive. Este tipo de “cela” é chamada de Sala de Estado Maior.

O petista recebe seus advogados diariamente, entre segunda e sexta-feira, e tem concedido entrevistas semanais, às quartas.

O que deve acontecer com Lula?

Os advogados criminalistas divergem sobre se Lula (ou outro condenado) pode ou não “recusar-se” a progredir de regime.

Mas concordam em um ponto: se Lula quiser realmente ficar preso, basta que ele não aceite as condições que podem ser impostas pela juíza da Vara de Execuções Penais Carolina Lebbos (como usar tornozeleira eletrônica, por exemplo).

Para Castello Branco, a Lei de Execução Penal (LEP) dá ao preso o “direito” a progredir de regime, e não a obrigação de fazê-lo.

“É um direito, portanto envolve liberdade de escolha. O ex-presidente tem o direito inarredável, inafastável, de decidir se quer ou não. O que o Estado deve oferecer é a faculdade de escolher, mas a última palavra é dele”, diz.

Já Badaró diz que, em tese, Lula não pode se recusar a progredir de regime. No entanto, ressalta o professor, caso o petista não aceite cumprir eventuais condições colocadas pela Justiça para que ele passe ao regime semiaberto ou à prisão domiciliar, ele deve continuar no regime fechado de prisão.

O ex-presidente já declarou que não aceitará usar tornozeleira eletrônica.

Clique para assistir à entrevista exclusiva concedida por Lula à BBC News Brasil em agosto.

Martinelli é da mesma opinião: para continuar preso, basta que Lula não aceite as condições da Justiça. “O fato de ele não aceitar as condições não permitiria a progressão”, diz.

Como dificilmente o Estado teria condições de garantir a segurança de Lula num presídio onde o ex-presidente pudesse trabalhar do lado de fora durante o dia e dormir em uma cela, provavelmente ele seguiria para a prisão domiciliar, diz Martinelli. E isso envolveria condições como avisar à Justiça para receber visitas ou para sair da cidade, além do uso de tornozeleira.

Nesse cenário (em que Lula não aceite as condições), especula Badaró, a força-tarefa da Lava Jato poderia voltar a pedir que o petista seja enviado a um presídio comum, o que provavelmente levaria novamente a questão para decisão do Supremo Tribunal Federal.

No início de agosto, Lebbos determinou que o ex-presidente fosse transferido para São Paulo. Na sequência, a Justiça paulista indicou que Lula deveria ficar em um presídio comum na cidade de Tremembé, dividindo cela com outros presos. A transferência acabou anulada pelo STF, em decisão quase unânime (10 votos a 1).

Plenário do STF

Lula busca liberdade no STF

Ao anunciar a decisão de Lula, seus advogados reforçaram seu desejo de que suas condenações sejam anuladas no Supremo. Nesta segunda-feira, a defesa pediu ao STF urgência na análise de recursos do ex-presidente na Suprema Corte.

A Segunda Turma do STF deve analisar até novembro um recurso do petista que tem potencial de anular todos os processos contra ele originados na 13ª Vara de Curitiba, caso os ministros entendam que o ex-juiz Sergio Moro agiu com parcialidade ao conduzir os processos de Lula.

Se esse pedido for acolhido, o ex-presidente será posto em liberdade e terá seus direitos políticos restabelecidos. Vão analisar o recurso os ministros da Segunda Turma: Edson Fachin, Cármen Lúcia, Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Isso cancelaria a condenação de Lula no caso do “tríplex do Guarujá” por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mesmo que a sentença já tenha sido confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Também anularia a condenação de Lula no caso do Sítio de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, já que ela assumiu o caso em sua etapa final. O ex-presidente teria, então, direito a novos julgamentos.

Sergio Moro aparece de perfil

No recurso, a defesa argumentou que o fato de Moro ter aceitado ser ministro do governo Jair Bolsonaro tornou evidente seu interesse político ao condenar Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex.

O petista acabou barrado da eleição presidencial do ano passado pela lei da Ficha Limpa, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ter confirmado a condenação dele por Moro. Depois, já em 2019, Lula foi considerado culpado também pelo STJ – o tribunal, no entanto, reduziu sua pena.

O recurso lista ainda outros argumentos para sustentar a parcialidade do então juiz, como sua decisão de decretar a condução coercitiva do ex-presidente em 2016, mesmo sem ter previamente marcado um depoimento – prática que contraria a legislação brasileira.

Moro, por sua vez, diz que condenou Lula baseado nas provas processuais, em julho de 2017, quando Bolsonaro ainda não era considerado um candidato competitivo. Ele argumenta que, naquele momento, não tinha como prever a vitória do atual presidente, nem o convite para ser ministro. Além disso, afirma que aceitou integrar o governo para fortalecer o combate à corrupção e ao crime organizado.

A defesa menciona também as revelações do site Intercept, que publicou reportagens baseadas no vazamento de mensagens obtidas por hackers que trariam conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato. Os advogados de Lula dizem que as conversas vazadas “denotam o completo rompimento da imparcialidade objetiva e subjetiva” do então juiz.

Os diálogos, caso verdadeiros, indicam Moro teria dado conselhos ao Ministério Público quando era juiz, o que é proibido pela legislação brasileira.

A análise dos argumentos iniciais começou em dezembro de 2018, quando Cármen Lúcia e Fachin votaram contra a suspeição de Moro e a liberdade de Lula. No entanto, o julgamento foi interrompido por pedido de vista de Gilmar Mendes.

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