Pesquisadores e especialistas ouvidos nesta terça-feira (8) pela comissão mista que analisa a Medida Provisória 894/2019 aprovaram a pensão especial vitalícia para crianças com microcefalia decorrente do Zika Vírus, mas consideraram restritivos os critérios para a concessão do benefício. Durante a audiência pública, convidados e parlamentares também chamaram atenção para o vínculo entre a pobreza e a disseminação da síndrome causadora da microcefalia.
Darcy Neves dos Santos, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pediu maior atenção aos primeiros anos de vida das crianças com microcefalia, quando as capacidades cognitivas e emocionais estão sendo formadas. Segundo os números que apresentou, há dificuldade de proporcionar estímulos de qualidade às crianças diante das carências sociais das famílias envolvidas.
— É pela estimulação que a criança consegue levantar melhor seus pilares de desenvolvimento — afirmou, lembrando que a depressão atinge 36% das mães de portadores da síndrome do Zika Vírus.
Também da UFBA, a pós-doutoranda Silvia de Oliveira Pereira mostrou números sobre o impacto financeiro de longo prazo da síndrome, incluindo fatores como a perda de produtividade no trabalho, e sublinhou o impacto desproporcional do Zika Vírus sobre as regiões mais pobres. Ela entende a medida provisória como uma reparação do Estado que, no entanto, não é capaz de tirar as famílias da condição de vulnerabilidade.
— O Estado tem que reparar essas famílias por um dano grave, mas a mera transferência do BPC [Benefício de Prestação Continuada] para uma renda mensal vitalícia, a partir do ponto de corte de renda per capita inferior a um quarto de salário mínimo, não resolve a questão — declarou, citando os critérios de concessão do benefício.
Carlos Brito, professor da Universidade Federal de Pernambuco, citou a falta de perspectiva a curto prazo para o combate ao Aedes aegypti, mosquito transmissor do Zika Vírus e de outras doenças: segundo ele, a epidemia de Zika registrada entre 2015 e 2016 pode se repetir junto com outras chamadas arboviroses.
— O Zika Vírus continua circulando. Segundo o Ministério da Saúde, temos 449 gestantes confirmadas com zika — informou.
Pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Silvana Matos classificou o BPC como muito restritivo por dificultar a reintegração da mãe ao mercado de trabalho e não poder ser acumulado com pensão alimentícia.
— Essas mães ficam esgotadas física e mentalmente tentando fechar as contas — lamentou.
A professora da UnB Lenise Garcia espera que a lei resultante da MP inclua as crianças portadoras da síndrome do Zika Vírus que não tenham claramente a microcefalia. Ela apresentou a hipótese de que a baixa cobertura de vacinação contra febre amarela no Nordeste tenha contribuído para a maior proporção de casos de microcefalia na região.
— Há a hipótese de que a vacina sirva como protetora para o feto: quando a pessoa que foi vacinada contra a febre amarela, mesmo tendo zika, o vírus não tende a afetar a criança — disse Lenise.
Ladyane Souza, pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), apontou a disseminação do vírus como espelho da desigualdade social e regional e chamou o critério de concessão de pensão pelo BPC de “crueldade”. Segundo ela, além de fornecer reparação aos portadores da síndrome, o Estado deve prevenir novas crises.
— Muitas mães são solteiras têm menos de 18 anos e têm dificuldade de acesso a programas sociais do governo — afirmou.
Raphael Câmara, coordenador no Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, manifestou o apoio da entidade à medida provisória, entendendo que o governo “abandonou” as mães que se viram diante de um tratamento de custo elevado.
O relator da MP, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), explicou aos parlamentares o “desafio” de ampliar o alcance da medida:
— Se colocarmos qualquer coisa além do que está aqui, tem impacto financeiro. Aí temos a obrigação de apontar de onde vem o recurso — ressaltou.
Fonte: Agência Senado