Mesmo sem má-formação fetal, efeitos do zika podem surgir meses após parto

Crianças colombianas que tiveram contato com o vírus no útero da mãe e nasceram sem complicações apresentam leves atrasos cognitivos e motores 18 meses depois. Para especialistas, resultado da pesquisa reforça a importância da assistência a longo prazo

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Ainda que não haja má-formação fetal em bebês que foram expostos ao vírus zika no útero, é preciso ficar atento ao desenvolvimento dessas crianças. Um estudo do Children’s National Hospital, nos Estados Unidos, mostra que bebês colombianos que nasceram nessas condições apresentam atrasos no desenvolvimento com 1 ano de idade. Para os autores da pesquisa, os resultados reforçam dados de outros estudos que mostram a possibilidade de ocorrência de complicações muito tempo depois da infecção e a necessidade de assistência a longo prazo para pessoas que têm contato com esse micro-organismo em algum momento da vida.
“Nossas descobertas ressaltam as recomendações (..) de que todos os bebês expostos ao zika no útero devem passar por acompanhamento a longo prazo, oferecendo uma oportunidade para intervir mais cedo. Normalmente, o neurodesenvolvimento em bebês e crianças pequenas continua por anos, construindo uma robusta rede neural que, mais tarde, será usada para desempenhar funções neurológicas e cognitivas complexas”, justifica Sarah B. Mulkey, neurologista fetal/neonatal do Hospital Nacional da Criança e primeira autora do estudo, divulgado na edição de ontem da revista especializada Jama Pediatrics.

A equipe acompanhou mulheres colombianas ao longo da gravidez, as submetendo a exames de ressonância magnética fetal e a ultrassons. Todas as grávidas tinham a infecção pelo vírus zika confirmada em laboratório. Ainda assim, 77 dos 82 filhos nasceram sem sinais de síndrome congênita do zika — um agrupamento de complicações que inclui anormalidades cerebrais graves e problemas oculares — e com a circunferência da cabeça normal.

Essas crianças nasceram entre 1º de agosto de 2016 e 30 de novembro de 2017, no auge da epidemia de zika na América do Sul.  Dos 77 bebês, 70 foram acompanhados pelos cientistas. Quando eles tinham entre 4 e 8 meses (40 bebês) e/ou 9 a 18 meses de idade (60 bebês), foram submetidos a testes de  neurodesenvolvimento para a avaliação de itens como comunicação, cognição social e habilidades motoras — sentar, engatinhar, caminhar e subir escadas, por exemplo.

Segundo Sarah B. Mulkey, as análises mostraram leves complicações no desenvolvimento neurológico e motor dos bebês. As pontuações para mobilidade, comunicação e cognição social diminuíram ao longo do período de avaliação, quando comparadas à faixa padrão para crianças da mesma faixa etária.  “Os bebês não tinham evidências de deficits de zika ou microcefalia no nascimento. Porém, deficits no desenvolvimento neurológico, incluindo declínios na mobilidade e cognição social, surgiram no primeiro ano de vida, mesmo com a circunferência da cabeça normal”, frisa.

Lesão sutil 

No caso das crianças submetidas ao exame de ultrassonografia do crânio, um terço (33%) apresentou alterações leves e inespecíficas, como uma calcificação isolada. O índice geral esperado em recém-nascidos é de  2% a 5%. Segundo os autores, essas crianças participantes da pesquisa pareciam mais propensas a sofrer um declínio na cognição motora e social, condição considerada um fator de risco para piores resultados no desenvolvimento neurológico. “Esse estudo é o primeiro a mostrar que esses resultados inespecíficos de imagem podem indicar lesão cerebral sutil potencialmente associada ao comprometimento do desenvolvimento neurológico”, destaca Sarah B. Mulkey.

A cientista ressalta que boa parte das complicações detectadas não era grave. “Para a maioria dos bebês, o efeito não é muito grande. Esses são atrasos que você não necessariamente notaria, a menos que fizesse testes específicos”, frisa, em entrevista à agência France-Presse de Notícias (AFP). Dessa forma, garante, os deficits podem ser tratados com terapia física e ocupacional, o que reforça a importância do acompanhamento e da assistência a longo prazo de bebês com essas características.

Os planos da equipe são de acompanhar os bebês colombianos até os 5 anos de idade. “Ainda não se sabe como as crianças serão afetadas aos 5 ou 8 anos de idade, já que nenhum alcançou essas idades. Isso mostra que todos os bebês expostos ao zika devem ser acompanhados a longo prazo, quer estejam normais no nascimento, quer não. É preciso acompanhá-los até que comecem a escola, e talvez mais tempo, para compreender o impacto total do vírus no desenvolvimento do cérebro”, defende Sarah B. Mulkey.

Em um editorial divulgado na mesma edição da Jama Pediatrics, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, destaca que a pesquisa traz “dados intrigantes”, que reforçam “a crescente evidência da necessidade de acompanhamento a longo prazo de todas as crianças com exposição ao vírus zika no útero.”

Para saber mais

Também em adultos

Um recente estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que o vírus zika pode infectar e se reproduzir em tecidos cerebrais de adultos. Nesse caso, ele pode causar prejuízos de memória e problemas motores. Para o estudo, a equipe usou tecidos de pessoas submetidas a cirurgias de cérebro e que não tinham zika. O material foi infectado no laboratório, e constatou-se que o micro-organismos conseguiu se replicar.

Em uma segunda etapa, a equipe administrou o zika no cérebro de ratos adultos e detectou o mesmo efeito: a produção de novas partículas virais. Os animais apresentaram prejuízos de memória e motor, complicações detectadas até 30 dias depois da infecção, quando a quantidade de micro-organismo no cérebro já era baixa.

Segundo os autores, esses 30 dias para os ratos equivalem a dois a quatro anos de vida de um humano adulto. Os resultados do estudo foram divulgados, em setembro, na  revista Nature Communications. A equipe pesquisa, agora, se a presença do zika no cérebro de adultos pode estar ligada ao surgimento de doenças neuropsiquiátricas.

Como uma dieta rica em peixes pode ajudar

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Tohoku, no Japão, encontraram uma explicação para a relação entre comer peixe durante a gravidez e a saúde do cérebro do bebê. Segundo eles, o lipídio ingerido com esse tipo de dieta contém ácidos graxos, como ômega-6 e ômega-3, que são necessários para a formação cerebral normal do feto.

Em um experimento com ratos, os pesquisadores observaram que, quando as fêmeas eram alimentadas com uma dieta rica em ômega-6 e pobre em ômega-3, os filhotes nasciam com o cérebro menor e apresentavam comportamento emocional anormal na idade adulta. Esses roedores também apresentaram níveis mais altos de ansiedade.

Segundo Noriko Osumi, líder da pesquisa, a anormalidade cerebral detectada nas cobaias se deu por um envelhecimento prematuro das células-tronco neurais fetais, que serão responsáveis por dar orgiem às células cerebrais. O envelhecimento prematuro foi promovido pelo desequilíbrio dos óxidos dos ácidos graxos ômega-6 e ômega-3.

Já se sabia que uma dieta bem equilibrada em ácidos graxos ômega-6 e ômega-3 melhora o desenvolvimento das funções cerebrais. O novo estudo leva essa premissa adiante ao focar nos efeitos dos lipídios  na formação do cérebro. Noriko Osumi chama a atenção para o fato de que, em muitos países, há padrões alimentares similares ao reproduzido no experimento: maior ingestão de óleos de sementes, ricos em ácidos graxos ômega-6, e menor de peixes ricos em ácidos graxos ômega-3.

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