Após morar em gruta de praia, cavaleiro Marcello Ciavaglia sonha com Tóquio-2020

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Vice-campeão no torneio nacional de saltos em 2019, o cavaleiro Marcello Ciavaglia está em Wellington, na Flórida, nos Estados Unidos, para um período de observação do técnico Philippe Guerdat, da seleção brasileira. O objetivo dos treinos é definir a equipe para os Jogos de Tóquio. A chance de disputar a Olimpíada é o capítulo mais recente de uma trajetória improvável, que começou no Terreirão, favela localizada atrás da Praia da Macumba, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio.

Uma das lembranças mais marcantes de Marcello é do barraco que o pai montou em uma gruta na encosta da praia. “Meu pai desmontou uma lixeira que ficava na gruta e nós começamos a morar lá”, recorda-se. “Vivi lá dos três aos oito anos”. Depois de adolescente, ele voltava com frequência para visitar os primos no Terreirão. Ao longo dos anos, perdeu vários amigos para a violência e o tráfico de drogas.

Sua carreira de cavaleiro começou em um momento triste: a separação dos pais. Ele escolheu ficar com o pai, Décio Antonio Ciavaglia, que foi trabalhar como tratador de animais em um haras. O menino que morria de medo dos cavalos começou a ter aulas gratuitas em troca do trabalho no espaço de Hugo Amaral. Tinha jeito para a coisa. Embora tenha estudado apenas até a oitava série do antigo Ensino Fundamental, Marcello fala cinco idiomas (inglês, francês, espanhol, português e italiano) depois de trabalhado na Itália e no México como atleta e professor de equitação.

O ano de 2019 foi um dos melhores de sua carreira. Ele somou vitórias em três grandes prêmios seguidos: GP da Hípica Paulista (Copa São Paulo), GP de Santo Amaro e GP indoor em Curitiba. Ainda faturou a Copa Ouro e o 31º Troféu Perpétuo Roberto Marinho de Hipismo no mês de novembro. Terminou como vice-campeão na temporada nacional. Pela sétima vez, o cavaleiro olímpico José Roberto Reynoso Fernandez Filho foi o campeão do ranking brasileiro sênior top.

Mesmo com os bons resultados, Marcello planejava diminuir as competições para dedicar mais tempo para suas clínicas em 2020. Foi aí que surgiu o convite do técnico da seleção brasileira de saltos. Marcello irá defender o Brasil na Copa das Nações na 8ª semana do Winter Equestrian Festival. Ele está no grupo de 20 atletas em observação para os Time Brasil de Salto nos Jogos de Tóquio. O menino que morava na gruta da praia da Macumba pode ser cavaleiro olímpico.

Por enquanto, ele está com um pé atrás. “Se eu não conseguir o desempenho esperado pelo técnico, eu voltarei para o Brasil com um nível excelente. Se as coisas derem mais ou menos certo, eu posso ser selecionado para participar de uma das futuras edições da Copa das Nações dos Jogos Pan-Americanos”, diz o carioca com a voz pausada e as frases bem organizadas. “Se tudo certo, eu tenho chance de ir para a Olimpíada”, sorri, cauteloso. “Eu tenho 1% de chances, mas acho suficiente. Se as coisas derem certo em Wellington, minhas chances aumentam para 30%”.

Marcello começou bem o ano. Na semana passada, ele venceu a primeira de 12 semanas do Winter Equestrian Festival 2020, no Palm Beach International Equestrian Center, em Wellington. A maior e mais longa competição do hipismo mundial distribui cerca de US$ 13 milhões (R$ 54 milhões) em premiação. “Comecei ganhando a primeira prova e quase ganhei a segunda, o que seria um feito único. Pensei que fosse demorar mais para me ambientar, mas o desenho do percurso é bem moderno e favorece meu estilo de equitação. Espero conseguir melhorar ainda mais e cumprir o que o técnico espera de mim ou até surpreendê-lo”, avalia.

Ele credita boa parte do sucesso à sua montaria. Há dez anos, Marcello monta Conto RJ, um holsteiner de 14 anos de propriedade de Roberto Jessourun. Holsteiner é uma raça de cavalos originária do norte da Alemanha. É um cavalo muito popular para hipismo em varias regiões do planeta. Ele é forte e resistente.

Marcello afirma que a vida na favela não é fácil, mas o ajudou a chegar tão longe. “A vida na comunidade não é muito fácil, mas ali eu vi o que era preciso para correr atrás dos sonhos. O importante é andar sempre em linha reta”.

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