Não é incomum se deparar com mulheres e crianças venezuelanas nos principais pontos e avenidas de Porto Velho. Da etnia Warao, um grupo de indígenas saiu da Venezuela por conta da crise que ainda afeta o país e se instalou em Rondônia. Entidades e organizações que os ajudam dizem que o estado é usado como um “um corredor” de imigrantes.
A busca constante por recursos e de um lar para chamar de seu – mesmo que por tempo limitado – estão entre os desafios enfrentados pelos indígenas venezuelano em solo rondoniense. Entre os exemplos de soluções, muitos acreditam na prática da mendicância.
Jusmena Malbuena, junto com a filha de dois anos outras mulheres também Warao, chegou em Porto Velho há cerca de quatro meses, após um breve período vivendo em Manaus (AM). Apesar das dificuldades diárias para se manter, a indígena conta que não foi difícil se adaptar ao novo país.
“Lá com a crise tudo está mais difícil. Foi melhor termos vindo para cá. Os brasileiros ajudam muito a nós os indígenas. Eles são muito bons. Sempre ajudam”, reforça.
Mas o município está indo além na busca por uma solução para ajudar os integrantes do povo. O sociólogo Geraldo Cotinguiba, que tem estudos sobre os imigrantes, faz parte de um grupo organizado pela Secretaria de Assistência Social e Família (Semasf), que realiza trabalhos para retirar e auxiliar os meninos e meninas Warao das ruas de Porto Velho.
“É uma análise exploratória, que é de curta duração e, dado a urgência que tinha que ter esse estudo, a Semasf enviou um ofício para o campus pedindo minha colaboração quanto pesquisador para assessorar neste processo de identificação, mapeamento, para poder auxiliar em uma tomada de decisões que sejam de forma mais eficiente para o poder público e à população em questão”, explica Geraldo.
Além de Geraldo, a equipe é formada pela professora Marília Cotinguiba, o psicólogo Giovane Santos Lima e a educadora social Maria do Socorro Leite – esses dois últimos da própria Semasf. O grupo trabalha com cerca de 100 indígenas Warao, entre homens, mulheres, adolescentes e crianças.
Os estudos realizados pela equipe servem para assessorar a Semasf, que quer identificar os Waraos. Isso porque a maioria dessas pessoas chegaram na capital sem documentação.
“Com a aproximação com os Waraos, percebemos que na cultura deles, o fato de pegar a criança e levar para realizar a prática da mendicância nos semáforos não é visto de uma forma ruim. Para eles, é uma forma de ensinar os filhos a trabalharem”, explica Maria do Socorro.
Primeiro contato
O primeiro passo em meio ao trabalho é criar um vínculo com os indígenas venezuelanos.
“É muito difícil fazer com que eles falem sobre eles de início. Então a gente busca construir um laço para posteriormente fazer o trabalho de ensinar, por exemplo, que no Brasil não é permitido levar as crianças para os semáforo, falar dos riscos de se ter crianças nos sinais, riscos à saúde. Já tivemos crianças waraos com problemas de pele séria por conta do sol”, explica Maria do Socorro.
Após criar esse vínculo, a equipe verifica se os waraos têm documentos pessoais como CPF e RG, além do protocolo de entrada no país, que é emitido pela Polícia Federal, pois permite os imigrantes conseguirem emprego. Outro documento verificado é a carteira de vacinação.
“Se tratando de um povo indígena, devemos levar em conta esses aspectos regionais. Vários optaram por tomar a vacina, pois eles têm medo da situação do sarampo, que é um problema que afetou a Venezuela recentemente e no Brasil reapareceu a doença”, reforça Geraldo Cotinguiba.
Auxílio
Segundo o secretário Claudi Rocha, a Semasf realizou o cadastro de 15 waraos para receber o benefício de auxílio-moradia, que é de R$ 200. “Foi a partir de uma condicionalidade. Eles recebem o benefício e em troca não levam as crianças para os semáforos. Esse recurso é da própria secretária”, diz.
Quanto aos imigrantes venezuelanos em geral e que estão em Porto Velho, o G1 entrou em contato com o Ministério da Cidadania para saber sobre repasse financeiro à recepção deles no estado. Em resposta, mencionou que o repasse de recursos “cabe ao município solicitar auxílio ao governo federal”.
No início desta semana, a Secretaria Nacional de Assistência Social, do Ministério da Cidadania, repassou R$ 150 mil à Prefeitura de Porto Velho. O valor servirá para dar suporte ao atendimento aos imigrantes venezuelanos, que vivem nas unidades de acolhimento institucional da cidade.
“O dinheiro será destinado à alimentação e produtos de limpeza, pois a casa sempre está cheia. A outra parte estamos estudando se há possibilidades de contratos para recursos humanos. Um fato é esse dinheiro será gasto no acolhimento desses imigrantes venezuelanos em modo geral”, esclarece Claudi Rocha.
O G1 também procurou a Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social (Seas) sobre o caso dos venezuelanos. A pasta que informou apenas que está montando uma programação e que distribuiu panfletos em português e em espanhol pela cidade para facilitar o acesso dos refugiados aos serviços públicos do estado.
Orientação é a solução
Segundo a advogada Ghessy Kelly, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que no momento em há a exposição do menor na prática de mendicância, fere diretamente o direito dele. E, pela lei, há punição aos responsáveis.
“O uso de menores para pedir esmolas não é considerado crime previsto no código penal, porém pode ser entendido como uma ação que o submete a vexame ou a constrangimento. Assim, infere-se que a prática de utilizar crianças para mendicância vai contra o artigo 232 do ECA, que criminaliza a submissão de criança a vexame ou constrangimento e tem uma pena de seis meses a dois anos de detenção. Além disso, o ECA protege os direitos fundamentais dos menores, condenando, no artigo 5º, atos de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão”, explica.
A solução no caso de famílias imigrantes está no trabalho de orientação.
“Em atenção às famílias venezuelanas que utilizam as suas crianças para prática desta ilegalidade, as medidas devem ser pensadas para além da punição. Deve-se pensar como orientá-las e auxiliá-las assistencialmente, adotando medidas de proteção humana, tudo por meio de parcerias entre os órgãos do Poder Judiciário, Secretarias de Assistências Sociais, Conselho Tutelar e demais entidades com áreas de atuação em defesa dos direitos humanos”, ressalta a advogada.
Cultura Warao
Para a retirada das crianças waraos das ruas de Porto Velho, os pesquisadores também investigaram qual seria, então, a atividade rentável que os indígenas realizavam no país de origem.
“Eles produzem artesanatos a partir da folha da palmeira do buriti. Pensando que dando um meio dessas mães waraos terem onde confeccionar seus artesanatos as crianças estarão protegidas, seja em um ambiente escolar ou sendo cuidadas em outro ambiente que, por exemplo, na rua elas não têm”, conta Geraldo Cotinguiba.
O engenheiro agrônomo Lupécio Ricci, do Batalhão da Polícia Ambiental, explica que a palmeira de buriti é uma planta comum. “Temos em abundância. O ideal é fazer a extração dessa folha é comunicar ao órgão responsável para que se tenha a valorização do produto e assim tenha um status de ecologicamente correto”, pontua.
A reportagem entrou em contato com a Subsecretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Porto Velho (Sema) para saber como poderia ser realizado a extração da folha da palmeira na região (veja integra abaixo).
Em resposta, informou que existe a possibilidade de auxílio na execução da atividade da extração da folha da palmeira. No entanto, é necessário que se apresente um projeto. Para isso, a Semasf e a Secretaria de Desenvolvimento Socioeconômico (Semdestur) devem ser acionadas.
Confira na integra o posicionamento da Sema:
Segundo a Subsecretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Porto Velho (Sema) existe a possibilidade de auxílio na execução da atividade, desde que seja efetivado um projeto para a mesma. A orientação é que sejam acionadas as secretarias de Assistência Social (Semasf) e de Desenvolvimento Socioeconômico (Semdestur).
Caberá, nesse processo, à Sema, encontrar o local de onde será extraído o material necessário para a atividade artesanal desses indígenas venezuelanos.
Importante destacar que é preciso saber que tipo de palha e demais materiais eles pretendem utilizar e em que região da cidade são encontrados.
Além disso, detectando que a área onde exista tais materiais seja particular é preciso fazer a solicitação ao proprietário. Caso seja reserva, é preciso acionar o Governo do Estado já que a prefeitura não pode exercer atividade em reservas sem autorização.