Sejus, Tribunal de Justiça e entidades estreitam laços para aumentar a circulação de livros em presídios de Rondônia

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Porto Velho e outros 2,3 mil inscritos em todo o território nacional integraram-se, quarta e quinta-feira (6) à Jornada de Leitura no Cárcere, em teleconferência feita pelo jornalista e escritor Galeno Amorim, diretor do Observatório do Livro.

A primeira edição desse evento teve a participação de juízes de direito, entidades de apoio a detentos, entre outras pessoas, no auditório do Núcleo Psicossocial do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, no 3º andar do Fórum Geral Desembargador César Montenegro, em Porto Velho.

O evento é organizado pelo Programa Justiça Presente*, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A primeira experiência no gênero aconteceu três décadas atrás, quando a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) criou o programa Asas de papel.

Sejus, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e Vara de Execuções Penais (VEP) já são parceiros da remição da pena leitura em três unidades prisionais de Porto Velho.

Após o evento, a coordenadora estadual do programa, Arine Caçador Martins, Luciano Ribeiro, também integrante desse programa, e Fábio Recalde, da Reinserção Social da Sejus, reuniram-se para iniciar o movimento que deverá fortalecer novas parcerias para garantir a leitura em outras unidades prisionais.

Bibliotecas já funcionam na Casa de Detenção de Ariquemes, Penitenciária Regional de Ji-Paraná, Penitenciária Regional de Rolim de Moura, Colônia Agrícola/Presídio Feminino de Vilhena e Penitenciária Feminina em Porto Velho.

Uma comissão de avaliação da Sejus, formada por pedagogos, analisa as resenhas de livros. Há cuidado na execução desse trabalho, informou a Sejus ao juiz Sérgio William Domingues Teixeira, que foi executor da VEP. Eles debateram a ocorrência de resenhas plagiadas. Uma professora informou que digitalizou em pastas alguns casos. Mesmo assim, o índice de leitura e de resenhas tem crescido. Nos primeiros três meses de 2018, apenas nos presídios Aruana e Vale do Guaporé, mais de 100 resenhas foram corrigidas.

A leitura é um trabalho intelectual equiparada – para os fins do artigo 126 da Lei 7.210/84 – ao estudo, assinala a portaria nº 004/2015, assinada pelo então juiz da Vara de Execuções Penais e Corregedor Permanente dos Presídios da Comarca de Porto Velho, Renato Bonifácio de Melo Dias.

Os presos conseguem diminuir quatro dias da pena para cada livro que leem. Além da leitura, eles precisam fazer uma resenha, avaliada em seguida pela equipe.

“A leitura proporciona o conhecimento do mundo e, acima de tudo, é o conhecimento de si mesmo”, disse o escritor gaúcho Menalton Braff

Na palestra Porque a leitura pode ressignificar a trajetória de vida das pessoas, ele afirmou: “Expandir esse conhecimento evita à pessoa não cair em emboscadas que se apresentam a cada momento”.

Em quatro visitas à Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) em São Paulo, o escritor demonstrou que neles, além do prazer estético causado aos detentos, a leitura é ideal para a remição da pena. “O leitor está sempre em vantagem ao não leitor, e sempre terá maior compreensão do mundo”, assinalou.

“No Centro de Ressocialização de Araraquara (SP), admirei-me com a compreensão de minha obra por seres humanos que erraram, sofrem, mas têm projetos de vida; eles detectaram sutilezas e me fizeram muitas perguntas a respeito do meu romance Que enchente me carrega?”, disse.

Braff, que mora em Serrana (região de Ribeirão Preto), ganhou o Prêmio Jabuti 2000. Esse livro narra o processo de decadência social e mental do sapateiro Firmino ao constatar que seus produtos artesanais perderam espaço para os calçados fabricados pelas indústrias. Era o que ele sabia fazer antes de ser vencido pela tecnologia.

As sete últimas páginas do livro não têm pontuação, como forma de o autor mostrar que Firmino perdeu a razão. A técnica ficou conhecida na literatura mundial no trecho final de “Ulisses”, do escritor irlandês James Joyce (1882-1941).

“Depois que li, constatei que eram clássicos, asas verdadeiras que me ajudaram a sair da prisão”, disse o advogado Gregório Andrade, egresso do Sistema Penitenciário de Minas Gerais. Entre outros, ele leu Ariano Suassuna, Cora Coralina e Dostoiévski.

O estudante de direito em Ribeirão Preto, Carlos Andrade, também egresso, falou a respeito do poder transformador dos livros. “Carrasco de goleiros (de Luiz Puntel) me abriu a porta para os próximos, fui aprendendo não apenas a ler, mas a entender, e assim busquei estudar e aprendi”.

“Se não tivesse esse start naquele ambiente, jamais teria essa oportunidade”, diz satisfeito. Ocupou a vaga de monitor de educação no presídio onde cumpria pena por tráfico de drogas e assalto, fez cursos profissionalizantes e graduou-se depois em pedagogia, com três notas dez. Acordava todo dia às 5h, foi mototaxista e pagou a Faculdade.

Antes dessa conquista, Carlos Andrade foi alvo de zombarias e piadinhas de outros detentos, que até então o viam como típico jovem no crime que se sentia bem em ser reconhecido e admirado como chefe de ponto de tráfico.

Leu obras de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Fernando Sabino, Jorge Amado e Machado de Assis, entre outros.

“Descobri um novo mundo, involuntariamente os livros mudaram minhas palavras, postura corporal e com o tempo os colegas de cela se surpreenderam com o meu vocabulário e me aceitaram: “você está falando mais difícil, me diziam”.

Quando leu Helena (Machado de Assis), do qual analisava página por página por considerá-lo um romance instigante, ele e outro colega despertaram os demais. Perceberam, então, que a leitura também lhes interessava, porque mudava para melhor a rotina prisional.
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Entre outros, participaram da Jornada: o juiz Sérgio William Domingues Teixeira, do TJ; a juíza Kerley Regina Ferreira de Arruda, da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas (Vepema); juiz Flávio Henrique de Melo, auxiliar da VEP; dirigentes da Associação Cultural e de Desenvolvimento do Apenado e Egresso (Acuda) e o coordenador de Bibliotecononomia da Universidade Federal de Rondônia (Unir), professor Marcos Leandro Hübner.

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*O programa é uma parceria inédita com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que coloca o Judiciário como protagonista no enfrentamento do estado de coisas inconstitucional apontado pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 (ADPF nº 347/DF). Resulta, ainda, do engajamento do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério de Justiça e Segurança Pública, que realizou um aporte financeiro para estratégias que abordam as causas do problema de forma sistêmica, buscando resultados visíveis em curto e médio prazo. Principais diferenciais: preocupação com todo o ciclo penal; consolidação de experiências anteriores exitosas do CNJ; e o desenho de intervenções customizadas à realidade de cada estado, construídas em estreita colaboração com os atores locais para garantir a efetividade e sustentabilidade das soluções.

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