Novo ministro da Saúde deixa de indicar quais locais do país estão em emergência por conta do coronavírus

Durante a gestão Mandetta, pasta atribuía classificação a estados e capitais que tinham proporção de casos 50% superior à média nacional. Se aplicada a todos os municípios, 78 estariam nessa situação, de acordo com levantamento do G1.

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O Ministério da Saúde abandonou, após a posse de Nelson Teich, em 17 de abril, a prática de divulgar regularmente quais cidades do país estão em situação de emergência por conta do elevado número de casos de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Até esta quarta-feira (29), não havia sido divulgada uma política substituta.

Na gestão de Luiz Henrique Mandetta, a pasta atribuía essa classificação a estados e capitais que tinham coeficiente de incidência de casos de coronavírus 50% superior à média nacional. Esse índice mostra a proporção de infectados no total da população da localidade analisada.

Na última vez em que o Ministério da Saúde divulgou essa informação, no mesmo dia 17 de abril, havia 7 estados e 12 capitais em situação de emergência.

Nesta terça-feira (28), Teich disse que o agravamento da Covid-19 no país “continua restrito” a algumas localidades que estão enfrentando as “maiores dificuldades”. Ele listou apenas capitais: Manaus, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

Questionado sobre a interrupção da divulgação dos dados, o ministério afirmou ter abandonado a denominação porque ela “gera muitos atritos e comparações entre as cidades” – a pasta não informou, contudo, se passou a adotar algum outro método de classificação.

Um levantamento exclusivo que o G1 faz diariamente junto às secretarias estaduais de saúde mostra que há 78 cidades brasileiras em situação de emergência, se aplicado o critério anteriormente usado pelo ministério. Elas têm, proporcionalmente, 50% mais contaminados que a média nacional. Destas, 16 são capitais37 estão nas regiões metropolitanas e 25 estão nos interiores.

Segundo o levantamento, uma cidade precisa ter o equivalente a 52,11 casos de Covid-19 por 100 mil habitantes para se enquadrar no estado de emergência. A média do Brasil é de 34,74 casos por 100 mil habitantes.

Para chegar ao número de 78 cidades, o G1 levou em consideração apenas municípios com ao menos 30 casos da doença. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, esse é mínimo necessário para que se possa fazer uma avaliação dos efeitos da Covid-19. O recorte foi usado para evitar distorções em locais devem o alto coeficiente exclusivamente ao fato de terem uma população muito pequena.

A cidade de Cruzeiro do Sul (PR), por exemplo, registrou apenas três casos de infecção pelo coronavírus. Mas, como tem só 4.469 habitantes, seu índice é de 67,13 casos por 100 mil habitantes – muito acima da média nacional. Casos como esse, ficaram de fora da listagem do G1Veja a lista completa de municípios ao final da reportagem.

Ao G1, o ex-ministro Mandetta disse que o ministério elencava as capitais e estados em situação de emergência alertá-los antes que pudessem atingir o pico de casos – permitindo, assim, decidir quais locais tinham urgência para receber equipamentos, insumos, respiradores e leitos.

“As pessoas precisam saber qual é a situação, os governadores e prefeitos possam tomar decisões. Quando a gente mostra a verdade e dá a transparência dos números, todo mundo consegue procurar soluções e questionar. Não é alarmismo, mas [é para] mostrar a situação das cidades”, disse.

Segundo ele, após a conclusão do balanço das cidades em alerta de emergência, a equipe do ministério entrava em contato com os gestores locais para expor a situação.

“Me lembro que Fortaleza nós colocamos na lista e chamamos atenção do estado. O governador tinha baixado um decreto liberando tudo no Ceará. Quando mandamos, ele cancelou no mesmo dia e aumentou as restrições, porque eles não tinham prestado atenção”, exemplificou Mandetta.

Especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que a definição de quais cidades se enquadram nesse critério é importante para mostrar como a epidemia atinge de maneira mais severa determinados municípios, apontando assim uma situação mais real da concentração da doença em um país do tamanho do Brasil.

Amazonas, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo são os estados com maior número de municípios que têm proporção de casos por coronavírus 50% superior à nacional até a manhã desta quarta-feira (29).

Estão entre eles cidades como São Lourenço da Mata, na Grande Recife, que tem também a maior proporção de mortes por 100 mil habitantes no Brasil e nenhum leito de UTI.

Interiorização da epidemia

Segundo o professor responsável pelo Laboratório de Inteligência da Saúde da Universidade de São Paulo (USP), Domingos Alves, a epidemia de coronavírus no Brasil começou “ditada pelas capitais”, mas se espalha agora para a região metropolitana e os interiores.

“A infecção começou nas capitais vinda de fora. Depois passou de capital para capital. Aí começou a aparecer em municípios próximos a elas e nas linhas de estradas do interior e do litoral”, disse o pesquisador.

Para ele, a epidemia também acompanhou pessoas que fugiram das capitais para o interior logo no começo do período de quarentena.

Funcionário da Saúde transporta corpo de uma vítima do coronavírus em Manaus, Amazonas, na tarde desta sexta-feira (17) — Foto: REUTERS/Bruno Kelly

Agora, ela começa a se multiplicar dentro dessas cidades que foram atingidas. Das 65 cidades que se enquadrariam na categoria “em emergência”, 50 estão no interior dos estados.

Para o professor da USP e membro do comitê de combate ao coronavírus da OMS João Paulo Dias de Souza, o contágio crescerá nesses lugares de forma parecida com o crescimento visto nas capitais, mas não eles não têm a mesma estrutura para tratar os doentes.

“Teremos de conviver com esse problema por um tempo ainda. É possível que o interior viva um aumento da curva epidêmica, semelhante à dos grandes centros, nas próximas duas semanas”, disse.

Falta de leitos

A maior preocupação dos especialistas é com a capacidade do sistema de emergência de saúde nesses locais. Muitas cidades têm poucos leitos disponíveis.

Quando os municípios chegam ao limite, seus pacientes acabam procurando o sistema de saúde de cidades próximas. Além disso, muitas delas já atuam como polo para a sua região, agregando naturalmente pacientes das cidades vizinhas.

“O risco é as pessoas começarem a morrer em casa, como foi no Amazonas. Quando falamos de um lugar pequeno, 10% da capacidade de leitos significa pouquíssimas unidades disponíveis”, diz Domingos Alves.

O Amazonas tem 97% dos leitos de UTI ocupados e, em Manaus, 36 das 106 pessoas sepultadas um dia (20) morreram em casa.

A superlotação não é um problema exclusivo do Amazonas. Outros três dos seis estados com maior número de municípios em emergência estão com a capacidade no limite: o Ceará tem 100% de ocupação, Pernambuco tem 95% e o Rio de Janeiro, 74%.

16 de abril - Parentes fazem transmissão em vídeo para compartilhar com sua família o enterro de Nicolares Osorio Curico, no cemitério de Nossa Senhora Aparecida, em Manaus — Foto: Edmar Barros/AP

Subnotificação de casos

Outra preocupação é com a subnotificação, já que os dados oficiais balizam as decisões políticas e sanitárias.

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicou subnotificação ao registrar um aumento expressivo nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) neste ano em comparação com a média dos últimos dez anos. Os pacientes testaram negativo para outros vírus, e o perfil dos internados é o mesmo das vítimas da Covid-19.

A falta de testes e a fila de mais de 20 mil casos de SRAG ainda em investigação, segundo o último boletim do Ministério da Saúde, também apontam para um número real de infectados maior que o registrado.

“Os gestores estão olhando para esses dados defasados para tomar decisões, mas é um dado de duas semanas atrás. E por isso não sabem quais adequações terão que fazer. Os municípios não conseguem estimar, por exemplo, de quantos leitos vão precisar amanhã ou daqui a duas semanas”, argumenta Domingos Alves.

Isolamento social

A alta concentração de casos em relação ao número de habitantes reflete uma política de isolamento que não foi totalmente implantada em muitos municípios, de acordo com os especialistas. No começo de abril, quase 60% do país estava em isolamento, segundo levantamento da empresa de softwares In Loco em parceria com a USP. No meio do mês, a média girou em torno dos 50%.

“É muito mais difícil de ser feito em cidades mais afastadas das capitais. O pessoal está na rua. Por mais que tenha havido uma política oficial de isolamento, não houve a freada que vemos em grandes centros, como São Paulo”, diz Dias de Souza.

Veja as cidades com coeficiente de incidência de casos de coronavírus 50% acima da média nacional:

Coeficiente de incidência de Covid-19 nas cidades brasileiras

Cidade Casos Coeficiência de casos
Manacapuru – AM 321 329,65
Santo Antônio do Içá – AM 62 287,01
Braço do Norte – SC 92 275,04
Carauari – AM 66 233,27
Fortaleza – CE 5538 207,47
Iranduba – AM 99 204,99
São Luís – MA 2149 195,03
Macapá – AP 708 140,66
Manaus – AM 2899 132,81
Marau – RS 57 129,07
Tabatinga – AM 84 127,57
São Paulo – SP 15397 125,67
Vitória – ES 450 124,28
Recife – PE 2018 122,62
Careiro – AM 46 121,47
Ilhéus – BA 193 118,9
Autazes – AM 47 118,79
Santos – SP 495 114,24
Vila Velha – ES 555 112,39
Rio Preto da Eva – AM 36 107,96
Itaitinga – CE 41 107,95
Parintins – AM 119 104,14
Camaragibe – PE 161 102,01
Maués – MA 65 101,71
Santo Antônio do Tauá – PA 32 101,65
Itacoatiara – AM 103 101,64
Itacoatiara – AM 36 99,23
São Lourenço da Mata – PE 110 97,15
Santana – AP 117 96,4
Serra – ES 495 95,65
São José de Ribamar – MA 167 93,99
Osasco – SP 646 92,49
Barueri – SP 253 92,27
Eusébio – CE 49 91,39
Belém – PA 1341 89,83
Boa Vista – RR 352 88,17
São Caetano do Sul – SP 138 85,65
Olinda – PE 334 85,1
Rio de Janeiro – RJ 5554 82,66
Camboriú – SC 68 81,94
Mesquita – RJ 142 80,63
São Paulo de Olivença – AM 31 78,88
Paulista – PE 250 75,35
Lajeado – RS 63 74,99
Itabuna – BA 159 74,57
Volta Redonda – RJ 202 73,99
Aquiraz – CE 59 73,5
Paço do Lumiar – MA 88 72,01
Franco da Rocha – SP 111 71,85
Coari – AM 58 68,16
Caucaia – CE 244 67,52
São Bernardo do Campo – SP 566 67,47
Caieiras – SP 68 67,01
Rio Branco – AC 272 66,78
Florianópolis – SC 334 66,67
Concórdia – SC 49 65,65
Laranjal do Jari – AP 33 65,46
Maceió – AL 656 64,38
Passo Fundo – RS 129 63,46
Balneário Camboriú – SC 90 63,25
Cariacica – ES 234 61,37
Santana de Parnaíba – SP 85 60,96
Maracanaú – CE 138 60,56
Santo André – SP 420 58,43
Santa Izabel do Pará – PA 41 57,91
Ariquemes – RO 62 57,48
Cotia – SP 143 57,38
Porto Velho – RO 300 56,65
Diadema – SP 239 56,38
Nova Lima – MG 53 55,85
Salvador – BA 1592 55,43
Taboão da Serra – SP 160 55,24
Horizonte – CE 37 54,95
Niterói – RJ 282 54,91
Pacatuba – CE 45 53,94
João Pessoa – PB 436 53,89
Jaboatão dos Guararapes – PE 374 53,25
Criciúma – SC 113 52,51

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