A Câmara aprovou nesta terça-feira (5), em sessão remota, o projeto que estabelece ajuda financeira da União para estados e municípios em razão da pandemia do coronavírus.
O pacote de medidas prevê repasses diretos de R$ 60 bilhões. No entanto, o custo total estimado do programa é de cerca de R$ 120 bilhões para a União.
Como os deputados fizeram mudanças no texto dos senadores, o projeto volta ao Senado, ao qual caberá a palavra final.
A ideia é amenizar as perdas com queda de arrecadação de impostos, decorrentes das medidas de contenção do vírus, como o fechamento temporário de lojas e empresas.
Outro projeto tratando da ajuda aos estados já havia sido aprovado pelos deputados em 15 de abril. Houve uma mudança na tramitação e, no último sábado (2), o Senado votou um texto diferente. Por isso, o tema teve que ser rediscutido pela Câmara.
Como contrapartida à liberação de recursos, o texto proíbe que os governos locais reajustem o salário de servidores públicos até 31 de dezembro de 2021.
A única exceção será para profissionais das áreas de saúde e de segurança pública. Outras categorias foram incluídas pela Câmara, como policiais federais, policiais legislativos, técnicos e peritos criminais, agentes socioeducativos, profissionais de limpeza pública e assistência social envolvidos no enfrentamento da doença e trabalhadores da educação pública.
Os deputados também decidiram retirar a restrição de que esses aumentos salariais só pudessem ocorrer quando as categorias estivessem diretamente envolvidas no combate à pandemia.
Outra mudança feita pela Câmara, durante a votação dos destaques, suspende os prazos de validade dos concursos públicos homologados até o dia 20 de março. Os prazos voltam a correr após o término do período de calamidade pública.
O relator na Câmara, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) apresentou ainda uma emenda especificando que fica proibido o uso dos recursos da União transferidos a estados e municípios para conceder reajuste para essas categorias. Na prática, os entes que quiserem dar aumento terão de usar recursos de outra origem.
O que diz o texto
O programa estabelece:
- R$ 60 bilhões de repasses da União a estados e municípios para financiar ações de enfrentamento ao coronavírus;
- cerca de R$ 50,5 bilhões de economia estimada com a suspensão de obrigações previdenciárias e do pagamento de dívidas com a União e bancos, como BNDES e Caixa;
- R$ 10,6 bilhões de economia potencial com a renegociação de contratos com organismos internacionais;
- medidas adicionais de simplificação da gestão orçamentária e contratual para enfrentamento à pandemia.
Critérios de divisão do dinheiro
O projeto estabelece que, dos R$ 60 bilhões previstos em repasses diretos para estados e municípios, R$ 10 bilhões sejam destinados a ações na área da saúde e assistência social:
Desses, R$ 7 bilhões serão repassados aos estados. O critério de divisão será uma fórmula que considera a incidência da Covid-2019 (40% de peso) e população (60% de peso);
Os outros R$ 3 bilhões são destinados aos municípios. O critério de distribuição será o tamanho da população.
O rateio dos outros R$ 50 bilhões obedecerá ao seguinte cálculo:
- 60% com os estados (R$ 30 bilhões);
- 40% com os municípios (R$ 20 bilhões).
O critério de divisão de recursos para estados e municípios, definido pelos senadores, desagradou a alguns parlamentares – em especial os do Sudeste, onde os estados, proporcionalmente, receberão menos.
Mudança na distribuição
Os deputados aprovaram um destaque do Novo para alterar o critério de distribuição dos R$ 7 bilhões destinados aos estados para gastos com saúde e assistência social. Pelo texto aprovado no Senado, 40% desse recurso seriam distribuídos respeitando uma taxa de incidência da doença – um cálculo que considera a população do ente e o número de contaminados.
No entanto, a Câmara decidiu retirar o termo “taxa de” para que, segundo o líder do Novo, deputado Paulo Ganime (RJ), o critério considere apenas o número absoluto de infectados. O partido defende que essa mudança corrige distorções geradas pela proporcionalidade.
“Estados que estão à beira do colapso, como o Rio de Janeiro, seriam prejudicados”, diz a justificativa do partido.
Alguns parlamentares, no entanto, defendem que a alteração afetou estados mais pobres. “Creio que cada um votou com a realidade local. Estados mais pobres também tem mais dificuldades de conseguir recursos para combater a doença e sua população tende a sofrer mais em condições piores que os estados mais ricos”, afirmou Efraim Filho (DEM-PB), líder do DEM na Câmara, partido que votou contrário ao destaque.
Segundo estimativa do Novo, considerando apenas os R$ 37 bilhões repassados diretamente a estados, os recursos para o Amapá passariam de R$ 615 per capita para R$ 258 per capita. Os mesmos cálculos indicam que, com a mudança, os recursos para Rio de Janeiro passariam de R$ 143 para R$ 154, por exemplo.
Deputados da bancada do Sudeste reclamaram dos critérios do Senado e usaram o Amapá, estado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), relator do texto no Senado, para destacar a falta de proporcionalidade.
Após a mudança aprovada pelos deputados, Alcolumbre afirmou em sessão plenária no Senado que a Casa irá retomar os critérios definidos inicialmente.
“Não tenho dúvida de que as alterações promovidas pela Câmara dos Deputados representam a força das bancadas do Sul e do Sudeste e nós aqui, no Senado, restabeleceremos o texto aprovado por quase a unanimidade do Senado”, disse.
Parecer
Além da emenda que incluiu outras categorias autorizadas a ter reajuste, Pedro Paulo apresentou outra emenda que inclui os cargos de assessor entre os que podem ser repostos, sem aumento de despesa, durante a pandemia. Pelo texto, os estados e municípios ficam proibidos de admitir ou contratar pessoal no período, mas ressalva as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa.
O relator também antecipou, de dezembro de 2021 para dezembro de 2020, o fim do prazo para a suspensão dos refinanciamentos de dívidas dos municípios com a Previdência Social, além de determinar que a suspensão seja definida por meio de regulamentação.
Tramitação
A ajuda financeira aos estados começou a ser discutida pelo Parlamento há mais de um mês. Um primeiro projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em abril.
O conteúdo era totalmente diferente do teor aprovado nesta terça.
A proposta inicial dos deputados recompunha, durante seis meses, as perdas de estados e municípios com a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e com o Imposto Sobre Serviços (ISS, municipal).
O projeto, porém, não estabelecia nenhuma contrapartida por parte dos entes federados e recebeu críticas do governo.
O episódio gerou uma troca de farpas públicas entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Quando a proposta chegou no Senado, houve uma manobra regimental e outro projeto, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), foi apensada e passou a tramitar em conjunto.
A estratégia fez com que o andamento da matéria fosse reiniciado, desta vez, pelo Senado. Com isso, a Câmara passou a ser a casa legislativa revisora, ficando o Senado com a palavra final.
Isso porque, em geral, a tramitação de projetos de lei depende da autoria da proposta. Se for um deputado, começa pela Câmara, o Senado revisa, mas, se mexer, volta à Câmara antes de ir à sanção. Se for um senador, o caminho é o inverso. Começa pelo Senado, vai à Câmara e retorna para reanálise em caso de alterações.
Em seu parecer, o relator da matéria, deputado Pedro Paulo, fez críticas à proposta do Senado. Disse que preferia o trabalho feito pela Câmara, mas que defendi.
O presidente da Câmara também foi na mesma linha e defendeu a aprovação do texto. Ponderou que, apesar das divergências e da troca de origem da matéria para o Senado, o objetivo principal é atender os estados e municípios e fazer com que os “recursos possam chegar o mais rápido possível”.