Coronavírus: 21 Estados e o DF Propõem PROJETOS Para MULTAR Quem Divulga ‘FAKE NEWS’ na Pandemia

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Em 16 estados e no DF, o assunto é debatido nas Assembleias Legislativas e pode virar lei. Em cinco estados, a norma que prevê punição para quem publica fake news já está valendo: Acre, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima.

Em apenas cinco estados ainda não há debate sobre multa para quem publica desinformação durante pandemias: Goiás, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Santa Catarina e Sergipe.

Assembleias Discutem Projetos de LEI SOBRE MULTA a Quem Divulga Fake News

Deputados estaduais sugerem punir quem dissemina informações falsas em pandemias, como a da Covid-19

No Acre, a lei ainda impede a pessoa que não quitou a multa de participar de concurso ou assumir cargo público. No RN, porém, o assunto foi tratado por decreto, e não por projeto de lei. Isso é inconstitucional, segundo Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. O governo do RN diz que o decreto tem “caráter informativo” e “menos punitivo”, apesar de criar uma multa.

Nesses cinco estados, os valores das multas são os seguintes:

  • Acre: de R$ 1,1 mil a R$ 7,4 mil
  • Ceará: de R$ 224 a R$ 2,2 mil
  • Paraíba: de R$ 1 mil a R$ 10 mil
  • Rio Grande do Norte: de R$ 5 mil a R$ 25 mil (pessoa); e de R$ 25 mil a R$ 50 mil (empresa)
  • Roraima: de R$ 224 a R$ 2,2 mil

Serrano explica que os estados podem estabelecer multa para quem divulga informações falsas em pandemias – e não de forma mais ampla – porque a saúde pública é um tema de competência de municípios, estados e União. Um projeto de lei mais amplo, porém, precisa ser analisado no Congresso, e não nas assembleias.

Cinco estados têm legislações em vigor sobre multa para quem divulga fake news; especialistas dizem que legislação deve focar nas plataformas, e não nas pessoas — Foto: Fernanda Garrafiel/G1

Cinco estados têm legislações em vigor sobre multa para quem divulga fake news; especialistas dizem que legislação deve focar nas plataformas, e não nas pessoas — Foto: Fernanda Garrafiel/G1

Desde o início da pandemia, a equipe do Fato ou Fake tem lidado com um volume grande de mensagens falsas nas redes. Quase 200 boatos já foram verificados. Todas as checagens sobre o coronavírus podem ser conferidas na página: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/

Os especialistas ouvidos pelo G1 destacam alguns pontos em relação aos projetos estaduais:

  • é preciso tomar cuidado para não restringir a liberdade de expressão
  • o assunto deve ser discutido no Congresso, e não nas assembleias
  • a legislação deve buscar uma cooperação das empresas de tecnologia
  • essas empresas devem fornecer dados de redes de desinformação
  • as iniciativas de checagem de informações são cruciais
  • a educação midiática ou a alfabetização digital são importantes

Liberdade de expressão

Taís Gasparian, advogada com experiência em liberdade de expressão e internet, critica as leis estaduais sobre multa para quem publica informações falsas e diz que, primeiro, é preciso definir na legislação brasileira um conceito sobre o que é desinformação.

Para ela, sem essa definição, há risco para a liberdade de expressão e jornalistas podem sofrer pressão por ameaça de estar “espalhando fake news”. Taís também destaca que o termo “fake news” já tem sido usado por políticos para criticar o trabalho da imprensa.

“Em vez de chamar de ‘fake news’, eu prefiro chamar de ‘desinformação’ porque é uma atitude que tem o propósito de confundir a notícia. Inclusive, não se deve nem chamar de notícia. Ou é uma informação mentirosa na origem, ou é uma informação com o contexto mentiroso. E há a intenção de espalhar o desentendimento, a desinformação.”

Já Rafael Goldzweig, coordenador de pesquisa em democracia e redes sociais na Democracy Reporting International, reforça a necessidade de se combater a desinformação sem ameaçar a liberdade de expressão. “Legislar sobre o conteúdo pode ser muito perigoso a depender do contexto político, pois você pode acabar colocando nas mãos do Estado/Judiciário a responsabilidade de definir fatos.”

Ele cita Bangladesh, Quênia, Singapura e Rússia como exemplo de países que usaram leis contra desinformação para criminalizar o trabalho de jornalistas e perseguir grupos da sociedade críticos ao governo.

Para Goldzweig, o Brasil precisa ter leis que aumentem a transparência sobre o funcionamento e as decisões das plataformas, como WhatsApp, Google e Facebook, quanto às redes de páginas falsas e ao uso massivo de robôs.

“É importante que as plataformas de redes sociais e os aplicativos compartilhem esses dados com centros de pesquisa tanto acadêmicos quanto com organizações da sociedade civil, para que se entenda mais sobre esses fenômenos”, diz.

Para especialistas, plataformas devem ajudar no combate à desinformação; informações falsas são compartilhadas em sites e aplicativos — Foto: Reprodução/TV Globo

Para especialistas, plataformas devem ajudar no combate à desinformação; informações falsas são compartilhadas em sites e aplicativos — Foto: Reprodução/TV Globo

‘Infodemia’

O coordenador de pesquisa lembra ainda que mentiras e fake news sempre existiram na história. Mas agora há uma diferença primordial: as redes sociais dão a elas uma escala e uma velocidade nunca antes vistos e permitem campanhas de desinformação em massa.

Durante a pandemia, acrescenta Goldzweig, essas informações falsas podem até levar à morte, como no caso de quem acredita que cocaína é eficaz para prevenir o vírus.

“Com a pandemia da Covid-19, esse problema se tornou global, uma vez que todos os países passaram a identificar compartilhamento em massa de informações falsas ao mesmo tempo, com efeitos reais sobre a saúde das pessoas. A Organização Mundial da Saúde chegou a alertar que a ‘infodemia’, ou compartilhamento viral de informações falsas, é tão perigosa quanto o vírus”, alerta Goldzweig.

Taís Gasparian lembra ainda que uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) identificou que as informações falsas se espalham mais rápido do que as verdadeiras. Ela destaca que as checagens, que mostram os motivos pelos quais aquelas informações são mentirosas, não ganham tantos ‘likes’ ou compartilhamentos.

Goldzweig destaca que as iniciativas de checagens de informação são importantes, mas que “a informação verificada raramente chega àqueles que consumiram a mensagem falsa, e ainda que chegue, nem sempre convence o leitor sobre a verdade”. Segundo um levantamento do “Duke Reporters’ Lab”, ligado à Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), havia 237 organizações de verificação de fatos em 78 países em abril deste ano.

Os setes tipos de desinformação classificados pelo First Draft, organização sem fins lucrativos que dissemina boas práticas para elaborar e analisar conteúdo verossímil na internet — Foto: First Draft

Os setes tipos de desinformação classificados pelo First Draft, organização sem fins lucrativos que dissemina boas práticas para elaborar e analisar conteúdo verossímil na internet — Foto: First Draft

O advogado Ricardo Campos, professor assistente da Faculdade de Direito da Goethe-Universität Frankfurt am Main (Alemanha), defende que o Brasil precisa criar mecanismos legais para “assegurar uma esfera pública plural e de qualidade”.

“Uma democracia sem uma esfera pública saudável está condenada a viver em instabilidade com consecutivas crises. A informação plural e de qualidade é atualmente o recurso escasso das democracias modernas”, diz o coautor do livro “Fake News e Regulação”.

Regulação de fake news

Para Campos, “deve haver regulação de fake news” e o principal desafio é “criar uma regulação que não restrinja a liberdade de expressão”. Ele diz que o ideal é uma legislação federal, e não estadual, que abranja todos os estados e traga mais segurança jurídica e eficácia.

“Houve, de fato, uma verdadeira explosão de projetos sobre o tema nos últimos dois anos. Mas não houve uma ampla, profunda e técnica discussão em torno do tema. Isso se reflete na qualidade dos projetos”, diz Campos.

O professor da Goethe-Universität Frankfurt am Main também destaca que a legislação brasileira precisa focar nas plataformas, como WhatsApp, Google e Facebook, e não no indivíduo. Ele afirma que o Brasil precisa criar normas para que haja uma “cooperação efetiva” de sites e aplicativos ao aumentar a transparência e fornecer “dados sobre atividades anormais, cadeias de desinformação em massa e quem paga por isso”.

“O foco deve ser o meio [plataformas], e não o indivíduo. Para uma investigação judicial adentrar nesse âmbito tecnológico sem a devida cooperação efetiva das plataformas é, de fato, um esforço hercúleo quase sempre fadado ao fracasso. Focando no meio [plataformas], a questão individual se torna num segundo momento mais simples. Uma lei deve focar, portanto, na escala industrial e na maior transparência das plataformas. A cooperação das plataformas não pode ser algo extralegal, como um selo de boas intenções de relações públicas.”

O professor acrescenta ainda que o Brasil deve observar experiências pelo mundo antes de aprovar novas leis. Ele afirma que uma possibilidade é a criação de uma espécie de Conar, órgão de autorregulação publicitária, para tratar as questões relacionadas a fake news.

“No direito alemão e europeu há o instituto da autorregulação regulada, que oferece um mecanismo dinâmico de regulação para âmbitos tecnológicos. O que não se pode no Brasil é tentar inventar a roda novamente.”

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