Pesquisadores da Universidade de Oxford anunciaram, nesta terça-feira (16), que um corticoide barato e de uso amplo teve eficácia em casos severos de Covid-19, diminuindo a taxa de mortalidade de pacientes entubados em um terço.
O remédio, entretanto, NÃO mostrou benefícios em pacientes que não precisaram de suporte de oxigênio. Ou seja, não se mostrou eficaz em casos leves e nem como prevenção.
Entenda, abaixo, mais sobre a substância:
A que classe pertence o remédio? Como ele age?
O remédio é a dexametasona, um corticosteroide, que age como um anti-inflamatório e imunossupressor (ele inibe a ação do sistema imunológico). Sua forma de ação, seja como anti-inflamatório como imunossupressor é diferente de acordo com a dose aplicada.
Que doenças são tratadas com ele?
Dois exemplos de doenças são o lúpus e a artrite reumatoide, ambas doenças autoimunes – um tipo de doença em que o sistema imunológico ataca o próprio corpo.
Na maioria das vezes em que é indicado, o remédio não é usado sozinho. Segundo especialistas ouvidos pelo G1, ele age em conjunto com antibióticos, antivirais ou antiparasitários.
Ele tem efeitos colaterais?
SIM: os corticoesteroides podem piorar quadros como diabetes e osteoporose, afirma a infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Por isso, é importante que as pessoas NÃO tentem a automedicação com a substância, lembra a especialista.
O médico Luciano Azevedo, do Hospital Sírio-Libanês, reforça a recomendação. Ele disse que toda vez que a comunidade científica divulga uma pesquisa como a do medicamento, se gera uma “corrida às farmácias” porque muitas pessoas acham que podem tomar como prevenção.
Pesquisador Luciano Azevedo fala sobre eficácia de corticoide contra coronavírus
Por que ele funcionou contra a Covid-19?
Ainda não se sabe os pormenores, porque os especialistas de Oxford não detalharam os resultados do estudo. Como regra geral, um anti-inflamatório pode ajudar a reduzir a inflamação causada pela Covid-19 nos vasos sanguíneos. O infectologista do Hospital Emílio Ribas, Jamal Suleiman, destaca que essa “é a teoria” e seus mecanismos de funcionamento ainda não foram apresentados.
O Sars-CoV-2 causa a chamada “tempestade de citocinas”, que é uma reação inflamatória grave do corpo por uma resposta exagerada na luta contra o vírus. (Veja detalhes mais abaixo). Suleiman explica que a Covid -19 inflama os vasos sanguíneos e diminui o fluxo do sangue, levando também ao acúmulo de moléculas inflamatórias que facilitam a formação de coágulos.
Na opinião do especialista, não é possível saber, ainda, por que a droga só teve eficácia em casos severos da doença. Segundo ele, o critério de gravidade ainda não está claro e por isso é importante que o estudo seja publicado.
Farmacêutico segura uma ampola de dextametasona em hospital em Bruxelas, na Bélgica, nesta terça (16). — Foto: Yves Herman/Reuters
O médico do Sírio-Libanês, Luciano Azevedo, reforça que os corticoides agem reduzindo a inflamação generalizada que a Covid-19 pode causar. Ele explica que quanto mais grave o doente estiver, maior é o risco de desenvolver essa inflamação, e maior é a chance de o corticoide fazer efeito.
Em entrevista à correspondente da TV Globo na Suíça, Bianca Rothier, a brasileira Mariângela Simão, diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse que a reação inflamatória dos pacientes é uma das mais importantes no desenvolvimento da doença.
“Uma das reações mais importantes no desenvolvimento da infecção por este novo coronavírus no corpo é uma reação inflamatória acentuada”, explicou a diretora-geral assistente para Acesso a Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da OMS.
Ela comentou que o corticosteroide alvo do estudo inglês deve agir na diminuição da chamada “hiperinflamação”. Simão reforçou que a ação do fármaco na hora de combater a inflamação deve reduzir os danos aos pacientes e apresentar uma melhor chance de sobrevida.
O que é a tempestade de citocinas?
É um processo inflamatório desencadeado pela presença do vírus, também chamado de “cascata inflamatória”, explica o infectologista do Emílio Ribas, Jamal Suleiman. Esse processo ocorre quando o corpo sofre qualquer tipo de agressão – ou quando tem uma doença autoimune, por exemplo. No caso do coronavírus, esse processo ocorre de forma muito grave.
O desfecho das inflamações, entretanto, é diferente conforme o dano sofrido: uma pancada ou, no caso da Covid-19, um vírus. Já a diretora da OMS disse que a reação do corpo ao ataque dos vírus acaba prejudicando os infectados pelo coronavírus.
O remédio já está sendo usado no Brasil?
Segundo a infectologista Rosana Richtmann, também do Emílio Ribas, os protocolos de tratamento de pacientes graves no Brasil já incluem algum tipo de corticoide.
Nesta terça (16), a Sociedade Brasileira de Infectologia emitiu uma recomendação para que todos os pacientes com Covid-19 em ventilação mecânica e os que necessitam de oxigênio fora da UTI recebam a dexametasona por via oral ou endovenosa uma vez ao dia por 10 dias.
Luciano Azevedo, do Hospital Sírio-Libanês, diz que os corticoides são estudados pela Coalizão Covid-19 Brasil, grupo que busca tratamentos para a Covid-19. Ele explica que esse tipo de medicamento já era usado em pacientes com outras doenças pulmonares graves e que os resultados de um estudo nacional devem ser divulgados em agosto.
Qual é a diferença entre o remédio e outros corticoides?
O mecanismo de ação de todos os corticoides é semelhante. O que muda entre eles é a equivalência, explica Richtmann. Uma dose de 6mg de um determinado corticoide equivale a 40mg de outro, por exemplo.
E a diferença para outros medicamentos, como os antivirais, os antiparasitários e os antibióticos?
O mecanismo de ação é diferente. A dexametasona é um corticoide, que funciona em inflamações. Ele funciona em conjunto com outros remédios.
Se um paciente tem um caso grave de mononucleose, por exemplo (infecção bacteriana), o médico pode optar por usar um anti-inflamatório para diminuir a inflamação do local e permitir que o antibiótico aja sobre a bactéria, explica a infectologista do Emílio Ribas.
E Suleiman completa: “Os antivirais podem bloquear um ciclo específico de replicação do vírus; a mesma coisa vale para os antiparasitários, como a hidroxicloroquina, que é usada para tratar malária”.
O que diz a OMS sobre a descoberta?
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, comentou os resultados dos experimentos. Em uma entrevista coletiva, o dirigente da agência de saúde da ONU disse que este foi o primeiro tratamento que reduziu a mortalidade em pacientes de casos mais avançados da Covid-19.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em coletiva nesta sexta-feira (21). — Foto: Reprodução/Twitter WHO
A dexametasona é um esteroide usado desde a década de 1960 para reduzir a inflamação em várias condições, incluindo em certos tipos de câncer. Está listada como medicamento essencial pela OMS desde 1977 em várias formulações, e está disponível de forma acessível na maioria dos países, fora de patente.