Com queda de números em junho, especialistas enxergam padrão de imunidade de rebanho e ‘desaceleração’ da Covid-19 no AM

Número de novos casos no estado apresenta redução progressiva há quase cinco semanas. Estudo aponta que 20% da população da capital já tenha sido infectada.

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Depois do pico de casos de Covid-19 no Amazonas em maio, há quase cinco semanas o estado apresenta redução progressiva nos números de novos diagnosticados e mortos. Para explicar o cenário no estado, especialistas apontam como uma das explicações a “imunidade de rebanho” – estratégia que parte do princípio de que, uma vez que grande parte da população já tenha sido infectada, indivíduos ainda vulneráveis têm menor chance de contágio.

Com mais de 81 mil casos do novo coronavírus e 2,9 mil mortes, o Amazonas enfrentou seu pico no final de maio, quando registrou mais de 11 mil casos em sete dias. Na última semana epidemiológica (21 a 27 de junho) analisada pela Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), 6.120 novos casos foram registrados – uma redução de 11% em relação à semana anterior, mantendo a tendência de queda. Tudo isso aconteceu ao longo de junho, mês de retomada do comércio no estado.

Para o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, no paralelo entre a retomada das atividades não essenciais em Manaus com suscetivas quedas de novos casos indica que a população esteja adquirindo a imunidade de rebanho. Ao analisar o cenário atual, ele descarta a chance de outro pico de Covid-19 na capital.

“Pelos dados atuais do Amazonas, não acredito que tenha outro pico, porque já está tudo flexibilizado. O impacto dessa liberação, em termo de novos casos, você observa em duas semanas, três no máximo. Manaus tem mais de 15% da população que já teve Covid, então com as medidas individuais, talvez a gente não precise chegar a 60%, 70%, pra ter imunidade de rebanho”, afirmou.

Na capital amazonense, cerca de 20% da população já deve apresentar anticorpos da Covid-19, segundo um estudo em desenvolvimento pelo chefe do Departamento de Matemática da Ufam, professor Dr. Alexander Steinmetz. “No momento, a gente estima que cerca de 440 mil pessoas de Manaus tenham pegado e se recuperado, e, pelo menos, temporariamente tenham imunidade”, disse.

Com a descoberta da Covid-19, pesquisas apontavam que seria necessário atingir entre 60% e 80% de pessoas infectadas ou vacinadas para se obter a imunidade de rebanho, mas dados atuais, segundo o pesquisador Daniel Soranz, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, demonstram que a teoria não foi comprovada.

“Era uma doença nova e nenhum país conseguiu chegar a esse percentual. Para alguns países da Europa, 20%, 30% foi um número muito alto. O que a gente não sabe ao certo é o percentual de pessoas que são imunes naturalmente”, diz Soranz.

Matemático contraria teoria

Contrário aos pesquisadores, Alexander Steinmetz acredita que 20% ainda é um número pequeno para trabalhar com a hipótese da imunidade coletiva.

“Um exemplo clássico é o sarampo. Mesmo se 90% tiver pegado ou vacinado, não impede novas epidemias anuais. Como o coronavírus é um vírus respiratório, que pode ser transmitido com facilidade, é complicado afirmar a porcentagem ideal. Para o sarampo, 90% de imunidade não é suficiente. Penso que estamos longe dessa imunidade de rebanho pelo conhecimento científico que temos atualmente dessa doença. Existem teorias. A pessoa diz que pegou Covid-19 e ninguém da família pegou. Médicos se perguntam se não existe imunidade natural, mas o problema é que é especulativo, não há evidências científicas, é uma hipótese. Não podemos nos basear em algo que ainda não foi publicado cientificamente.”

Em maio, quando o governo do Amazonas anunciou um plano de reabertura gradual do comércio, o mesmo grupo de pesquisadores da Ufam divulgou um estudo que indicava um segundo pico da doença entre os meses de julho e agosto.

Governo enxerga ”desaceleração”

Para o governo estadual, o número de casos confirmados de Covid-19 no Amazonas, hospitalizações e óbitos causados pela doença demonstram que a pandemia está em processo de desaceleração no estado. Nesta semana, o número de hospitalizações caiu 83% em relação à semana passada, e os óbitos tiveram redução de 81%, de acordo com indicadores da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS).

“Embora tenhamos municípios que estão em situação de crescimento do número de casos, a maioria está tendendo à estabilidade. Nós temos queda no número de casos novos, queda significativa no número de óbitos e no de internações, o que nos permite afirmar que estamos no ritmo de desaceleração da pandemia atualmente em Manaus”, afirmou a diretora da FVS, Rosemary Costa Pinto.

Distanciamento e uso de máscaras devem continuar

Embora os números na capital apresentem redução diariamente, o vírus ainda circula entre a população. Os especialistas alertam para a falsa sensação de segurança e reafirmam a importância de manter as medidas de proteção individual, como distanciamento social, o uso de máscaras de proteção e limpeza com álcool em gel nas mãos e objetos.

“Por um lado é um alento, porque tem um mês que o comércio reabriu e não teve reversão da tendência de queda, mas convém ficar em estágio de monitoramento da situação, principalmente por causa do cenário do restante do país. Com a possível retomada dos voos, e interação com as pessoas que precisam viajar, trabalhar fora do estado, o vírus pode voltar”, destaca o pesquisador da Fiocruz, Marcelo Gomes.

Segundo a diretora da FVS, “a tendência da população é achar que o perigo passou, que está tudo bem agora e podemos voltar aos mesmos hábitos de antes, mas isso é uma ilusão porque o vírus continua aí.”

“Nós continuamos tendo casos novos, o que indica que ainda tem pessoas que estão se contaminando e transmitindo o vírus para outros”, diz a FVS.

Municípios com Covid-19

Dos 81.318 casos confirmados no Amazonas até esta quinta-feira (9), 29.836 são de Manaus (36,69%) e 51.482 são dos outros 61 municípios do interior do estado (63,31%).

“Temos o retrocesso na maioria dos municípios. Estamos vendo a redução do número de casos e também a redução da gravidade, mas estamos vivenciando o deslocamento principalmente nos municípios menores, mais distantes. Então os ritmos da pandemia no interior são diferentes. Ainda estamos tendo casos graves e óbitos, e agora nós vemos os pequenos municípios sendo afetados”, explica a titular da FVS.

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