É #FAKE que pode ter o CRM cassado o médico que não prescrever hidroxicloroquina a pedido do paciente em casos de Covid

Conselho Federal de Medicina esclarece que a decisão de receitar o medicamento, cuja ação contra o coronavírus não é comprovada, é individual de cada profissional.

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Circula pelas redes sociais que o médico que se recusar a prescrever hidroxicloroquina para quadros de Covid-19, mesmo a pedido do paciente, pode ter o registro cassado pelo Conselho Regional de Medicina. É #FAKE.

 — Foto: G1

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A mensagem falsa diz: “Atenção, alerta! Quem estiver contaminado com a Covid-19 e pedir para ser tratado com hidroxicloroquina, e o médico se recusar, ou mesmo o hospital não permitir, peça para um familiar ir a uma delegacia para fazer um boletim de ocorrência. De posse do mesmo, volte ao hospital apresente-o ao médico. Peça o documento de autorização para assinar. Se este médico se recusar a fazer a receita, vá ao Ministério Público e peça a cassação imediata do CRM deste médico. Governadores e prefeitos estão praticando genocídio ao recolher os medicamentos das farmácias e proibir seu uso. Todas as pessoas têm o de defender sua própria vida”.

O texto não faz qualquer sentido, de acordo com médicos entrevistados pela CBN. Primeiro, porque médicos não podem ser forçados a receitar este ou aquele remédio a pedido de seus pacientes, já que eles têm a prerrogativa de recomendar o que consideram o melhor para cada quadro e cada pessoa; segundo, porque o registro profissional não pode ser cassado pelo Ministério Público – isso cabe aos conselhos de medicina, e o processo ético tem ritos: não é sumário.

A CBN procurou o Conselho Federal de Medicina. A entidade informou que o tratamento do paciente é norteado pelo princípio da autonomia do médico. Deve-se valorizar a relação médico-paciente, “sendo esta a mais próxima possível, com o objetivo de oferecer ao paciente o melhor tratamento médico disponível no momento”. Assim como ninguém é obrigado a tomar qualquer medicação receitada, o médico não é obrigado a prescrever o que o paciente deseja, ressalta o CFM.

Em abril, o conselho divulgou um parecer no qual estabeleceu critérios e condições para a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19. “Após analisar extensa literatura científica, a autarquia reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença”, diz o parecer.

“Porém, diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia de Covid-19”, foram abertas alguma exceções, a serem analisadas caso a caso pelos profissionais na ponta.”

O uso da cloroquina é alvo de estudos. Apesar das primeiras evidências positivas nos testes in vitro, não há resultados que comprovem a eficácia da droga no tratamento ou na prevenção da Covid-19. Por outro lado, pesquisas já apontaram que a droga não trouxe benefícios para diferentes perfis de pacientes, sejam os casos leves ou hospitalizados, e ela foi até mesmo associada à piora da situação dos pacientes. Os médicos alertam para os efeitos colaterais do medicamento, como a arritmia cardíaca. A Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu os testes com o medicamento.

O professor de infectologia da UFRJ Mauro Schechter pontua que a premissa da mensagem falsa está totalmente equivocada.

“A prescrição é um ato médico, de exclusiva competência e responsabilidade do médico que a assina. Nenhum médico pode ser obrigado a assinar uma prescrição, seja por determinação de políticos, de policiais ou autorização judicial. Essa afirmação é particularmente absurda em se tratando de uma indicação não prevista em bula de um medicamento não recomendado”, afirma.

“Todos os estudos prospectivos randomizados já realizados, sem exceção, chegaram ao mesmo resultado: trata-se de droga ineficaz para o tratamento da Covid-19, cujo uso se associa a eventos adversos potencialmente graves. Seu uso viola o preceito básico do juramento médico, ‘primum non nocere’ (primeiro não fazer mal)”, diz Schechter.

O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologista, reforça: “Não há qualquer evidência científica de que a hidroxicloroquina traga algum benefício aos pacientes com Covid-19. Da mesma forma que um paciente pode recusar um tratamento, o médico também não é obrigado a prescrever a medicação”, diz ele.

“Da mesma forma que não há comprovação científica de eficácia, também não há evidência de segurança. Há princípios éticos. Não expor o paciente a um medicamento sem comprovação de benefício nem de segurança é não colocá-lo em risco. E o médico não pode ser punido por isso”.

Diretor Médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo cita o último informe da SBI, que saiu nesta sexta-feira. Com base nos últimos estudos sobre o remédio, “acompanha a orientação que está sendo dada por todas as sociedades médicas e científicas dos países desenvolvidos e pela Organização Mundial de Saúde de que a hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da Covid-19”.

O informe da SBI diz ainda que o Ministério da Saúde, estados e municípios deveriam reavaliar suas orientações, “não gastando dinheiro público em tratamentos que são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais”.

Segundo Chebabo, “não há nenhuma obrigatoriedade de se seguir a conduta, ainda que seja protocolo do Ministério da Saúde. A própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária já disse que não há indicação em bula; é o que chamados de ‘off-label’”.

Chebabo lembra que nenhum médico pode ter o registro profissional cassado por atuação do MP ou da polícia. “Não existe esse tipo de ação. O julgamento ético tem todos os ritos, com possibilidade de defesa, com recursos. O que estão fazendo é tentar jogar a população contra os médicos”, lamenta.

A médica Ligia Bahia, especialista em saúde pública, sublinha que a confiança nos médicos não deve ser abalada pela crença na cloroquina. “É da ética médica não recomendar o que pode agredir a saúde do paciente. Tem que haver essa confiança, ela não pode ser abalada em função dessa crise que temos no país. É um absurdo que se pretenda condenar um médico que, respaldado por conhecimento científico, não prescreva um medicamento já abolido para a Covid. Não faz sentido transformar isso numa guerra”, Ligia considera.

“Em vários países, houve a recomendação de que os profissionais não prescrevam a cloroquina. Aqui, o consenso é de que o arbítrio é do médico, ele pode receitar ou não. O importante é que os pacientes sejam informados de que ela pode causar problemas no coração. Tem que fazer eletrocardiograma. O presidente Jair Bolsonaro faz dois por dia.”

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