A Câmara dos Deputados pode votar nesta segunda-feira (20) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que torna permanente o Fundeb (fundo que financia a educação básica) a partir de 2021.
Criado em 2007 como temporário, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) tem vigência só até dezembro deste ano.
Em discussão no Congresso há cinco anos, a renovação é considerada essencial para garantir o reforço de caixa de estados e municípios para investimentos da educação infantil ao ensino médio e um dos principais desafios do ministro recém-empossado da Educação, Milton Ribeiro.
Em 2019, os recursos do Fundeb, composto por impostos estaduais, municipais e federais, foram da ordem de R$ 166,6 bilhões – R$ 151,4 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15,14 bilhões da União.
No formato atual, a União complementa o fundo com 10% sobre o valor aportado por estados e municípios.
O texto da relatora, deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), prevê um aumento escalonado que começaria em 12,5% em 2021 e chegaria a 20% em 2026.
Por se tratar de uma mudança na Constituição, serão necessários dois turnos de votação na Câmara, com o apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Se aprovada, a proposta seguirá ao Senado, onde também terá de passar por duas votações.
Uma reunião de líderes partidários está prevista para a manhã desta segunda-feira a fim de definir o rito de votação. Na semana passada, a expectativa era de apresentação do parecer, discussão e votação na sessão desta segunda-feira. Se não der tempo de concluir na segunda, a intenção é dar continuidade à votação na terça-feira (21).
Participação da União
A ampliação da participação da União é um dos pontos que têm gerado mais controvérsia entre parlamentares e Executivo.
Inicialmente, o governo defendia que a participação da União no novo Fundeb passasse dos atuais 10% para 15%. A deputada Dorinha queria um aumento mais expressivo, para 40%. O percentual final ficou em 20%.
No sábado (18), alguns líderes na Câmara receberam uma proposta alternativa do governo que prevê a renovação do Fundeb somente a partir de 2022, e não de 2021, como no texto da relatora. O Executivo, porém, não apresentou uma contraproposta formal.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem defendido que o Fundeb seja renovado já a partir do ano que vem. “Eu acho que a proposta [da relatora] está bem equilibrada. Tem questões que podem ser resolvidas e melhoradas até segunda ou terça-feira, mas acho que começar um novo Fundeb no próximo ano, eu acho que é muito importante”, afirmou no sábado.
Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) disse que a proposta do governo enviada a algumas lideranças criará um “apagão” para o financiamento e um colapso para a educação básica no Brasil no ano de 2021.
Nos bastidores, líderes avaliam que dificilmente a Câmara aprovaria essa proposta do governo. Uma das articulações que encontra adesão de vários partidos é postergar o aumento da participação da União no Fundeb tendo em vista o impacto da crise financeira gerada pela pandemia do novo coronavírus. Por esse entendimento, o Fundeb continuaria existindo no ano que vem, mas sendo mantida a complementação da União em 10%.
“Talvez, se conseguisse diluir — principalmente considerando que a gente vem num período de pandemia —, fosse interessante para o governo. Agora, tudo isso tem que ser negociado, acolhido e aceito pelas partes. Se esses [aumento de] 2,5 [pontos percentuais] ficassem no final, no sexto ano, para o governo, com certeza, seria melhor. Porque, agora, vamos estar recuperando [da pandemia]”, argumenta o deputado Coronel Armando (PSL-SC), vice-líder do governo na Câmara que tem acompanhado de perto a discussão sobre o Fundeb.
O líder do PSD na Câmara, deputado Diego Andrade (MG), argumenta na mesma linha. Ele diz que o tema é de interesse de todos os parlamentares, mas que é preciso “fazer algo possível para o governo”.
“Todos nós somos favoráveis. Ajudar a educação é prioridade, mas é preciso fazer com sabedoria, conversando com quem vai pagar a conta, que é o Executivo”, afirma.
O líder do PSC, André Ferreira (PE), também é da opinião de que antes é preciso analisar o impacto financeiro da medida.
“A gente não pode ser irresponsável de fazer uma mudança no percentual porque haverá uma queda na arrecadação em razão da pandemia”, diz.
Para o líder do Novo, deputado Paulo Ganime (RJ), a decisão de tornar o Fundeb definitivo não deveria nem ser tomada neste ano.
“Primeiro, tem a questão de não criar uma regra definitiva enquanto estamos discutindo reformas tributária e administrativa. Nossa sugestão era prorrogar o atual [Fundeb] por um ou dois anos, até porque depois tem que aprovar uma lei complementar que será difícil aprovar até o final do ano. Prorrogando o atual, a lei em vigor seria mantida”, defende.
Renda Brasil
O governo também articula a destinação de uma parte do percentual ampliado do Fundeb para criar um benefício adicional a crianças atendidas pelo Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família.
Na contraproposta enviada a lideranças no sábado, o texto prevê que, dos dez pontos percentuais de aumento na participação da União, metade seja destinada à “transferência direta de renda para famílias com crianças em idade escolar que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza”.
Ao G1, a relatora Professora Dorinha disse estar aberta ao diálogo, mas desde que seja mantida a participação de 20% da União para o Fundeb. Os recursos para o Renda Brasil teriam que ficar além disso.
“[A ideia era] que poderia estar junto com [a PEC] do Fundeb um investimento para fortalecer a educação infantil. Então, para além dos 20% que a gente já desenhou para as redes, poderia ser feita uma ação. Pode ser feita, basta fazer esse desenho”, afirma a deputada.
Há expectativa de uma reunião na manhã desta segunda-feira do ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), responsável pela articulação com o Congresso, com líderes de vários partidos, incluindo do chamado Centrão, base aliada no Congresso, para tratar do assunto.
Votação
Apesar de eventuais tentativas para modificar o texto, a relatora diz estar otimista com a aprovação do principal da matéria.
“Eu acho que vota, e a gente ganha [a renovação do Fundeb]. Estou muito otimista”, destacou a deputada Dorinha.
Entre parlamentares, a avaliação é a mesma, uma vez que o desgaste político para quem se posicionar contrariamente ao financiamento da educação seria muito grande.
“Sou otimista e estou trabalhando sem pausa pela aprovação do Fundeb. Ainda temos um desafio a ser enfrentado com o governo, que não participou da discussão e tem resistência a alguns pontos. Ainda assim, tenho muita segurança que o texto será votado na segunda e que conseguiremos aprová-lo da forma que ele foi apresentado pela relatora”, diz a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), que participa ativamente dos debates sobre o tema na Câmara.
“É possível avançar um ponto a mais aqui ou ali, mas deve prevalecer a espinha dorsal do relatório”, concorda o líder do DEM, Efraim Filho (PB). Para ele, trata-se de um “tema essencial para o país e seria importante para o governo e para a base alinharem com a proposta da relatora”.
Mudanças
Outro item que o Executivo tem atuado para mudar é limitar a 70% o percentual do fundo destinado ao pagamento de profissionais da educação. O texto na Câmara trata 70% como o percentual mínimo.
Um terceiro ponto seria a exclusão da proibição de usar dinheiro do Fundeb para pagar aposentadorias e pensões.
Líder do PSOL, a deputada Fernanda Melchionna (RS) diz ser favorável a manter esses pontos no texto e que trabalhará no plenário para evitar essas modificações.
Tramitação
Se houver a intenção de incluir outros temas na PEC, como recursos para o Renda Brasil, técnicos da Câmara avaliam que só será possível caso a relatora concorde em colocar o item no parecer.
Isso porque, na fase atual de tramitação, somente ela tem, regimentalmente, como incluir um tema que não tenha sido tratado no âmbito da comissão especial, já encerrada.
Na votação da PEC em plenário, como é o caso agora, deputados e partidos só poderão apresentar destaques, que são recursos para suprimir trechos do texto da relatora ou incluir emendas já apresentadas durante a comissão especial.