O ATO de HEROÍSMO que EVITOU TRAGÉDIA com CARGA EXPLOSIVA Como a de Beirute no Brasil

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Uma explosão devastadora no setor portuário capaz de atingir bairros inteiros, como a que matou pelo menos 145 pessoas e deixou 250 mil desabrigados em Beirute, no Líbano, quase ocorreu no Brasil.

Era madrugada de sábado para domingo, em 12 de maio de 1985, Dia das Mães, quando um dos tanques do navio-petroleiro Jatobá pegou fogo no Porto do Recife, em Pernambuco. O Jatobá carregava 1,5 mil toneladas de gás butano que se transformaram em labaredas de 20 metros de altura. Atracadas de cada lado do navio estavam outras duas embarcações, também carregadas com gás de cozinha.

O maior risco, porém, era que as chamas atingissem os 153 metros cúbicos de produtos inflamáveis estocados no Parque de Tancagem do Brum, a apenas 500 metros de distância do incêndio. Se isso ocorresse, os técnicos estimam que a explosão destruiria todo o Centro Histórico do Recife, atingindo os bairros de Santo Antônio, Recife, Boa Vista, Brasília Teimosa e Pina.

Então governador de Pernambuco, Roberto Magalhães foi acordado ainda de madrugada por um oficial da Polícia Militar.

“Ele me comunicou que havia ocorrido a explosão e que eu deveria deixar o Palácio”, conta à reportagem.

Navio-petroleiro pegou fogo na vespéra do Dia das Mães de 1985

Magalhães foi o último governador a morar no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual, junto com a esposa, Jane, e os quatro filhos.

“Ele disse que, se houvesse outra explosão, ou se o fogo chegasse aos outros dois navios, o raio de ação seria de cinco quilômetros. E o Palácio estava a menos de mil metros, em linha reta, do cais”, lembra.

Iminência de explodir

‘Nós estávamos em cima do navio que estava na iminência de explodir’, lembra o coronel Leonardo Paiva

Os bombeiros foram acionados por volta de 1h30 da madrugada. Enquanto dez homens combatiam as chamas, três oficiais da guarnição de resgate subiram engatinhando pelas cordas que prendiam o navio ao porto para resgatar um jovem desacordado em uma das cabines.

“Nós estávamos em cima do navio que estava na iminência de explodir”, afirma o coronel Leonardo Paiva, na época um aspirante a oficial recém saído da academia.

“Só quando chegamos ao local, percebemos o risco daquela situação. O Brum era o grande depósito de todas as empresas de combustível de Pernambuco. Nós tínhamos apenas duas viaturas pequenas, sem água suficiente para combater aquele incêndio”, lembra.

Eles conseguiram uma bomba do próprio porto para abastecer os caminhões dos bombeiros com água drenada do mar que era, então, usada para apagar o fogo no navio.

“Estava tão quente que o solo dos nossos coturnos se desfez. Nós não tínhamos roupa de aproximação, nem máscara. O capacete não tinha viseira. Nós respirávamos por meio de toalhas molhadas”, diz Paiva.

Às 4h da manhã, o comandante do navio avisou aos bombeiros que o risco de explosão era iminente e eles começaram a tentar evacuar o Bairro do Recife, onde o porto está sediado.

Nelcy da Silva Campos era prático e, segundo amigo, tinha ‘coragem inusitada’

A essa altura, o prático da barra Nelcy da Silva Campos já havia chegado ao porto. Os práticos trabalham guiando os navios na chegada e na saída dos portos. Nelcy já havia trabalhado no sábado pela manhã, mas foi o único a ir até o local do incêndio. O amigo Luiz Augusto Correia de Araújo, hoje aos 80 anos, diz que ele tinha uma “coragem inusitada”.

A única saída para evitar um desastre era levar o petroleiro para alto-mar.

“Antes de tirar o navio que estava pegando fogo, ele teve que tirar o da frente e botar a 400 metros de distância. Depois, voltou para fazer o mesmo com o que estava atrás. Para evitar que o fogo se espalhasse para os outros dois petroleiros”, conta Nelcy Campos Filho, primogênito do prático, que tinha 27 anos na época.

Horas de incêndio

Incidente em 1985 teve potencial de destruir Centro Histórico de Recife

Naquele dia, a mãe dele, Luiza, acordou o filho às 3h. A família morava no Espinheiro, a mais de cinco quilômetros do porto, mas era possível avistar de lá as chamas do navio no meio da noite.

Depois de afastar os outros dois petroleiros, Nelcy pai amarrou um rebocador à parte dianteira do navio. A essa altura, não havia mais resfriamento e a operação era delicada. O prático levou o Jatobá, ainda em chamas, para uma distância de quatro milhas (aproximadamente seis quilômetros) da costa. Nelcy morreria cinco anos depois.

Em 2003, ele ganhou um busto da Marinha que, hoje, está em frente ao Terminal Marítimo de Passageiros do Porto do Recife.

Nelcy ganhou um busto da Marinha que, hoje, está em frente ao Terminal Marítimo de Passageiros do Porto do Recife

O incêndio no Jatobá, porém, durou outras 15 horas. Aos poucos, a correnteza levou o navio para o Forte de Pau Amarelo, em Paulista, município do Litoral Norte de Pernambuco, a 20 quilômetros do porto. Luiz Augusto foi encarregado de ir até lá com o rebocador para garantir que o navio não causasse risco às pessoas que estavam na praia.

“Enquanto nós nos aproximávamos, começou a cair um temporal. A chuva era tão forte que a gente não via um metro adiante. O navio parecia apenas uma velinha à distância. Até que a chama apagou. Um marinheiro mais corajoso caiu na água e amarrou o navio ao rebocador. E ele voltou ao Recife”, lembra.

O episódio levou Roberto Magalhães a determinar a transferência do parque de tancagem para o Porto de Suape, 53 quilômetros ao sul do Recife. Nelcy foi reconhecido como herói local e ganhou a maior comenda do governo do Estado.

Em 2004, a Câmara do Recife deu o nome dele ao terminal marítimo de passageiros do Porto do Recife. O espaço, porém, foi refeito entre 2011 e 2013 e o nome foi retirado.

 

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