A Polícia Civil do RJ e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) prenderam nesta segunda-feira nove pessoas pelo envolvimento na morte do pastor Anderson do Carmo, executado com mais de 30 tiros em 16 de junho de 2019.
Segundo a força-tarefa da Operação Lucas 12, a viúva, a deputada federal Flordelis (PSD-RJ), é a mandante do crime. Ela não pôde ser presa por causa da imunidade parlamentar — quando somente flagrantes de crimes inafiançáveis são passíveis de prisão.
As prisões foram expedidas pela 3ª Vara Criminal de Niterói, que aceitou a denúncia do MP e tornou Flordelis ré.
Com a Lucas 12, chega a sete o número de filhos presos no caso. Todos já são réus perante a Justiça.
- Nesta segunda, foram presos cinco filhos do casal (Adriano, André, Carlos, Marzy e Simone) e uma neta (Rayane).
- A Justiça ainda emitiu mandados de prisão contra dois homens que já estavam na cadeia: o filho apontado como autor dos disparos (Flavio) e um ex-PM (Marcos).
- Um sétimo filho (Lucas), que já tinha sido preso por conseguir a arma, foi denunciado na Lucas 12.
Segundo a polícia, antes do assassinato a tiros, Flordelis tentou matar o marido pelo menos quatro vezes — uma delas com veneno na comida.
O G1 entrou em contato com a defesa da deputada, que não tinha se manifestado até a última atualização desta reportagem.
O PSD divulgou nota em que anunciou “a suspensão imediata da filiação” da deputada (leia abaixo).
Filhos de Flordelis são presos por suspeita no envolvimento na morte do pastor Anderson do Carmo — Foto: Reprodução / TV Globo
Resumo
- O inquérito concluiu que Anderson foi morto por questões financeiras e poder na família — o pastor controlava todo o dinheiro do Ministério Flordelis, hoje rebatizado de Comunidade Evangélica Cidade do Fogo.
- De acordo com as investigações, Flordelis já planejava desde 2018 o assassinato de Anderson.
- Flordelis é uma das 11 pessoas denunciadas pelo MPRJ (veja a lista abaixo).
- Após o crime, Flordelis relatou em depoimento e à imprensa que o pastor teria sido morto em um assalto.
- A deputada vai responder por cinco crimes: homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima), associação criminosa, falsidade ideológica e uso de documento falso. Pelo envenenamento, ela responderá por tentativa de homicídio.
Os policiais saíram para cumprir 17 mandados de busca e apreensão nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo.
Um dos endereços foi a casa da deputada, local do crime, no bairro de Pendotiba, em Niterói, na Região Metropolitana do RJ, onde quatro filhos foram presos.
O apartamento funcional da deputada, em Brasília, também foi alvo de buscas. Lá, foi presa a neta Rayane. Pouco antes das 7h, policiais civis do Distrito Federal deixaram o imóvel carregando malotes.
Policiais chegam para cumprir mandado na casa onde o pastor Anderson foi morto — Foto: Reprodução/TV Globo
‘Um enredo’, diz delegado
O delegado Allan Duarte, da Delegacia de Homicídios de Niterói, afirmou que Flordelis construiu um “enredo” para chegar à Câmara e construir sua igreja.
Allan explicou que “a principal motivação foi financeira”. “A gente percebeu que foram realizadas diversas tentativas de envenenamento com doses letais, e esse resultado não aconteceu antes por motivos alheios à vontade dos autores”, afirmou.
‘Principal motivação foi financeira’, diz delegado sobre assassinato do pastor Anderson
Já o delegado Antônio Ricardo Nunes, diretor do Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, destacou que um quinto da família se envolveu na execução.
Presos na Operação Lucas 12
A polícia assim dividiu a participação na morte de Anderson.
- Presos na casa de Pendotiba (Niterói), local do crime:
- Marzy Teixeira da Silva (filha adotiva): cooptou Lucas para matar o Pastor Anderson. Também participou dos envenenamentos;
- Simone dos Santos Rodrigues (filha biológica): responsável pelos envenenamentos. Simone buscou informações sobre uso de veneno na internet;
- André Luiz de Oliveira (filho adotivo): ex-marido de Simone, foi flagrado em conversas com Flordelis combinando o envenenamento;
- Carlos Ubiraci Francisco Silva (filho adotivo): pastor, é citado por participação no planejamento da morte;
- Preso em Camboinhas (Niterói):
- Adriano dos Santos (filho biológico): auxiliou no episódio da carta falsa;
- Presa em Guaratiba (Zona Oeste do Rio):
- Andreia Santos Maia (mulher do ex-policial Marcos): auxiliou no episódio da carta falsa.
- Presa em Brasília:
- Rayane dos Santos Oliveira (neta): buscou por assassinos para as tentativas anteriores, como Lucas. Estava no apartamento funcional da mãe.
- Já estavam presos:
- Flavio dos Santos Rodrigues (filho biológico): apontado como autor dos disparos, já estava preso e teve um mandado de prisão expedido nesta segunda;
- Marcos Siqueira (ex-policial): auxiliou no episódio da carta falsa e já estava preso com mais um mandado de prisão expedido nesta segunda;
Além desses nove, foram denunciados:
- Flordelis dos Santos de Souza: é a mentora do crime. Responderá por homicídio triplamente qualificado; tentativa de homicídio duplamente qualificado; associação criminosa majorada; uso de documento ideologicamente falso e falsidade ideológica;
- Lucas Cezar dos Santos (filho adotivo): já estava preso, mas não teve mandado de prisão nesta operação.
O nome da operação
“Lucas 12” se refere a uma passagem bíblica. No livro, o apóstolo lembra uma fala de Jesus a uma multidão.
“O que vocês disseram nas trevas será ouvido à luz do dia, e o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa, será proclamado dos telhados”, emendou.
“Alguém da multidão lhe disse: ‘Mestre, dize a meu irmão que divida a herança comigo’. Respondeu Jesus: ‘Homem, quem me designou juiz ou árbitro entre vocês?’”
“Então lhes disse: ‘Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens.’”
Desfiliação
Uma nota assinada por Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, anunciou a suspensão da filiação e prevê a expulsão de Flordelis.
O PSD esclarece que desde o início acompanhou o caso citado e defendeu o andamento e aprofundamentos das investigações.
Diante do indiciamento da parlamentar, o corpo jurídico do partido adotará as medidas para a suspensão imediata de sua filiação e, a partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros.
Relembre o caso
O crime ocorreu na noite de 16 de junho de 2019. Anderson do Carmo foi morto, com mais de 30 tiros, na garagem da casa onde morava com a família, em Pendotiba, Niterói.
Para a polícia, ficou evidenciada a intenção de matá-lo, sem que Anderson tivesse a chance de reagir.
Em junho deste ano, o G1 mostrou que, segundo a perícia, o pastor levou mais dois tiros após cair baleado no chão — um na lombar e outro no ouvido direito. A informação está no laudo da reconstituição do caso.
Flávio dos Santos, filho biológico de Flordelis, é apontado como autor dos disparos que mataram o pastor. Ele foi preso no velório do padrasto.
Já Lucas dos Santos de Souza, preso horas depois do irmão, é acusado de ter conseguido a arma do crime.
A pistola foi encontrada na casa da deputada. O telefone celular do pastor nunca apareceu.
Flávio e Lucas foram denunciados por homicídio triplamente qualificado(por motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima), com pena prevista de 12 a 30 anos.
Deputada Flordelis participa do velório do marido — Foto: Reprodução/TV Globo
Depoimentos conflitantes
Na investigação sobre por que Anderson foi morto, a polícia encontrou divergências nas versões e inconsistências nos depoimentos da família.
Os investigadores já sabiam que, além de diversas igrejas espalhadas pela Região Metropolitana, a família da deputada Flordelis e do pastor Anderson também tinha uma grande influência política na área.
Já se discutia, por exemplo, indicar uma pessoa de confiança a prefeito de São Gonçalo nas eleições deste ano.
A carta falsa
Em novembro, o MPRJ apontou que Flordelis era suspeita de fraudar uma carta em que um de seus filhos confessou ter matado Anderson a mando de um dos irmãos.
A parlamentar, em entrevista, explicou que recebeu a carta das mãos da mulher de um preso. Na correspondência, ainda de acordo com o advogado de Flordelis, Lucas teria revelado que Mizael oferecera a ele um emprego e um carro em troca de um “susto”.
“Estão tentando jogar sobre mim uma culpa de um assassinato que não é verdade, que não fui eu, é uma farsa, e vai aparecer o verdadeiro mandante”, declarou Mizael.
Marido da deputada Flordelis é assassinado em Niterói — Foto: Reprodução