O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é um dos políticos que mais conseguiram liberar dinheiro de emendas em 2020. Até esta terça-feira (13/10), o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) empenhou R$ 15.637.645,00 em emendas do roraimense, fazendo dele o oitavo senador com mais dinheiro liberado.
Rodrigues foi alvo nesta quarta-feira (14/10) de uma operação conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal para apurar desvios de verbas destinadas ao combate à pandemia do novo coronavírus. O dinheiro desviado teria vindo justamente de emendas parlamentares, de acordo com a Polícia Federal.
Emendas parlamentares são modificações sugeridas por senadores ao Orçamento da União. Geralmente são usadas pelos políticos para direcionar recursos aos lugares onde eles têm votos.
Podem ser usadas para custear serviços públicos (como um posto de saúde, uma escola) ou para investimentos (como o asfaltamento de uma rua).
Neste caso os recursos eram geridos pela secretaria estadual de saúde de Roraima, e deveriam ser utilizados para a compra de equipamentos de proteção e testes para detecção de covid-19. A investigação apontou direcionamento de licitação para empresas específicas, sobrepreço e superfaturamento nas contratações.
A CGU e a PF não divulgaram qual seria o papel de Chico Rodrigues no suposto esquema.
Dos 81 senadores, apenas sete tiveram mais recursos liberados em 2020 que Chico Rodrigues. Quem mais teve recursos empenhados foi o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com R$ 15,9 milhões. Em seguida vêm Jayme Campos (DEM-MT) e Angelo Coronel (PSD-BA), também com R$ 15,9 milhões.
No caso de Chico Rodrigues, os ministérios que mais liberaram recursos foram o da Defesa (com R$ 7,2 milhões empenhados) e o da Saúde, com R$ 8,1 milhões.
A operação deflagrada nesta quarta foi batizada de Desvid-19 e incluía o cumprimento de sete mandados de busca e apreensão na cidade de Boa Vista (RR), entre eles a casa do senador Chico Rodrigues na capital de Roraima.
Foram encontrados ali quase R$ 30 mil, e parte das notas de dinheiro estaria entre as nádegas do senador. O flagrante foi registrado pela PF em fotos e vídeos, mas o material não foi divulgado.
Na tarde desta quinta-feira (15/10), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou o afastamento de Chico Rodrigues do cargo. Agora, o plenário do Senado precisa decidir se referenda ou não a remoção.Antes da decisão de Barroso, Jair Bolsonaro tinha determinado o afastamento de Rodrigues do posto de vice-líder do governo no Senado, o que aconteceu no começo da tarde desta quinta-feira.
Em nota, Rodrigues afirmou que vai provar que não tem “nada a ver com qualquer ato ilícito”. “Acredito na justiça dos homens e na justiça divina. Por este motivo estou tranquilo com o fato ocorrido hoje em minha residência em Boa Vista, capital de Roraima”.
Segundo ele, seu lar foi “invadido por apenas ter feito meu trabalho como parlamentar, trazendo recursos para o combate ao covid-19 para a saúde do estado”. No caso da Defesa, o dinheiro se destina à “implementação de infraestrutura básica nos municípios da região do Programa Calha Norte”. Esta área abrange 15 municípios de Roraima, Estado do senador.
Ao longo da pandemia, diversas operações policiais atingiram governos estaduais acusados de desvios de verba para o combate à doença. Mas essa é a primeira vez que investigações respingam no governo federal.
Proximidade com Bolsonaro e autoridades do governo
Com longa carreira na política, Chico Rodrigues é bastante próximo do presidente Bolsonaro.
Os dois conviveram por duas décadas no Congresso, onde se tornaram amigos. Depois de eleito presidente, Bolsonaro escolheu Chico como um dos vice-líderes de seu governo no Senado. O senador, por sua vez, deu emprego para um primo próximo dos filhos do presidente.
Em vídeo que circula nas redes sociais, Rodrigues afirma: “Quero aqui agradecer ao meu amigo Jair Bolsonaro, de 20 anos de Câmara dos Deputados, desde aqueles idos tempos de…”, quando é interrompido por Bolsonaro: “É quase uma união estável, hein, Chico? (risos).”
Desde julho, o senador publicou fotos em suas redes sociais de encontros com Bolsonaro, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Onyx Lorenzoni (Cidadania), Luiz Ramos (Secretaria de Governo), Jorge Oliveira (Secretaria Geral da Presidência), além de Mario Frias (Secretaria Especial de Cultura).
Em suas postagens com autoridades federais, Rodrigues geralmente trata de assuntos ligadas a Roraima, a exemplo da chegada de venezuelanos ao Estado e da construção do Linhão de Tucuruí, que deveria interligar a rede elétrica entre Manaus e Boa Vista, mas não sai do papel por causa de impasses acerca do impacto em terras indígenas.
Em 2019, Rodrigues foi convidado pelo presidente para integrar a comitiva presidencial que visitou Israel. Em vídeo gravado pouco antes da viagem, o colega Flávio Bolsonaro (PRB-RJ) afirma: “É uma grande honra para nós tê-lo aqui no nosso time. (…) A gente conta muito com a sua experiência durante esse governo. Então, é um reforço importante pro time”.
Foto: Agência Senado / BBC News Brasil
Como vice-líder, Chico Rodrigues tinha a função de falar em nome do governo e de ajudar o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a orientar os senadores governistas durante as votações em plenário, além de substituir eventualmente o líder em suas ausências.
Além do cargo de vice-líder do governo no Senado, ele também empregou em seu gabinete o assessor Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, que é primo dos três filhos mais velhos de Bolsonaro. O cargo tem salário bruto de R$ 22,9 mil, e em setembro deste ano, Léo Índio levou para casa R$ 16,9 mil líquidos.
Nomeado para o posto em abril de 2019, ele é filho de uma irmã de Rogéria Nantes, primeira mulher do presidente. Morou um período com o primo Carlos Bolsonaro, e atuou como assessor informal dele na Câmara Municipal do Rio até ser alocado no gabinete de Rodrigues.
À época da contratação, o senador disse que Léo Índio não tinha sido indicado pelos Bolsonaros. “A escolha foi feita pela experiência e articulação no meio político, e isso me pareceu ser muito útil para o nosso mandato”, disse.
Léo Índio já foi alvo de quebra de sigilo na investigação que apura suspeitas de um esquema de rachadinhas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). “Rachadinha” é a prática ilegal na qual assessores devolvem parte dos salários para o político que os emprega. Não há nenhuma acusação formal contra Léo Índio neste caso, e Flávio Bolsonaro nega qualquer irregularidade.
Ao longo de sua carreira política, Chico Rodrigues foi eleito para cinco mandatos como deputado federal, entre 1991 e 2011, sendo quatro pelo PTB e um pelo DEM, partido ao qual é filiado atualmente.
A investigação deflagrada nesta semana não é a primeira envolvendo Rodrigues.
Em 2014, ele era vice-governador de Roraima pelo PSB e chegou a governar o Estado por alguns meses após a saída de José de Anchieta (PSDB), que renunciou concorrer ao Senado.
Chico, porém, acabou cassado do cargo pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) naquele mesmo ano, por gastos irregulares na campanha eleitoral. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ele se tornou ficha-suja, mas acabou autorizado pela Justiça Eleitoral a concorrer em 2018 ao Senado.
Rodrigues também foi sancionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por causa de promoções indevidas de oficiais do Corpo de Bombeiros no período em que governou Roraima. Apesar do nome, o TCU é um órgão de assessoria do Congresso, e não faz parte do Poder Judiciário.
Em meados da década passada, ele foi investigado por irregularidades nas prestações de contas com gastos parlamentares de combustível, no escândalo que ficou conhecido como Farra dos Combustíveis.
Rodrigues chegou a admitir que registrava na rubrica de combustível gastos de outra natureza, que não emitiriam nota fiscal. Acabou absolvido.
Na nota divulgada após a operação desta semana, Rodrigues afirmou: “Tenho um passado limpo e uma vida decente. Nunca me envolvi em escândalos de nenhum porte. Se houve processos contra minha pessoa no passado, foi provado na justiça que sou inocente. Na vida pública é assim, e ao logo dos meus 30 anos dentro da política conheci muita gente mal intencionada a fim de macular minha imagem”.