O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, está tentando entender como funciona o mercado de entrega por aplicativos, que cresceu exponencialmente nos tempos, sobretudo a partir das medidas restritivas para o funcionamento do comércio durante a pandemia do novo coronavírus. Tal interesse veio à tona após a Rappi entrar com uma denúncia de prática anticompetitiva por parte de seu maior rival, o iFood. O que está em jogo é saber se os contratos de exclusividade firmados entre aplicativos e restaurantes, prática comum no mercado, coloca em risco a livre concorrência e traz prejuízos ao consumidor. Mas não só isso. O Cade está analisando se essas plataformas deveriam repassar os dados dos usuários para os restaurantes. Hoje, essas informações pertencem exclusivamente aos aplicativos. Caso fossem abertas aos estabelecimentos, poderiam resultar, por exemplo, em promoções personalizadas para os clientes.
O processo ainda não se tornou público, mas os analistas do Cade estão trabalhando a pleno vapor na apuração da denúncia. Nos últimos dias, o órgão antitruste ouviu a Rappi e o iFood e está ampliando a conversa aos demais competidores desse mercado. VEJA obteve, em primeira mão, um documento com as respostas do iFood aos questionamentos da agência reguladora. A empresa disse ser “a favor da adoção de medidas e boas práticas que auxiliem na prevenção à lavagem de dinheiro e no financiamento do terrorismo, especialmente medidas que melhorem a gestão de riscos dos meios de pagamento” e, por isso, o não compartilhamento de informações. Justifica, para não compartilhar os dados dos clientes, o artigo 28 da Circular n°. 3.978/20 do Banco Central, que determina uma quantidade pequena de informações para compartilhamento. “Para a lógica de combate à lavagem de dinheiro e prevenção do financiamento do terrorismo, não seria necessário expandir o rol de informações solicitadas às subcredenciadoras, especialmente diante do risco concorrencial que tal compartilhamento pode ensejar”, afirma o iFood em resposta ao órgão.
Em outro ponto do texto, a companhia alega que o compartilhamento dos dados com os restaurantes pode ser arma de vazamentos, que infringiriam o papel de segurança previsto pela Lei Geral de Proteção aos Dados (LGPD) tal como prejudicariam sua atuação no mercado. “O acesso a informações concorrencialmente sensíveis e segredos de negócio por um concorrente traz riscos de ordem concorrencial extremamente relevantes, e que não podem ser desconsiderados”, responde a empresa. “Esses diferentes interesses devem ser compatibilizados de modo a se evitar que um deles se sobreponha e crie problemas em outra esfera igualmente relevante para o funcionamento dos mercados e da economia do país de forma mais ampla”, afirmou.
Questionado sobre a posição do iFood, Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), não teve papas na língua para criticar a empresa. “Acho absurda e monopolista essa posição de ficar defendendo território conquistado. É uma coisa de líder do mercado, que a gente compreende, mas não aceita. No mínimo, bares e restaurantes devem ter acesso ao CPF, o endereço e o nome de seus clientes”, diz ele. “A Abrasel viu com muito bons olhos esse processo ao Cade e deverá acompanhar a linha de raciocínio da Rappi”, complementa. O executivo disse que participou de reunião com o presidente do Cade, Alexandre Barreto, na tarde desta segunda-feira, 16, para expor a visão do mercado ao órgão antitruste.
Outro ponto que incomoda a cadeia são os contratos de exclusividade firmados pelos aplicativos, conforme VEJA abordou em reportagem. Restaurantes que aderem à parceria exclusiva com algum aplicativo são agraciados com menores taxas de venda e entrega, além de serem posicionados com maior destaque na plataforma. O processo ainda encontra-se em sigilo de Justiça, mas em breve deve se tornar público.
Outras empresas do setor avaliam a possibilidade de aderirem à contestação da Rappi contra a atuação do iFood no Cade. A decisão está nas mãos do órgão antitruste e pode mudar o mercado de entregas a domicílio. Resta saber se o resultado da decisão será benéfico a consumidores e donos dos estabelecimentos.