Cinco técnicas para estimular a memória, segundo a neurociência

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Qual a vantagem de uma boa memória se temos tantas informações disponíveis a um clique no celular?

Mesmo para quem pode contar com o Google para achar o que precisa, as evidências científicas indicam que estimular a memória tem uma influência positiva na saúde do cérebro como um todo, em pessoas de todas as idades, explica o cientista americano Eric Chudler, coautor de Brain Bytes e pesquisador da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.

A BBC News Brasil conversou com Chudler para, atendendo a pedidos de leitores e espectadores no YouTube, preparar um guia com dicas de memória que ajudem estudantes (ou qualquer pessoa) a se lembrar das coisas que considerem uteis nos estudos e no cotidiano.

As dicas estão disponíveis também em vídeos no canal da BBC News Brasil no YouTube.

É sempre bom lembrar que aprender vai muito além de memorizar. Cada vez mais, são valorizados o pensamento crítico, a associação de conhecimentos que transitem entre várias matérias e o uso prático da teoria.

Mas a memorização pode ajudar a guardar aquele conceito que estava difícil de lembrar na hora da prova, da apresentação, do projeto… E a manter o cérebro sempre estimulado.

1) Visualizar

Quando você tiver que se lembrar de algo muito importante, tente enxergar essa coisa na sua cabeça.

O ato de visualizar parece criar novas conexões cerebrais entre o que você quer lembrar e o que você está visualizando. Ou seja, não apenas as conexões criadas pela leitura da palavra escrita ou mesmo falada. E isso ajuda a memória.

O melhor jeito é tentar visualizar o que você precisa de um modo bem peculiar. Uma imagem incomum tende a favorecer essas conexões, diz Chudler.

Por exemplo: você parou o carro na vaga 5C do estacionamento. Imagine que há cinco cachorros esperando por você no carro. Os cachorros servem para lembrar da letra C. Eles são cinco para lembrar do número cinco, claro.

Ilustração do cérebro feita com bolas de papel
Quando você tiver que se lembrar de algo muito importante, tente criar uma imagem mental para isso

Isso funciona também para os estudos e o aprendizado? Uma pesquisa feita nos anos 1970 testou essa técnica com crianças de 8 anos de idade em uma escola nos Estados Unidos.

Elas liam 17 trechos de livros e depois eram orientadas a imaginar uma cena do que haviam acabado de ler. O estudo concluiu que elas conseguiam se recordar muito mais do conteúdo do que os colegas que só tinham lido as palavras.

Ou seja, se você quer lembrar uma informação-chave de um livro, o ponto mais importante da aula de biologia ou uma sequência de eventos históricos, pinte mentalmente cenas que remetam a isso.

A ideia é que uma referência visual é mais concreta para o cérebro do que uma sequência de letras ou palavras.

Você pode usar isso também para lembrar de conceitos que talvez tenha dificuldade em memorizar e que caem muito nas provas. Um exemplo: o teorema de Pitágoras: a² = b² + c², sendo “a” a hipotenusa e “b” e “c” os catetos de um triângulo retângulo.

Você pode imaginar, por exemplo, que um “a” dentro de um quadrado grande é igual a “b” e “c” dentro de dois quadrados menores, um do lado do outro.

E daí trocar o “a” por um hipopótamo, que pode te ajudar a lembrar da palavra hipotenusa, e trocar “b” e “c” por uma catedral cada, que é uma palavra parecida com cateto.

Inclusive, você pode usar outros sentidos nessa técnica: associar a imagem a um cheiro ou a um som, por exemplo. Isso aumenta as chances de a memória da imagem perdurar. Por exemplo, o hipopótamo acima pode fazer um grunhido.

2) Associar

Fazer elos, ou associações, entre as coisas de que você precisa se lembrar é uma boa ideia se você quer se recordar de mais de um item, às vezes em uma determinada ordem.

Digamos que você queira comprar leite, pão, ovos, queijo e suco de laranja no supermercado. Tente conectar essas cinco palavras com imagens na sua cabeça, sugere o pesquisador Eric Chudler.

Por exemplo: pense no leite caindo da caixinha em cima de um pacote cheio de pão.

O pão forma um sanduíche com ovo dentro.

O ovo suja de amarelo o queijo.

O queijo cai do alto de uma árvore cheia de laranjas.

Se a ideia, por exemplo, é lembrar quais países estavam de qual lado na 2ª Guerra Mundial, você pode tentar fazer associações que remetam a eles.

E para números? Principalmente se ele for comprido, tente dividir em pedaços menores.

O motivo é bem simples: coisas menores são mais fáceis de se lembrar do que as maiores. É por isso que costumamos memorizar o nosso CPF ou do nosso número de celular dividindo eles em duas, três ou quatro partes.

Também ajuda a memória se você der um significado aos números. Por exemplo, se você precisa lembrar que seu amigo mora na casa 1066 da rua X, pode fatiar e associar a algo que tenha sentido para você: “10 é a idade do meu filho”, “66 é a idade do meu pai”.

Assim, dividindo e dando sentido aos números, fica fácil lembrar sequências curtas ou longas.

3) Método de loci

A preocupação com a memória vem desde as civilizações antigas, quando os registros da história eram muito mais frágeis do que os atuais.

Personagens de Sherlock, seriado da BBC
Em um episódio do seriado ‘Sherlock’, o personagem ‘passeia’ por áreas de sua memória, algo parecido com o método de loci

Reza a lenda que o poeta grego Simônides de Ceos inventou, por volta do ano 500 a.C., uma técnica de memorização logo depois de escapar por pouco do desabamento da casa onde jantava. E conseguiu ajudar a identificar as vítimas fatais do banquete porque se lembrava exatamente onde cada uma delas estava sentada à mesa.

Eis o método de loci, que significa “lugar” em italiano. Essa técnica também é conhecida como Palácio da Memória. Ela mistura as duas dicas anteriores: visualizar e conectar as coisas que você quer memorizar.

Alguns relatos históricos apontam que ela era usada por oradores da Grécia e da Roma antigas, como o imperador romano Cícero, para se recordar do que queriam dizer em seus discursos, em uma determinada ordem.

Eles começavam visualizando o interior do local onde iam fazer o seu discurso (um templo, por exemplo) e aí associavam, mentalmente, um objeto para cada canto desse templo.

Esses objetos podiam ser, por exemplo, uma espada, para ajudar o orador a se lembrar que queria mencionar no seu discurso uma batalha importante.

Mas dá para usar isso nos dias de hoje?

Em um estudo de 2014, pesquisadores fizeram estudantes de Medicina usarem o método de loci para lembrar o que eles tinham aprendido em uma aula sobre o hormônio insulina e a diabetes, uma doença metabólica ligada aos níveis de açúcar no sangue.

Os estudantes tinham de visualizar na cabeça o campus da universidade (a cafeteria, a entrada do prédio e um laboratório) e associar cada um desses cantos a um conceito aprendido na aula.

Por exemplo, o aluno podia associar a cafeteria à forma como age a insulina em um paciente diabético. Na entrada do prédio, podia lembrar o que são os níveis de glicose. E assim por diante.

Daí, ao fazer um passeio mental pelo campus da faculdade, os alunos iam consolidando e se recordando dos conceitos.

Nesse estudo, os alunos que usaram o método do Palácio da Memória tiraram, em média, 9,3 na prova feita em seguida, contra a média de 8,1 dos demais alunos.

Mas será que a técnica só ajudou os estudantes naquela prova ou será que as informações foram realmente retidas?

Segundo Eric Chudler, estratégias de memorização como essa ajudam a transformar memórias de curto prazo em memórias de longo prazo, ou seja, ajudam de fato na absorção do conhecimento.

Foto de uma pessoa apagando o desenho de um cérebro
Estratégias de memorização ajudam a transformar memórias de curto prazo em memórias de longo prazo

O mais fácil é criar o seu Palácio da Memória em um lugar que seja familiar para você. Mas um estudo canadense aponta que a técnica pode ser usada também em ”palácios” virtuais ou imaginados, e não apenas nos lugares que conhecemos bem.

4) Musicalizar

Por que algumas músicas ”grudam” na nossa cabeça?

Cientistas concluíram até agora que algumas parecem ter propriedades específicas para captar a atenção do nosso cérebro, como melodias simples e repetitivas ou alguma palavra curiosa.

Isso faz com que essas músicas-chiclete criem um circuito próprio no córtex auditivo do cérebro. A melhor alternativa é ouvir outra música, para tentar cancelar o efeito daquela primeira dentro do cérebro.

A neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel explica em seu livro Sexo, drogas, rock’n’roll e chocolate que a música ativa várias regiões do cérebro.

E, quanto mais escutamos algumas músicas, maior a chance de gostarmos delas, porque nosso cérebro passa a entender aquela sequência melódica e cria uma expectativa para o que ele vai ouvir. Essa expectativa é imediatamente atendida pela música, gerando uma sensação de prazer.

Inclusive, a neurocientista explica que um estudo canadense descobriu que o prazer que você sente quando ouve as músicas que mais ama, aquelas especiais para você, que te deixam arrepiado, é bem parecido ao prazer proporcionado pela comida ou desencadeado por drogas ou sexo.

Orquestra
Quanto mais escutamos algumas músicas, maior a chance de gostarmos delas

Não é à toa, portanto, que a música seja uma ferramenta tão poderosa, inclusive para a memória. Diferentes estudos mostram que nossa memória para letras musicais costuma ser muito mais precisa do que a memória de outros tipos de textos.

Por isso que canções, rimas cantadas e paródias são uma forma útil de memorizar listas, palavras, conceitos ou fórmulas, por exemplo.

Uma ideia simples para colocar essa técnica de memorização em prática é usar músicas comuns, cujas letras todo mundo sabe, e, mantendo o mesmo ritmo, trocar a letra pelo conteúdo que quer memorizar.

Essa técnica não é nova, mas é bem eficiente, como bem sabem professores de cursinho pré-vestibular. Eles são mestres em fazer paródias para ajudar os alunos a se lembrar de conceitos importantes.

Um exemplo que pode servir de inspiração é um professor de cursinho que usou a música Como eu Quero, do Kid Abelha, para ensinar os alunos que as células de bactérias não têm carioteca, uma membrana muito importante no funcionamento de alguns tipos de células.

O professor trocou o refrão “eu quero você como eu quero” pelo ensinamento que queria passar: “bactéria não tem carioteca”. E, ao longo da letra, ele ensina outros conceitos.

Tem gente que defende, também, que a música pode ser útil de outras formas na memória de estudantes.

O autor americano Joseph Cardillo, autor de Your Playlist Can Change Your Life (Sua lista de músicas pode mudar sua vida, em tradução livre), defende que a música “otimiza habilidades naturais” dos estudantes ao organizar a mente e ajudar a preparar o cérebro para trabalhar e memorizar melhor.

Ele argumenta, por exemplo, que ouvir músicas que você gosta podem tanto te deixar energizado quanto te acalmar antes de estudar ou de completar uma tarefa do trabalho.

5) Transformar listas em frases

Uma frase curiosa, geralmente absurda, pode nos ajudar a memorizar a ordem de alguma coisa. A primeira letra de cada palavra da frase vai corresponder ao nome do que você quer lembrar.

O exemplo mais simples é usar para memorizar a ordem dos planetas no Sistema Solar: Minha vó tem muitas joias, só usa no pescoço. Para lembrar de Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urânio, Netuno e Plutão (vale lembrar que essa lista, antiga, vem de antes de Plutão ter sido ”rebaixado” dos planetas, em 2006).

Quanto mais absurda for a frase, mais fácil vai ser para o cérebro lembrar dela.

Por fim, lembre-se de que uma boa memória depende muito de uma boa noite de sono. Quando dormimos, o cérebro elimina toxinas e revive o que você viveu e aprendeu durante o dia, consolidando essas lembranças.

Outra dica dos cientistas é: a comida que faz bem para o coração também faz bem para o cérebro. Ou seja, uma alimentação equilibrada e nutritiva também ajuda a cabeça a funcionar melhor.

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