A Justiça Federal em São Paulo determinou que o governo federal pare de fazer campanhas com referências a medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 e que os influenciadores digitais contratados pela gestão publiquem mensagens para desencorajar o uso do “kit Covid”.
A decisão da juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, é de quinta-feira (29), mas foi divulgada nesta sexta-feira (30).
Ela atende a uma ação civil pública protocolada por Luna Zarattini Brandão, que foi candidata a vereadora na capital paulista pelo Partido dos Trabalhadores, contra o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten, e contra a agência Calia/Y2 Propaganda e Marketing e os influenciadores Flavia Viana, João Zoli, Jessica Tayara e Pam Puertas.
Documentos anexados ao processo indicam que os influenciadores foram contratados pelo governo federal ao custo total de R$ 23 mil.
À Justiça, a União disse que jamais patrocinou qualquer campanha publicitária que incentivasse o “tratamento precoce”. Para a 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, contudo, o argumento não se sustenta.
O “tratamento precoce” é composto por um conjunto de medicamentos inócuos ou tóxicos no tratamento da Covid-19, formado pela ivermectina, usada para no tratamento de infestações parasíticas, pela hidroxicloroquina e a cloroquina, utilizadas para o tratamento da malária e de doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide, pela azitromicina, antibiótico de amplo espectro, utilizado no enfrentamento de infecções bacterianas, e por outros medicamentos como nitazoxanida, zinco, vitamina C e vitamina D.
A Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) já emitiram nota conjunta para informar que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção da Covid-19, e que pesquisas com medicações para outras doenças ainda estão em curso.
A Justiça também entendeu que a campanha com influenciadores pelo “atendimento precoce” está inserida dentro do contexto de várias outras ações da União a fim de estimulá-lo, como o aplicativo do Ministério da Saúde “TrateCov”, que recomendava o “tratamento precoce” e que foi retirado do ar após pedido do Conselho Federal de Medicina.
Na decisão também foi citada a postagem do Ministério da Saúde nas redes sociais que dizia: “Para combater a Covid-19, a orientação é não esperar. Quanto mais cedo começar o tratamento, maiores as chances de recuperação. Então, fique atento! Ao apresentar os sintomas da Covid-19, #NãoEspere, procure uma Unidade de Saúde e solicite o tratamento precoce”.
O G1 questionou se o governo federal pretende recorrer da decisão e aguarda retorno.
Argumentos
Na ação, Luna Zarattini Brandão sustentou que, embora algumas mortes fossem inevitáveis durante a pandemia do coronavírus, “inúmeras são fruto de descaso governamental” e de “campanha de desinformação”, “parte de um amplo esforço para promover o ‘negacionismo’ do vírus, oferecendo à população uma falsa segurança de retorno às atividades, com o abandono das medidas de isolamento social.”
Entre os argumentos listados, ela citou a campanha intitulada “O Brasil não pode parar”, iniciada logo no começo da pandemia, e também proibida pela Justiça após pedido do Ministério Público Federal, pelo “incentivo para que a população saia às ruas e retome sua rotina, sem que haja um plano de combate à pandemia definido e amplamente divulgado”.
Na Justiça, a União disse que sempre se referiu à busca de um atendimento imediato, em caso de sintomas, ainda na fase inicial da doença, não sugerindo em nenhum momento qualquer medicamento sem eficácia comprovada.
O governo ainda negou a publicação de postagens de agentes públicos e do presidente da República em defesa do tratamento, e disse que não enxerga lesão ou ilegalidade na campanha publicitária, pois nos materiais “não há qualquer referência ao chamado ‘tratamento precoce’ ou ‘kit Covid’”.