O avanço da vacinação entre idosos levou o país a registrar, pela primeira vez na pandemia, mais mortes entre crianças, jovens e adultos de covid-19 do que de pessoas a partir de 60 anos. Os dados são dos cartórios de registro civil do país, responsáveis pela certidões de óbito.
Na semana epidemiológica de número 22, entre os dias 30 de maio e 5 de junho, 53,6% dos óbitos de covid-19 no país foram de vítimas até 59 anos de idade. Na semana anterior, essa média havia ficado em 49% —e era a maior até então.
Até ontem, estavam registradas no portal da transparência da Arpen Brasil (Associação Nacional de Registradores de Pessoas Naturais) 7.499 mortes na semana 22 em decorrência do novo coronavírus. O número absoluto ainda pode crescer devido a inserções de dados com atraso, mas o percentual por faixa etária não deve ser alterado.
Para efeito de comparação, na última semana antes do início da vacinação no país, entre 10 e 16 de janeiro, 77,5% das mortes registradas foram de vítimas com 60 anos ou mais e apenas 22,5% entre jovens e adultos. Em 2020, a participação de mortes na faixa etária dos 60 anos ou mais foi de 76%.
Quanto mais doses, mais queda
A maior redução ocorreu na participação de mortes de idosos com 80 anos ou mais no país, que respondeu por 30% dos óbitos em 2020, mas na semana passada representaram 13,7% do total.
Lima Neto explica que, no caso de Fortaleza, os números apontam para menos hospitalizações e mortes nas idades mais elevadas.
“Claro que precisamos de estudos mais robustos, mas você começa a notar uma redução importante das mortes na faixa de 75 anos ou mais. A gente notou isso também em relação aos casos. Na faixa seguinte, e depois com os grupos prioritários, a gente também começou a observar, mas com um retardo em relação à faixa de 75 anos e mais”, explica.
Segundo o PNI (Plano Nacional de Imunização), quem tem 60 anos ou mais foi classificado como grupo prioritário, mas, como houve um chamado descendente por idade, ainda há pessoas na janela imunológica.
Todos os estados já chamaram pessoas com 60 anos ou mais para imunização de pelo menos uma dose. Inicialmente, a queda ocorria entre as maiores faixas etárias, em especial a partir de 85 anos, que “abriram” a vacinação com a CoronaVac —e que tem intervalo de 21 dias entre as doses. Já quem toma a vacina AstraZeneca tem um intervalo maior entre as duas doses: 90 dias.
“A maioria dos idosos acima de 85 anos fez as duas doses da CoronaVac. Acima de 80 começaram com AstraZeneca. Quando vai descendo, está a maioria [dos idosos] com uma dose”, explica Melissa Palmieri, diretora em São Paulo da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Ela explica ainda que essa redução reflete como as vacinas funcionam bem e deve servir de um incentivo.
Circulação do vírus ainda alta
Segundo a infectologista Vera Magalhães, também professora de doenças tropicais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), apesar da comemorada queda de mortes entre idosos, adultos seguem sendo vítimas da doença porque a circulação viral continua alta no país.
É preciso lembrar que as vacinas dadas no país previnem o desfecho de morte e o agravamento da doença, mas não garantem que a pessoa deixe de se infectar ou repasse o vírus.
Para ela, esse cenário só vai mudar quando tivermos uma maioria da população vacinada. Hoje, apenas 11% das pessoas que vivem no Brasil foram vacinadas com as duas doses.
“A única alternativa é a vacinação rápida e em massa de pelo menos de 60% a 70% da população. Só assim vamos controlar a circulação viral. Enquanto isso não ocorre, temos que manter as medidas de distanciamento social. Ou a gente dificilmente vai sair dessa pandemia”, diz.
Uma das preocupações de Magalhães é que, ao contrário do que recomendam os especialistas, há um afrouxamento nas medidas de isolamento social pelo país —o que deve aumentar a circulação do novo coronavírus.
Desta vez, a tendência é impactar pessoas cada vez mais jovens, que por sua vez passam mais tempo em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) e sobrecarregam o sistema de saúde.
“Já há uma sobrecarga no nosso sistema e uma fila de espera gigante por leitos. Todo esse cenário piora a qualidade do atendimento nos hospitais. Aí, quando as pessoas se complicam e precisam de um atendimento especializado em UTI, não têm da forma necessária”, finaliza.