“Me ofereceram 60 cents de dólar por dose para facilitar a importação das vacinas”

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Um dos delatores do esquema de corrupção na compra da Covaxin, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) denunciou que, após ter detalhado ao presidente Jair Bolsonaro as irregularidades na aquisição da vacina indiana, ele foi chamado para reuniões com o lobista Silvio Assis, homem de confiança do líder do governo, o deputado Ricardo Barros (PP-PR). Na oportunidade recebeu uma proposta para ganhar 60 centavos de dólar em cada dose do imunizante que viesse a ser importado. Em uma das reuniões, o próprio Barros estava presente. Miranda disse que pensou em dar voz de prisão a Assis. O parlamentar afirmou à ISTOÉ estar decepcionado com o presidente Bolsonaro e criticou o tratamento que tem recebido desde que fez a denúncia ao lado de seu irmão, que é funcionário do Ministério da Saúde. “Minha maior decepção é que o presidente, para não perder a narrativa de que no governo dele não tem corrupção, optou por atacar quem está levantando a denúncia. A reação do governo é típica de quem não quer que a verdade apareça”.

O senhor esteve em reuniões com o lobista Silvio Assis e o deputado Ricardo Barros após a denúncia do escândalo da Covaxin? Houve tentativa de suborná-lo?
Esse tipo de reunião é normal aqui em Brasília. Parlamentares se reúnem em uma casa para tratar de uma pauta específica. Em nenhum momento, achei que teria qualquer coisa fora da curva. Barros esteve presente só numa das duas reuniões que tive com o Silvio. Mas o Barros só falou de projetos comigo. Na hora que eu estava indo embora, o Silvio Assis me fez uma oferta, dando a entender que era uma oferta empresarial. “O senhor, como empresário, pode ganhar 60 cents de dólar por vacina. Então ajuda a gente a emplacar a vacina”. Foi quando questionei: “Ajudar de que forma, meu amigo? Eu não tenho como te ajudar. E, se você insistir, eu vou te dar voz de prisão”. Aí ele olhou para mim, deu um sorriso e disse: “O que é isso, deputado? É uma oferta, negócio. Mas se o senhor se sentiu ofendido, deixa para lá”. Ele me acompanhou até a saída da casa e estávamos apenas eu e ele. Foi algo não republicano, que eu não gostei. Depois disso, nunca mais fui até a sua casa. O Silvio até me convidou para o aniversário dele, onde foram vários parlamentares, mas eu não fui. Não quis mais contato, porque a conversa não era positiva. Era problema.

Não deu para entender que era oferta de propina, coisa criminosa?
Tem muita gente em Brasília que quer mostrar poder. Fiquei em dúvida se ele tinha a intenção de me corromper ou se sabia que meu irmão trabalhava no ministério. Eu não sabia se ele queria mostrar que era poderoso, que era um cara de quem eu deveria me aproximar, porque poderia me rentabilizar. Essa dúvida foi suficiente para eu nem ter tocado mais nesse assunto até aqui. Se o Silvio tivesse feito essa oferta hoje, eu teria saído de lá e chamado a polícia para prendê-lo. Ficaria muito claro que teria algo de errado. Naquele momento, eu ainda acreditava que o caso estava sendo investigado pela PF.

O senhor já conhecia Silvio Assis?
Eu o conheci no final de março. Entraram em contato comigo, dizendo que queriam me apresentar uma pessoa influente em organização político-partidária. É natural que você queira conhecer pessoas que tenham algum tipo de influência em partidos. Fui lá e acabei conhecendo-o. Ele demonstrou claramente que ele tinha influência, porque havia vários outros parlamentares com ele, pessoas até do Judiciário.

Existe mesmo uma gravação que o senhor fez da conversa com o presidente sobre a participação do Ricardo Barros no escândalo?
A todo o momento, eu sempre deixei claro: o presidente não mentiu até agora. Já admitiu que estivemos com ele e já admitiu que fizemos a denúncia. Ele já disse, inclusive, que mandou tocar a investigação em frente. Não tem porquê a gente tratar de provas daquilo que falamos, porque o presidente já confirmou tudo o que revelamos.

Mas esse áudio existe?
Com respeito ao tema, eu vou evitar comentar neste momento. Qualquer prova nesse sentido só apareceria caso o presidente mentisse.

O senhor continua acreditando que Bolsonaro não sabia sobre a compra superfaturada de vacinas?
Estou muito decepcionado com o presidente Bolsonaro. Muito mais pela reação que ele teve conosco. Por que não trataram a gente com respeito? Por que atacar a gente? O que está por trás disso? Será que o Bolsonaro está por trás disso? Não sei. Mas a reação do Onyx (Lorenzoni) e de outras pessoas ao defenderem posturas erradas me deixou frustrado. Qual foi a intenção de tratar a gente da forma como fomos tratados?

O senhor continua apoiando o governo Bolsonaro?
Minha maior decepção é que em vez de mandar investigar as irregularidades, o presidente optou por atacar quem está levantando a denúncia, apenas para não perder a narrativa de que no seu governo não tem corrupção. A reação do governo é típica de quem não quer que a verdade apareça.

Como o senhor vê a manutenção do deputado Ricardo Barros como líder do governo?
Insustentável. O governo precisa demonstrar transparência e clareza, para a gente seguir votando as pautas econômicas. Se o presidente quiser recuperar a credibilidade, vai ter que colocar na linha de frente alguém que consiga ter um diálogo decente com a gente, sem esse tipo de suspeita.

O senhor teme represálias? Afinal, desde que o senhor e seu irmão fizeram a denúncia, a CPI disse que iria garantir segurança a vocês…
Não. Não estamos com segurança nenhuma. Meu irmão chegou a ser chamado na Polícia Federal para conhecer o programa de proteção à testemunhas. Mas queriam isolar ele. Não faz sentido. Acho que ele tende a não aceitar a oferta da PF. A Polícia Legislativa também deveria me dar segurança, mas até agora nada. Venho sofrendo muitos ataques e ameaças. O que já deveria ter ocorrido é a Polícia Legislativa já ter oferecido segurança permanente para mim, mas isso não aconteceu. Agora mais do que nunca, precisamos ter a garantia de segurança.

O que achou de Onix tê-lo ameaçado após a denúncia?
Primeiro, a incapacidade política de lidar com o problema. Em vez de me atacar, tinha que ter me chamado para obter mais detalhes sobre as irregularidades. Seria muito mais correto ele ter nos tratado com o devido respeito. A reação dele demonstra não ter nenhuma inteligência emocional para lidar com problemas. E pior: ele é mentiroso. Mau-caratismo foi ao extremo.

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