A Câmara dos Deputados rejeitou nesta quarta-feira, em votação de primeiro turno, por 297 votos a favor e 182 contrários, a versão do relator Paulo Magalhães (PSD-BA) da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o peso do Congresso na escolha de integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) , órgão responsável por disciplinar a atividade de procuradores e promotores. Agora, os parlamentares votam o texto original da proposta.
Com forte oposição de associações e conselhos da categoria, o texto de Magalhães havia sido negociado nas últimas semanas pessoalmente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Durante a tramitação, Lira declarou que era preciso dar “um freio” nas ações do MP. No parlamento, a principal insatisfação é com a conduta de procuradores na Operação Lava-Jato. Já os integrantes do MP, insatisfeitos com o andamento do projeto, em ritmo a toque de caixa, argumentam que as mudanças são um ataque à independência do órgão.
Nesta quarta-feira, Paulo Magalhães apresentou uma nova versão da PEC. Após o adiamento da votação em três ocasiões, os parlamentares fizeram alterações para atender às demandas de procuradores em alguns pontos. Mas a nova redação não foi suficiente para convencer a categoria. Apenas Podemos, PSOL, Novo e Rede orientaram contra o texto.
Entre os pontos considerados inaceitáveis pelo MP está a escolha do corregedor do órgão pelo Congresso. Para amenizar as críticas, o relator incluiu a exigência da formulação de uma lista quíntupla entre os procuradores-gerais de Justiça, que atuam nos estados. Dessa relação, sairia um nome selecionado pelos parlamentares para a corregedoria.
No novo texto do relator também há uma dispositivo que permite a anulação de atos de integrantes do Ministério Público. A PEC determina que o ato “mediante dolo ou fraude, em violação a dever funcional, após apuração em processo administrativo disciplinar, é nulo de pleno direito e será assim reconhecido pelo Poder Judiciário”. Procuradores reclamam que, neste ponto, haverá brecha para que decisões sem o devido processo legal. Isso porque os magistrados vão apenas “reconhecer” a decisão do CNMP, sem análise do Judiciário.
A proposta também aumenta a influência do Congresso na composição do conselho. Serão cinco indicados pelo Congresso entre os 17 integrantes do órgão — hoje, são 14 integrantes, sendo 4 indicados pelos congressistas.
Antes da votação, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) discursou a favor da retirada de pauta da PEC. O requerimento que pedia o adiamento da análise do assunto, porém, foi derrotado por 316 votos a 126.
“É um absurdo levarmos a cabo essa PEC, uma vez que nós estamos falando de interferência política no Conselho Nacional do Ministério Público. Cinco membros são indicados pelo Congresso Nacional. O que nós queremos fazer? Interferência política num órgão que deveria ser eminentemente técnico. Isso causa insegurança jurídica. Isso prejudica, sim, o combate à corrupção”, discursou a deputada.
Já o autor original da proposta, Paulo Teixeira (PT-SP), tentou rebater os argumentos dos parlamentares contrários ao texto. Ele negou o texto fosse a “PEC vingança”, como alguns parlamentares apelidaram o texto.
“Esse relatório é equilibrado. Vejam: o corregedor será escolhido por uma lista quíntupla, entre os escolhidos nas regiões, indicados pelos próprios procuradores-gerais, mas votados pelo Congresso. Que vingança é essa?”, argumentou.
Entre as 17 cadeiras definidas pela PEC, o presidente do CNMP será o procurador-geral da República; quatro integrantes serão do MP da União; três do MP dos estados; um juiz ou ministro indicado pelo Supremo Tribunal Federal; um magistrado indicado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); dois advogados indicados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil); quatro cidadão com notável saber jurídico indicados por Câmara e Senado; e o procurador-geral escolhido na lista quíntupla, alternadamente, de dois em dois anos, por Câmara e Senado, com a função de ocupar a corregedoria. Hoje, o corregedor é escolhido em votação secreta entre todos os membros do CNMP.
Outro ponto criticado era a competência do CNMP de rever as decisões dos conselhos superiores dos Ministérios Públicos. O texto destacava que, quando esses conselhos contrariarem a Constituição ou decisões do próprio CNMP, poderá haver uma revisão. Em plenário, porém, Paulo Magalhães atendeu a pedido do líder do PSL, Vitor Hugo (GO), e suorimiu o trecho.
Segundo a redação do relator, o conselho terá a competência de definir conflitos sobre as atribuições dos MPs da União e dos Estados. Um ponto exigido pelos parlamentares é a elaboração de um código de ética para integrantes do MP. No último parecer de Magalhães, houve uma ampliação do prazo para a elaboração das regras de conduta. O texto amplia de 120 para 180 o prazo para edição da norma pelo CNMP.
Entidades da sociedade civil e personalidades artísticas se mobilizaram num movimento contra a emenda constitucional que dá poderes ao Congresso Nacional de interferir no Conselho Nacional do Ministério Público. Cerca de vinte entidades nacionais e internacionais se manifestaram contra a PEC, que une petistas, Centrão e bolsonaristas.
A organização não-governamental Transparência Brasil afirmou, em nota, que a proposta tem apenas o pretexto de aprimorar o funcionamento do CNMP, mas, diz a entidade, “traz ameaças à independência do Ministério Público, em particular nas investigações de políticos”. A Federación Latinoamericana de Fiscales (FLF) mostrou a mesma preocupação e criticou a a falta de um debate mais profundo com a sociedade.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) foi na mesma linha. Para a entidade, a PEC retira autonomia e independência do Ministério Público, tornando procuradores reféns de ingerências políticas. “Trará́ um retrocesso histórico sem precedentes e jogará por terra todas as conquistas alcançadas. Ao fim e ao cabo, a sociedade brasileira será́ a grande prejudicada”.
A cantora Alcione e a atriz Bruna Lombardi também se manifestaram contra as mudanças no CNMP, defenderam a soberania do Ministério Público e lembraram a atuação de procuradores e promotores em defesa dos direitos das crianças, do meio ambiente, da liberdade da expressão e dos direitos humanos.