- Suzanne Bearne / BBC News
Em um mundo em que muitos de nós estamos grudados em nossos smartphones, os telefones celulares inteligentes, Dulcie Cowling é uma espécie de anomalia. Ela abandonou seu celular.
No final do ano passado, Cowling, de 36 anos, concluiu que parar de usar seu aparelho melhoraria sua saúde mental. Então, durante o Natal, ela disse a sua família e a seus amigos que estava mudando para um antigo telefone Nokia que só poderia fazer e receber chamadas e mensagens de texto.
Ela se lembra que um dos principais momentos que a levaram a tomar tal decisão foi um dia num parque com seus dois filhos, de 6 e 3 anos de idade. “Eu estava usando meu celular, num parquinho com as crianças, e vi que todo pai e mãe – havia quase uns 20 – estava olhando para seu celular, apenas navegando”, diz ela.
“Eu pensei: ‘Quando isso aconteceu?’ Todo mundo está deixando de aproveitar a vida real. Eu não acho que você chegue a seu leito de morte e pense que você deveria ter passado mais tempo no Twitter ou lendo artigos online.”
Cowling, que é diretora de criação na agência de publicidade Hell Yeah!, baseada em Londres (Inglaterra, Reino Unido), acrescenta que a ideia de abandonar seu smartphone cresceu durante os confinamentos causados pela covid-19.
“Eu pensei sobre quanto da minha vida era gasto olhando para o celular e o que mais eu poderia estar fazendo. Estar conectado constantemente a muitos serviços cria muitas distrações, e é demais para o cérebro processar.” Ela planeja usar o tempo adquirido com o abandono do smartphone para ler e dormir melhor.
Cerca de 9 de 10 pessoas no Reino Unido têm hoje um smartphone, um dado que se repete amplamente no mundo desenvolvido. Estamos grudados neles – um estudo recente identificou que, em média, uma pessoa passa 4,8 horas por dia com seu aparelho.
No entanto, um pequeno, mas crescente, número de pessoas acredita que essa situação tenha chegado ao limite.
Alex Dunedin largou seu smartphone dois anos atrás. “Culturalmente nós nos tornamos viciados nessas ferramentas”, diz ele, que é pesquisador educacional e especialista em tecnologia. “Eles estão afetando a cognição e prejudicando a produtividade.”
Dunedin, que vive e trabalha na Escócia (Reino Unido), diz que outro motivo por trás de sua decisão foram suas preocupações ambientais. “Nós estamos jogando fora quantidades exponenciais de energia produzindo quantidades exponenciais de emissões de CO2”, afirma ele.
Ele diz ter ficado mais feliz e mais produtivo desde que parou de usar seu smartphone. Dunedin afirma que hoje nem tem um celular de modelo antigo ou mesmo uma linha telefônica terrestre. Outras pessoas só podem contatá-lo eletronicamente por meio de e-mails, que ele abre em seu computador na sua casa.
“Melhorou a minha vida”, diz ele. “Meus pensamentos estão livres de estar constantemente cognitivamente conectados a uma máquina que eu preciso alimentar com energia e dinheiro. Eu acho que o perigo das tecnologias é que elas estão tornando nossas vidas mais vazias.”
De volta, por enquanto
Lynne Voyce, uma professora e escritora de 53 anos da cidade de Birmingham, na Inglaterra, seguiu na direção oposta. Ela voltou a usar um smartphone em agosto do ano passado, depois de uma pausa de seis anos.
Ela afirma que foi convencida, com certa relutância, a comprar um aparelho novamente por ter de lidar com códigos de QR em restaurantes e os chamados passaportes de covid, além de facilitar o contato com uma de suas filhas, que vive em Paris (França).
Mas ela planeja abandonar o celular novamente, se ela puder. “Depois da pandemia, e quando Ella [sua filha mais velha] não estiver mais vivendo no exterior, pode ser que eu tente largar de novo. Parece que falamos de um vício, não?”
Quando Voyce abandonou seu smartphone pela primeira vez, em 2016, foi para ajudar a incentivar suas filhas a reduzir o tempo que gastavam com seus aparelhos. “Elas estavam grudadas em seus celulares. Pensei que a única forma de parar com isso seria eu abandonar meu próprio telefone. E fez toda diferença”, diz a professora.
“Por exemplo, nós iríamos a um restaurante, e elas não mais me viam pegar o meu celular.” Não ter um smartphone “tirou bastante pressão do meu cérebro”, diz ela. “Eu não sentia mais que eu tinha de responder coisas instantaneamente ou estar disponível quando eu havia saído.”
Apesar disso, enquanto alguns se preocupam com quanto tempo eles gastam com seu aparelho celular, para milhões de outras pessoas ele é uma bênção.
“Mais do que nunca, o acesso a serviços de saúde, educação, serviços sociais e, frequentemente, a nossos amigos e parentes é digital, e o smartphone é uma salvação para muita gente”, afirma um porta-voz da rede de telefonia celular Vodafone, do Reino Unido.
“Nós também criamos recursos para ajudar as pessoas a tirar o melhor proveito de seu aparelho tecnológico, assim como ficar seguro quando estiver online – o que é extremamente importante.”
Falta de limites
Entretanto, Hilda Burke, uma psicoterapeuta e autora de The Phone Addiction Workbook (O Guia do Vício do Telefone), diz que existe uma forte ligação entre o uso pesado de um aparelho celular e questões de relacionamento, qualidade do sono, nossa capacidade de nos desligarmos e relaxarmos e níveis de concentração.
“Muita gente tem uma constante lista de pedidos vindo em sua direção por meio de seu aparelho, muitos deles com um falso sentido de urgência”, afirma.
“As pessoas sentem-se incapazes de estabelecer limites, com o resultado de que se sentem obrigadas a verificar seus e-mails e mensagens como a última coisa que fazem à noite e a primeira que fazem de manhã.”
Caso livrar-se de seu smartphone pareça muito radical, mas você está preocupado que esteja passando tempo demais com o aparelho, há outras medidas que você pode tomar para reduzir sua utilização.
Apesar de parecer contraintuitivo, mais aplicativos estão surgindo para reduzir a navegação constante e sem sentido. Por exemplo, Freedom permite que você bloqueie temporariamente aplicativos e sites para que você possa se concentrar mais. O app Off The Grid permite que você bloqueie seu celular durante um certo período de tempo.
Burke diz que seria útil que mais pessoas monitorassem quanto tempo elas passam em seu telefone celular. “Começar a perceber exatamente quanto tempo você está desperdiçando a cada dia em seu telefone pode ser um alerta poderoso e um catalisador para uma mudança.”
Ela também aconselha a estabelecer períodos curtos em que seu celular fique desligado ou seja deixado em casa e gradualmente aumentar o tempo até você voltar a ligar o aparelho.
Finalmente, ela recomenda escolher uma imagem ou uma palavra que represente o que você preferiria estar fazendo – se você tivesse mais tempo – como a imagem de tela no seu celular.
“Considerando que a maioria de nós verifica o celular 55 vezes por dia, e alguns de nós até mesmo 100 vezes, isso é uma grande lembrança visual de uma forma mais valiosa de usar seu precioso tempo.”