Dia das Mulheres: primeira juíza de futebol, primeira cacique, primeira escritora; veja a história de 8 pioneiras

Com resiliência e coragem para persistir, elas venceram barreiras e são fonte de inspiração. Apesar das vitórias e avanços, reconhecem, porém, que ainda há um longo caminho a ser percorrido.

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Ser a primeira árbitra de futebol do Brasil numa época em que o esporte era proibido para as mulheres no país. Ou a primeira cacique indígena num ambiente dominado por homens. Ou ainda a primeira bailarina trans do Theatro Municipal de São Paulo.

Para marcar o Dia das Mulheres, celebrado nesta terça-feira, 8 de março, o g1 publica uma série de reportagens com as histórias de oito mulheres pioneiras em diferentes áreas.

Em comum, elas têm resiliência e coragem para persistir e seguir em frente, apesar das adversidades de uma sociedade patriarcal e desigual como a brasileira. Suas conquistas e trajetórias de vida servem de inspiração e exemplo para as gerações seguintes.

No entanto, se por um lado elas conseguiram avançar e provocar transformações, de outro, ainda há um longo caminho pela frente a ser percorrido para a plena igualdade de gênero.

Confira a história dessas oito mulheres:

Primeira árbitra feminina de futebol do Brasil, a mineira Lea Campos nasceu numa época em que vigorava no Brasil uma lei que proibia as mulheres de praticarem o esporte.

Isso, porém, nunca a afastou dos campos – nem mesmo nos tempos da ditadura militar. Ela organizava partidas entre grupos de mulheres, chegando até a ser presa por isso. Depois, passou a cobrir jogos como jornalista. Mas gostava mesmo era de apitar. Daí para fazer um curso de arbitragem, foi um pulo.

No entanto, a Federação Mineira de Futebol (FMF) não queria conceder, de jeito nenhum, seu diploma. Lea não se deu por vencida. Conseguiu uma audiência com o então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, fã do esporte.

Mineira Lea Campos apaixonou-se pelo futebol ainda criança — Foto: Arquivo Pessoal

Valendo-se de uma brecha na lei que dizia que as mulheres não podiam praticar o futebol, mas não falava nada sobre apitar partidas, ela o convenceu a determinar que fosse expedido o diploma. A proibição para mulheres jogarem futebol só veio a cair em 1979.

“Era tanta a minha implicância [sobre] por que a mulher não podia jogar futebol, que eu creio que eu influenciei um pouco na liberação do futebol para mulher”, diz Lea.

Luta no campo

Nascida em uma família proprietária de terras, Elizabeth Teixeira entrou na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais por opção. Embora já se indignasse com as condições de trabalho dos campesinos, foi por meio do marido, João Pedro, filho de lavrador e ativista, que teve contato com a dura realidade.

A história do casal foi retratada no documentário “Cabra marcado para morrer” e ganhou projeção nacional. Após a morte de João Pedro em razão do conflito agrário, Elizabeth assumiu o seu lugar e se tornou a primeira mulher a liderar uma liga camponesa.

Símbolo da defesa pelo direito à terra, ela chegou a ser presa diversas vezes sob a alegação de “subversão”. Mesmo assim, não desistia nem cedia diante das ameaças de latifundiários.

Elizabeth Teixeira é lembrada como a mulher que escolheu a luta  — Foto: Arquivo pessoal

Por um longo período, precisou mudar de estado e até de nome. Com exceção de um dos filhos que seguiu com ela, os outros dez foram divididos e acabaram ficando com diferentes parentes – essa separação marcaria a vida da ativista de forma profunda.

Apesar de todas as dificuldades, Elizabeth seguiu, por toda a sua vida, reivindicando a reforma agrária e participando de movimentos e articulações políticas. Hoje, aos 97 anos, ainda é fonte de inspiração na luta no campo.

Liderança indígena

Conhecida como Cacique Pequena, Maria de Lourdes da Conceição Alves foi a primeira mulher a se tornar cacique no Brasil. Nomeada para um lugar tradicionalmente ocupado por homens, Pequena rompeu paradigmas ao ser escolhida em 1995 para guiar os caminhos da tribo Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza (CE).

De seus quase 77 anos de idade, 27 são dedicados ao comando e à orientação da comunidade. Uma de suas principais conquistas foi a demarcação de terra para o seu povo.

O processo teve início há mais de 25 anos e está longe do fim – faltam ainda alguns procedimentos até a aldeia receber a homologação definitiva da terra, mas já representa um grande avanço. Cacique Pequena também lutou por outras melhorias, como o fornecimento de energia elétrica e a construção de uma escola na tribo.

Cacique Pequena rompeu paradigma ao se tornar a primeira mulher a comandar uma tribo — Foto: SVM

A representatividade dela abriu espaço para outras indígenas que vieram a seguir. Hoje, Pequena continua cacique para aconselhamento da tribo, mas o dia a dia da aldeia é tocado por duas de suas filhas – para quem fez questão de passar o cacicado.

“Eu fiz o caminho para as mulheres do Brasil”, diz Cacique Pequena.

Artes

Desde pequena, Márcia Dailyn sabia o que queria: ser artista. Precisou vencer preconceitos e há 26 anos se tornou a primeira bailarina trans do Theatro Municipal de São Paulo.

Ainda jovem, deixou a cidade de Jales, a mais de 580 quilômetros de São Paulo, e seguiu seu sonho: se inscreveu para participar da seleção para a famosa Escola Municipal de Bailado, como era chamado o corpo de balé do tradicional teatro naquela época. Aprovada na audição, mudou-se para a capital paulista e, aos 17 anos, estreava como bailarina.

Depois, Márcia estudou ainda por dois anos na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville (SC), e teve a oportunidade de dividir o palco com grandes estrelas, como Ana Botafogo.

“Hoje, eu olho tudo o que eu sofri, tudo o que eu passei, mas não com tristeza. É um degrau que a cada dia eu ia subindo, e assim é a vida”, afirma.

Representatividade

Aos 22 anos, a publicitária Joana Mendes partiu de Porto Velho para o Rio de Janeiro com um sonho: se tornar diretora de criação em uma agência, posição que não é ocupada com frequência por mulheres negras no Brasil. Hoje, com 36 anos, ela conquistou o cargo e tem ainda no currículo o mérito de ter criado o primeiro e único banco de imagens de mulheres negras do mundo.

O caminho que levou a essas conquistas profissionais está ligado à trajetória pessoal dela e na percepção da própria identidade e de como é representada na sociedade – sobretudo, no mercado de trabalho publicitário.

Em 2017, quando procurava fotos de pessoas para inserir em campanhas, Joana percebeu que quase nunca encontrava imagens de mulheres negras, principalmente que aparentassem ser genuinamente brasileiras. Surgiu a partir daí a ideia do banco de imagens.

Literatura

Maria Firmina dos Reis: a mulher negra maranhense que foi pioneira na literatura brasileira — Foto: Divulgação

Considerada a primeira escritora do Brasil, Maria Firmina dos Reis conseguiu a proeza de ser pioneira em várias frentes mesmo sendo mulher e negra na sociedade brasileira do século 19, marcada pela escravidão e patriarcalismo.

Ela foi a primeira mulher a ser aprovada em um concurso público no Maranhão para o cargo de professora primária. Escreveu o primeiro livro brasileiro com temática abolicionista. Foi a primeira professora a fundar uma sala de aula mista, de meninos e meninas, no Maranhão, algo inadmissível para a época. E é considerada a primeira escritora brasileira.

Apesar de tantas conquistas, até meados do século 20, a biografia dela ainda era relativamente desconhecida e só foi ganhar visibilidade na década de 1960, quando o seu romance “Úrsula” voltou a ser reimpresso e estudado nas universidades nacionais. Publicada em 1859, a obra se desenvolve a partir do ponto de vista dos escravizados.

Combate ao assédio

Tenente-coronel Camila Paiva, do Corpo de Bombeiros de Alagoas, foi a primeira oficial mulher na corporação — Foto: Arquivo Pessoal

Primeira mulher a se tornar oficial do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas, a tenente-coronel Camila Paiva se destaca também na luta das mulheres da Segurança Pública contra o assédio dentro dos quartéis.

“Eu decidi lutar contra esse machismo, contra as consequências do machismo, do patriarcado, que é justamente o assédio, e fazer a minha voz ser ouvida. Aproveitar e utilizar o meu local de ser um oficial superior de poder falar por muitas que não podem, porque, muitas vezes, são perseguidas e têm medo”, afirma a tenente-coronel. 

Atualmente, ela integra a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AL) e preside a Comissão Mulher Segura. Seu papel é desenvolver políticas públicas de prevenção e combate à violência contra a mulher, além acolher e prestar assistência às vítimas que, em geral, silenciam diante do medo de sofrer represália e da vergonha.

Ciência

A professora da Faculdade de Farmácia da UFMG, Ana Paula Salles Moura Fernandes. — Foto: UFMG/ Divulgação

A menina que observava girinos e tinha coleção de joaninhas na infância não imaginava que viria a se tornar uma cientista premiada liderando pesquisas de ponta no enfrentamento de uma pandemia como a do coronavírus.

Ana Paula Salles Moura Fernandes trabalha no Centro de Tecnologia em Vacinas e Diagnósticos (CTVacinas) da Universidade Federal de Minas Gerais e coordena a área de diagnóstico de Covid-19 da Rede Vírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Integrante de uma equipe à frente dos estudos de uma vacina contra a doença, ela defende maior protagonismo das mulheres na ciência. Em abril de 2021, foi uma das sete vencedoras do prêmio “Mulheres brasileiras que fazem a diferença”, concedido pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

“Mais mulheres precisam ter voz na academia e precisamos de todos juntos neste momento tão difícil para quem faz ciência e para quem acredita nela”, afirma Ana Paula.

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