O ator e diretor Milton Gonçalves, ícone da TV brasileira, morreu no Rio nesta segunda-feira (30), aos 88 anos
Conhecido por trabalhos marcantes em novelas como “O bem-amado” (1973) e as primeiras versões de “Pecado capital” (1975) e “Sinhá Moça” (1986), ele morreu em casa por volta de 12h30, segundo a família, por consequências de problemas de saúde decorrentes de um AVC sofrido em 2020. Na ocasião, o ator ficou três meses internado e precisou de aparelhos para respirar.
Milton Gonçalves também venceu preconceitos e lutou pelo reconhecimento do trabalho dos negros, como lembrou o filho e também ator Mauricio Gonçalves.
O velório acontecerá nesta terça-feira (31) no Theatro Municipal, no Centro do Rio. O horário não havia sido divulgado até a última atualização desta reportagem.
Milton Gonçalves integrou, junto com Célia Biar e Milton Carneiro, o primeiro elenco de atores da TV Globo, onde fez mais de 40 novelas. Estrelou ainda programas humorísticos e minisséries de sucesso, como as primeiras versões de “Irmãos Coragem” (1970), “A grande família” (1972) e “Escrava Isaura” (1976). Também se destacou nas séries “Carga Pesada” (1979) e “Caso verdade” (1982-1986).
No ramake da novela “Sinhá Moça” (2006), interpretou o mesmo Pai José que tinha feito na versão original e conseguiu indicação para o prêmio de melhor ator no Emmy Internacional. Na cerimônia, apresentou o prêmio de melhor programa infanto-juvenil ao lado da atriz americana Susan Sarandon. Foi o primeiro brasileiro a apresentar o evento.
Sua última novela foi “O tempo não para” (2018), quando interpretou o catador de materiais recicláveis Eliseu. Depois, esteve na minissérie “Se eu fechar os olhos agora” (2019), inspirada na obra homônima de Edney Silvestre, e interpretou o aposentado Orlando, que com a ajuda da neta se tornava Papai Noel no especial de Natal “Juntos a magia acontece” (2019).
No cinema, Milton Gonçalves estrelou mais de 50 filmes, como “Cinco vezes favela” (1962), “Gimba, presidente dos Valentes” (1963), “A rainha diaba” (1974), “O beijo da mulher aranha” (1985), “O Que é isso, companheiro?” (1997) e “Carandiru” (2003).
Em nota na qual classificou o ator como “ícone da dramaturgia brasileira”, a TV Globo lembrou: “‘Quem tem fé, voa’, dizia Zelão das Asas, personagem eternizado por Milton Gonçalves em ‘O bem-amado’, de 1973. Em plena ditadura, o talento inconfundível de Milton encarnou a metáfora criada por Dias Gomes em um país que clamava por liberdade”.
Viúvo, Milton Gonçalves deixa três filhos e dois netos.
Chegou à Globo em 1965
Nascido na pequena Monte Santo (MG), Milton Gonçalves mudou-se ainda criança com a família para São Paulo, onde foi aprendiz de sapateiro, de alfaiate e de gráfico. Fez teatro infantil e amador. Sua estreia profissional acorreu em 1957, no Teatro de Arena, na peça “Ratos e Homens”, de John Steinbeck.
“Sofri todos os percalços entendendo, mas não concordando, com o preconceito racial, que foi um trauma na minha vida. Assim, o teatro para mim foi a grande salvação”, afirmou em entrevista ao site Memória Globo.
Ele chegou à Globo a convite do ator e diretor Otávio Graça Mello, de quem fora companheiro de set no filme “Grande Sertão” (1965), dos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira.
“Não tinha inaugurado nada ainda. Os três estúdios, aquele auditório, pareciam para mim os estúdios da Universal. O primeiro salário foi 500 cruzeiros. E eu fiquei feliz”, recordou Milton em um depoimento à TV Globo.
No comunicado divulgado nesta segunda, a emissora cita: “Antes da fundação da Globo ele já era ator e não escondia o orgulho de seu crachá de número 141 na empresa”.
Ator lutou por bons papéis para negros
O filho de Milton Gonçalves, o também ator Maurício Gonçalves, lembrou que o pai venceu preconceitos e lutou pelo reconhecimento do trabalho dos negros.
“Esse Milton que as pessoas não conhecem, batalhador. Nunca deixou cair a peteca no que tange aos filhos. O maior ensinamento meu pai me passou: ser guerreiro, nunca abaixar a cabeça a não ser para os sábios, mas lutar o tempo todo”.
Maurício disse que sempre teve o pai como herói. Quando criança, quando viu a personagem Zelão das Asas voando na novela e ficou ainda mais impressionado.
“Ele sempre voou e gerou esses frutos. A gente tenta fazer o melhor possível, a gente tenta honrar essa memória do meu pai. A gente tenta fazer o melhor, mas é lutar para tentar chegar perto”, disse Maurício.
Outras personagens como Rainha Diaba também foram muito marcantes. Era a época da ditadura, e Maurício diz que não deve ter sido fácil fazer um fora da lei, negro e homossexual, num tempo difícil, cheio de preconceitos.
Política
O ator também teve importante militância política. Simpatizante do Partido Comunista Brasileiro na juventude, chegou a se candidatar ao governo do Rio de Janeiro em 1994, pelo PMDB.
Sua experiência no universo da política o ajudou a compor o personagem Romildo Rossi, um político corrupto, em “A Favorita” (2008), de João Emanuel Carneiro.
Milton Gonçalves interpretou o Eliseu de ‘O tempo não para’, de 2018 — Foto: João Miguel Júnior/Globo