Por que cada vez mais russas viajam ao Brasil para dar à luz

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Anastasia Knyazeva, de 32 anos, teve seu primeiro filho em um hospital na Rússia. Segundo ela, a experiência não foi ruim, mas poderia ter sido melhor se seu médico a tivesse tratado com mais atenção e paciência.

Quando ficou grávida pela segunda vez, a russa que vive em Sochi decidiu procurar outras opções que a ajudassem a realizar seu desejo de um parto mais humanizado. Após a indicação de uma amiga, escolheu viajar para o sul do Brasil para passar os últimos meses antes de dar à luz e ter seu bebê ao lado da família.

“Tive meu primeiro filho na Rússia e não posso dizer que foi um parto ruim. Acho que não escolhi bem meu médico e não consegui relaxar. Foi tudo feito a toque de caixa e sem uma atitude mais carinhosa”, conta ela, que se mudou com o marido e o primeiro filho para Florianópolis em novembro de 2021 e deu à luz outro menino em janeiro.

“Mas no Brasil tive uma experiência maravilhosa. Fiz o parto em casa, com uma obstetriz atenciosa que me ajudou e me fez sentir segura.”

“Foi tudo tão bom que agora recomendo para todas as minhas amigas que vão ser mães. Mas até agora nenhuma delas seguiu meus passos, elas acham que fiquei maluca”, comenta, rindo.

A surpresa diante da escolha de dar à luz em um país estrangeiro relatada por Anastasia não é algo incomum quando o assunto é o chamado ‘turismo de parto’. A prática, porém, cresce no Brasil, segundo relatos, e vem atraindo especialmente o interesse de famílias russas.

Os motivos relatados para a busca pelo Brasil envolvem o desejo de um atendimento mais exclusivo e amistoso, um crescente interesse pelos partos humanizados e realizados em casa, além da possibilidade de dar aos filhos a nacionalidade brasileira.

“Descobri essa possibilidade quando uma amiga próxima me contou que daria à luz ao segundo filho no Brasil. Inicialmente fiquei chocada – tudo que eu conhecia sobre o país era Carnaval e Pelé”, conta Anastasia.

“Mas depois entendi que era uma ideia perfeita para nossa família.”

Russos não precisam de visto para entrar no Brasil para estadias de até 90 dias, segundo o Ministério das Relações Exteriores.

Não há dados oficiais sobre a entrada de mulheres grávidas no Brasil. Os serviços de saúde também não registram a nacionalidade da mãe no momento do nascimento do bebê, apenas se ela é estrangeira ou não.

Mas segundo a pesquisadora Svetlana Ruseishvili, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e que acompanha o tema há anos, o fluxo de russas que viaja ao Brasil para dar à luz não para de crescer desde 2015.

“As cidades que mais têm atraído famílias russas são Rio de Janeiro, Florianópolis e Santos”, diz a socióloga russa que mora no Brasil há mais de uma década.

A enfermeira obstetra Marli Nascimento atende famílias em Florianópolis e, só no mês de março, recebeu sete novas clientes da Rússia.

“Cada vez mais russas me procuram. Só no ano passado acho que atendi mais de 50 mulheres que vieram dar à luz no Brasil”, diz a enfermeira, que também oferece serviços de atendimento pré-natal e consultoria de amamentação.

“Se eu somar as clientes que me procuraram após o parto, para ajudá-las com a amamentação, foram mais de 80.”

Por que o Brasil?

Segundo dados do Ministério da Saúde e da revista científica The Lancet, o Brasil é vice-campeão em cesarianas no mundo, atrás apenas da República Dominicana e com um índice bem acima do indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – esse procedimento representa 57,7% dos partos realizados no país, contra a recomendação de 15% da organização.

Mas então por que o Brasil é destino preferencial de tantas famílias russas?

Para Svetlana Ruseishvili, é uma alternativa melhor do que a Rússia para muitas mulheres. “As mulheres que vêm ao Brasil querem principalmente que sua voz seja ouvida no momento de dar à luz. Todas relatam que na Rússia isso é impensável”, diz.

A pesquisadora explica que muitas mães sentem falta de um atendimento mais exclusivo e amistoso no país do leste europeu, em especial nos hospitais públicos. E os serviços particulares podem ser caríssimos.

Além disso, há um crescente interesse pelos partos humanizados e realizados em casa, mas o parto domiciliar é proibido por lei na Rússia e obstetrizes pegas realizando o procedimento fora do hospital podem enfrentar processos criminais.

Segundo Ruseishvili, as famílias russas que buscam o Brasil são de classe média ou alta e trabalham em áreas que permitem o trabalho à distância. Justamente por isso, têm condições financeiras para buscar serviços mais especializados e humanizados – algo que não está disponível para a maioria das brasileiras.

“Mas há também aquelas que vão aos serviços públicos brasileiros – e muitas dizem ser melhor do que na Rússia”, diz.

As mulheres que viajam ao Brasil afirmam ainda buscar uma alimentação mais saudável, um clima amigável e o contato com a natureza.

“Além de fazer o parto em casa – que é proibido na Rússia – queria fugir do inverno, ver o oceano, comer frutas frescas e conhecer um novo país e uma nova cultura”, diz Anastasia.

“Eu sei que no Brasil muitas mulheres escolhem a cesariana. Mas o Brasil também tem uma tradição profunda de ajuda às mulheres. Uma das parteiras mais famosas em todo o mundo por defender o parto natural vive no seu país. É incrível e fiquei feliz em fazer parte disso”, diz, se referindo à parteira mexicana Naoli Vinaver, que popularizou várias técnicas de parto natural e hoje mora e trabalha em Florianópolis. 

Passaporte brasileiro

Mais um ponto-chave para muitas das famílias – inclusive para a da russa de Sochi – é a possibilidade de dar aos filhos a nacionalidade brasileira.

“Dar mais oportunidades ao nosso bebê nos pareceu uma boa ideia, especialmente agora com a guerra na Ucrânia.” 

Desde a invasão em 2022, a União Europeia (UE) passou a dificultar a emissão de vistos para turistas russos. Antes disso, os EUA já haviam encerrado seus serviços consulares em todo o país.