Um “apocalipse da internet” – causado por uma poderosíssima tempestade solar ou uma guerra – é uma possibilidade real, mas muito remota e ainda em estudo pela ciência.
Embora não haja qualquer motivo para pânico nesse sentido (pelo menos por enquanto), é interessante imaginar esse cenário e como tudo e todos se adaptariam a uma nova realidade tão inusitada: o mundo sem internet.
Em entrevista ao Olhar Digital News nesta quarta-feira (6), o neurocientista e futurista Álvaro Machado Dias, que tem uma coluna semanal no programa, explicou que a pandemia de Covid-19, por exemplo, demonstrou o despreparo do planeta em enfrentar situações dessa magnitude.
“A pandemia nos jogou na cara o fato de que as nossas redes de distribuição logística são muito mais frágeis do que imaginávamos”, disse o especialista. “Isso é uma coisa que agora nós estamos vendo novamente, por um outro ângulo, com a guerra em Gaza”.
Machado Dias explicou que os Houthis, um grupo rebelde baseado no Iêmen, têm efetuado ataques no Mar Vermelho, por onde circulam cerca de 12% de todas as embarcações do comércio mundial. “Isso tem levado a uma disrupção logística, com os navios tendo que atravessar uma rota muito maior pelo sul da África, que tem afetado a chegada de uma série de produtos às prateleiras. Simplesmente, por esse atraso. O que já é suficiente para aumento da inflação e uma série de outras preocupações governamentais”.
Quando esse raciocínio mencionado pelo especialista é aplicado à internet, a situação é ainda mais caótica. “É algo que, eventualmente, pode sim acontecer e nos levar a perceber a mesma coisa: que as nossas redes logísticas não são tão estáveis e fortes quanto pensamos”.
O dia depois do fim
Para Machado Dias, o principal fator do “dia depois do fim”, ou seja, a consequência mais importante do apagão da internet está na disrupção dos sistemas financeiros e econômicos. “Compensações bancárias e outros processos ligados a dinheiro tendem a se tornar inoperantes, e isso fatalmente atingiria a todos: as pessoas precisam das movimentações financeiras para se locomover, para comer, para tudo”. O especialista acredita que o caos ganha realmente força a partir desse aspecto.
Além disso, é claro, destaca-se a disrupção social, pela dificuldade de comunicação. “Não seria a falta de uma postagem nas redes sociais que configuraria uma situação caótica, mas sim a inabilidade de pessoas que dependem de ferramentas como o WhatsApp e outras mais até mesmo para informar que estão bem”.
A ideia de um cataclisma da internet, ainda que de curta duração, é a de um grande caos na humanidade.
Mas, nós já vivemos uma época em que não existia internet, certo? Não bastaria dar um passo para trás e começar tudo de novo? Na verdade, não é tão simples assim. O futurista usa os carros elétricos como exemplo.
“Imaginem que nós conseguimos fazer a transição em sentido à eletrificação dos veículos, e agora todo mundo tem carro elétrico. De repente, ocorre uma pane geral e nós ficamos um mês sem eletricidade, os carros não andam. Aí, vão dizer ‘mas, a gente nem precisava de eletricidade para os carros andarem, é só voltar ao que era antes’. O problema é que agora os carros rodam em eletricidade, ou seja, essa ‘volta ao que era antes’ não é realista. Os sistemas não seguem simplesmente em paralelo às novas tecnologias, eles são depreciados, substituídos, não estão mais lá”.
Uma situação de apocalipse da internet efetivamente significa a disrupção da comunicação em esfera global. “Não há nada para substituir”, alerta Machado Dias. “A resposta mais racional não é voltar a protocolos de comunicação anteriores ao surgimento da internet, muito pelo contrário: é a reconstituição da internet que representa o caminho mais fácil e rápido”.
É possível prevenir o mundo do “apocalipse da internet”?
Tempestades solares não são eventos previsíveis com tanta antecedência – no máximo, algumas horas. Eventos bélicos superpotentes, menos ainda. Então, é possível prevenir o tal “apocalipse da internet”?
Para Machado Dias, a questão não está na imprevisibilidade dos fenômenos que podem causar o apagão, mas no quanto essas medidas exigiriam em esforço, tempo e dinheiro, por exemplo.
“Qualquer medida, em qualquer escala, e especialmente as medidas em grandes escalas, precisam ser frutos de cálculos utilitários. As autoridades envolvidas nas tomadas de decisão precisam avaliar quanto vale a pena investir à luz do risco efetivo. Muito provavelmente, esse tipo de modelagem já foi feito várias vezes, em esferas menores, e a conclusão invariavelmente é que não vale a pena”.
Isso porque, o especialista explica, uma eventual interrupção da internet não seria geral, e sim pontual. “É muito mais fácil a gente disrupções conectivas entre os continentes, porque elas passam debaixo do mar, onde de fato esse efeito acontece, do que a interrupção de redes locais”.
E, segundo ele, redes locais são suficientes para manutenção de uma estabilidade ambiental e sócio-relacional entre as pessoas, para não virar o caos. Logo, não existe interesse em investimentos pesados em níveis globais para medidas de prevenção ao “apocalipse da internet”.
Em relação a uma possível Terceira Guerra Mundial, que poderia causar a interrupção dos sistemas em escala global, o cientista não acredita na ocorrência, mas tem uma certeza: a internet seria afetada.
“Não acho que vá acontecer uma terceira grande guerra por enquanto, mas, de qualquer maneira, é absolutamente plausível imaginar uma situação de conflito internacional em que haja uma disrupção profunda da internet, de uma maneira proposital, que envolva muitos sistemas ao mesmo tempo”, disse.
E os ataques de uma nova guerra em proporções globais certamente ultrapassariam limites nunca antes alcançados. “Que os conflitos geopolíticos chegarão à esfera suborbital não há dúvidas. Resta saber quem são os protagonistas das ações mais agressivas e os tipos de armas. E aí, é claro, as telecomunicações podem sim sofrer efeitos importantes, que não serão rapidamente corrigidos”.