El Niño muda até ‘sabor’ do mar, revela pesquisa da NASA

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Cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da NASA observaram mais uma maneira pela qual o fenômeno climático El Niño pode deixar sua marca no planeta: alteração da química das águas costeiras. Para ser mais específico: da salinidade.

Para quem tem pressa:

  • Cientistas da NASA observaram que o El Niño altera significativamente a salinidade das águas costeiras. A pesquisa evidencia como o fenômeno climático afeta o ciclo da água a nível global;
  • Análises por satélite mostraram que mudanças na salinidade costeira estão diretamente relacionadas à Oscilação Sul do El Niño (ENSO, na sigla em inglês) – nome que abarca El Niño e La Niña – impactando o clima e os padrões de precipitação mundialmente;
  • A pesquisa destaca que a salinidade costeira é muito mais variável em comparação ao oceano aberto, servindo como indicador sensível das mudanças no ciclo da água, especialmente em zonas de deságua de grandes rios.
  • As missões Aquarius, SMOS e SMAP permitiram observações precisas da salinidade da superfície do mar a partir do espaço. Os dados coletados por elas ajudaram a entender as dinâmicas do ciclo da água em relação ao escoamento de rios e aos efeitos do El Niño.

A equipe usou observações por satélite para rastrear o conteúdo de sal dissolvido – ou salinidade, para simplificar – da superfície oceânica global por uma década, de 2011 a 2022. Na superfície do mar, os padrões de salinidade podem dizer muito sobre como a água doce cai, flui e evapora entre a terra, o oceano e a atmosfera – um processo conhecido como ciclo da água.

El Niño, La Niña e a salinidade do oceano

Águas costeiras do oceano vista do espaço

A equipe do JPL mostrou que as variações anuais na salinidade perto das costas estão fortemente correlacionadas à Oscilação Sul do El Niño (ENSO) – termo coletivo para o El Niño e sua contraparte, La Niña.

O ENSO afeta o clima ao redor do mundo de maneiras contrastantes. O El Niño, ligado a temperaturas oceânicas mais quentes que a média no Pacífico equatorial, pode levar a mais chuvas e neve do que o normal (no sudoeste dos EUA, no caso), bem como a secas na Indonésia. Esses padrões são um tanto invertidos durante o La Niña.

Por exemplo, durante o El Niño de 2015, os cientistas rastrearam um efeito global do ciclo da água particularmente distinto: menos precipitação sobre a terra levou a uma diminuição na média de deságua dos rios. Isso, por sua vez, levou a níveis de salinidade notavelmente mais altos em áreas a até 200 quilômetros da costa.

Em outros momentos, observou-se o oposto. Áreas com chuvas acima do normal sobre a terra viram um aumento na média da deságua dos rios, o que reduziu a salinidade perto dessas costas “Conseguimos mostrar a resposta da salinidade costeira ao ENSO em escala global”, afirmou a autora principal da pesquisa, Severine Fournier, física oceânica no JPL, conforme publicado pela NASA.

Por dentro da pesquisa da NASA

Imagem do planeta usada em pesquisa sobre efeito do El Niño no mar e oceano

A equipe descobriu que a salinidade é pelo menos 30 vezes mais variável nessas zonas dinâmicas perto das costas do que no oceano aberto. A ligação entre chuva, rios e sal é mais perceptível na foz de grandes sistemas fluviais, como o Mississippi e o Amazonas, onde as plumas de água doce (regiões de água doce que se estendem por áreas de água salgada) podem ser mapeadas do espaço à medida que desaguam no oceano.

Com o aquecimento global, os pesquisadores têm observado mudanças no ciclo da água. Entre elas, estão aumentos em eventos extremos de precipitação e escoamento. E na interseção entre terra e mar, as águas costeiras podem ser onde os impactos são mais detectáveis.

Dada a sensibilidade à precipitação e ao escoamento, a salinidade costeira poderia servir como uma espécie de indicador, sinalizando outras mudanças que se desenrolam no ciclo da água.

A pesquisadora observou que algumas das águas costeiras do mundo não são bem estudadas, apesar de aproximadamente 40% da população humana viver a cerca de 100 quilômetros de uma costa. Uma razão é que os medidores de rio e outros monitores no local podem ser caros para manter e não podem fornecer cobertura de todo o planeta, especialmente em regiões mais remotas. É aí que entram os instrumentos de satélite.

Salinidade medida do espaço

Imagem do planeta usada em pesquisa sobre efeito do El Niño no mar e oceano

Lançada em 2011, a missão Aquarius fez algumas das primeiras observações globais da salinidade da superfície do mar a partir do espaço. A missão – uma colaboração entre a NASA e a agência espacial da Argentina, a CONAE – usou radiômetros extremamente sensíveis para detectar mudanças sutis nas emissões de radiação de micro-ondas do oceano.

Atualmente, duas ferramentas de alta resolução – a missão Soil Moisture and Ocean Salinity (SMOS), da Agência Espacial Europeia (ESA); e a missão Soil Moisture Active Passive (SMAP) da NASA – permitem que os cientistas se aproximem a até 40 quilômetros das costas.

Usando dados das três missões, os pesquisadores descobriram que a salinidade da superfície em águas costeiras atingiu uma média global máxima (34,50 unidades de salinidade prática, ou PSU) em março e caiu para uma média global mínima (34,34 PSU) por volta de setembro. O escoamento de rios, especialmente do Amazonas, determina esse cronograma.

No oceano aberto, o ciclo é diferente. A salinidade da superfície atinge um mínimo global médio (34,95 PSU) de fevereiro a abril e um máximo global médio (34,97 PSU) de julho a outubro. O oceano aberto não mostra tanta variabilidade entre as estações ou anos porque contém um volume de água significativamente maior e é menos sensível ao escoamento de rios e ao ENSO.

Em vez disso, as mudanças no oceano aberto são governadas pela precipitação em escala planetária menos a evaporação global total, além de outros fatores como a circulação oceânica em grande escala. O estudo foi publicado no periódico Geophysical Research Letters.