A Europa anunciou que vai testar um novo tratamento de combate ao câncer desenvolvido por dois pesquisadores brasileiros. E isso será até o fim do ano. A pesquisa inova ao superestimular e estressar células tumorais, obrigando que se comportem como células saudáveis. Ela usa um combinado de drogas mais eficiente no “ataque” à doença e teve efeitos positivos.
O estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros Matheus Henrique Dias, pós-doutorando sênior no Instituto do Câncer dos Países Baixos (NKI), e Marcelo Santos da Silva, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Eles testaram o tratamento em células humanas transferidas para camundongos.
“É como se quiséssemos parar um carro em alta velocidade, mas, em vez de tentar freá-lo, acelerássemos ainda mais até que o motor ficasse superaquecido. E, quando o motor estivesse muito quente, desativaríamos o sistema de resfriamento”, comparou Matheus Henrique Dias.
Testes já feitos
Os testes em pacientes com câncer no intestino serão realizados nos Países Baixos, na Europa.
Os brasileiros combinaram duas drogas que suprimem os tumores. Em vez de inibir a divisão das células tumorais, como nos tratamentos convencionais, o tratamento leva à fragilização delas. Paralelamente, uma outra droga ataca essas células que estão sob estresse.
Antes dessa etapa na Europa, os testes foram feitos em tumores colorretais retirados de biópsias de humanos e implantados em camundongos.
O tratamento com a combinação de drogas inibiu o crescimento dos tumores no intestino dos animais.
Os pesquisadores testaram a combinação em linhagens de adenocarcinoma de pâncreas e colangiocarcinoma (dos tubos que levam a bile pelo fígado), formas mais raras e agressivas de câncer e sem muitas opções de tratamento. Os resultados também foram promissores.
“Nos próximos anos, algumas devem estar no mercado entre as opções de tratamento oncológico, esperamos que uma seja a nossa”, afirmou Matheus.
Ataque certeiro
Os pesquisadores brasileiros publicaram o estudo na revista Cancer Discovery, publicação internacional com muita repercussão na Europa e nos Estados Unidos. Estudos preliminares foram publicados, no passado, na revista Molecular Oncology.
“Descobrimos naquela ocasião que o chamado fator de crescimento de fibroblastos 2 [FGF2], um gene que deveria estimular a proliferação das células, fazia o contrário quando as células eram tumorais: inibia a multiplicação. Era uma observação curiosa, porque era o oposto do que deveria acontecer”, disse Matheus.
No estudo atual, os cientistas mostram que a proliferação das células cancerígenas pode ser impedida, se houver o uso de droga específica para superativá-las a tal ponto que fiquem “estressadas” e fragilizadas, portanto mais sensíveis, o que facilita o “ataque” certeiro.
Duplo ataque
Para Marcelo Silva, o estudo é importante também porque mostra os danos que células cancerígenas podem causar no DNA.
“Quando superativadas, as células tumorais replicam o DNA ainda mais rápido do que o normal. Como não estão preparadas para lidar com essa velocidade de replicação, acabam gerando danos no DNA, o chamado estresse replicativo”, disse Marcelo.
Para atacar as células estressadas pela ação do medicamento específico, os pesquisadores apostaram em inibidores da proteína WEE1, responsável justamente por corrigir danos de DNA nos tumores.
Sem esse mecanismo funcionando, as células tumorais entram em divisão celular antes de terminarem a replicação do DNA. Com isso, morrem no processo.
“O mais interessante é que, para sobreviverem a essa abordagem, as células cancerígenas desativam as vias oncogênicas, passando a se comportar como células saudáveis”, afirmou Matheus.