Um dos questionamentos mais comuns durante a pandemia de Covid-19 era o por que algumas pessoas escapavam da Covid-19, enquanto outras contraíam o vírus diversas vezes. Um estudo de pesquisadores da Inglaterra – Marko Nikolic e Kaylee Worlock -, publicado em junho passado na revista Nature, identificou um gene protetor em pessoas que não foram infectadas pela doença.
Por meio de uma colaboração entre a Faculdade Universitária de Londres, o Instituto Wellcome Sanger e o Colégio Imperial de Londres, no Reino Unido, os pesquisadores se propuseram a responder a essa pergunta usando o primeiro “ensaio de desafio” controlado para Covid-19 no mundo. Neste estudo, os voluntários foram deliberadamente expostos ao SARS-CoV-2, o vírus que causa a doença.
Voluntários saudáveis não vacinados, sem histórico prévio de Covid-19, foram expostos – por meio de um spray nasal – a uma dose extremamente baixa da cepa original do SARS-CoV-2. Eles foram então monitorados de perto em uma unidade de quarentena, com testes regulares e amostras coletadas para estudar sua resposta ao vírus em um ambiente altamente controlado e seguro.
O trabalho de pesquisa coletou amostras de tecido localizado no meio do caminho entre o nariz e a garganta, bem como amostras de sangue de 16 voluntários. Essas amostras foram coletadas antes de os participantes serem expostos ao vírus, para fornecer uma medição de linha de base, e depois em intervalos regulares.
Em seguida, as amostras foram processadas e analisadas com a tecnologia de sequenciamento de célula única (single-cell sequencing), que permitiu extrair e sequenciar o material genético de células individuais. Com essa tecnologia de ponta, foi possível acompanhar a evolução da doença em detalhes sem precedentes, desde antes da infecção até a recuperação.
Os pesquisadores descobriram então que, apesar de todos os voluntários terem sido cuidadosamente expostos à mesma dose exata do vírus da mesma maneira, nem todos acabaram testando positivo para a Covid. Seis dos 16 voluntários desenvolveram a Covid leve típica, testando positivo por vários dias com sintomas semelhantes aos de um resfriado. Os estudiosos se referiram a esse grupo como o “grupo de infecção sustentada”.
Dos dez voluntários que não desenvolveram uma infecção contínua, o que sugere que eles conseguiram combater o vírus logo no início, três desenvolveram uma infecção “intermediária”, com testes virais únicos positivos intermitentes e sintomas limitados. A esse grupo, deu-se o nome de “grupo de infecção transitória”.
Os últimos sete voluntários permaneceram negativos nos testes e não desenvolveram nenhum sintoma. Esse foi chamado o “grupo de infecção abortada”. Essa é a primeira confirmação de infecções abortadas, que antes não eram comprovadas. Apesar das diferenças nos resultados da infecção, os participantes de todos os grupos compartilharam algumas respostas imunes específicas, inclusive naqueles cujos sistemas imunes impediram a infecção.
Quando foram comparados os tempos da resposta celular entre os três grupos de infecção, foram observados padrões distintos. Por exemplo, nos voluntários transitoriamente infectados, nos quais o vírus foi detectado apenas brevemente, detectou-se um acúmulo forte e imediato de células imunes no nariz um dia após a infecção.Isso contrastou com o grupo de infecção sustentada, no qual foi observada uma resposta mais tardia, começando cinco dias após a infecção e, possivelmente, permitindo que o vírus se instalasse nesses voluntários.
Nas pessoas no grupo de infecção transitória, foi possível identificar células estimuladas por uma importante resposta de defesa antiviral tanto no nariz quanto no sangue. Essa resposta, chamada de “resposta de interferon”, é uma das maneiras pelas quais o corpo sinaliza ao sistema imune para que ajude a combater um vírus e outras infecções. Para surpresa dos pesquisadores, essa resposta foi detectada no sangue antes de ser detectada no nariz, o que sugere que a resposta imune se espalha muito rapidamente a partir do nariz.
Gene protetor
Por fim, também foi identificado um gene específico, chamado HLA-DQA2, que foi expresso (ativado para produzir uma proteína) em um nível muito mais alto nos voluntários que não desenvolveram uma infecção sustentada e, portanto, poderia ser usado como um marcador de proteção. Portanto, há a possibilidade de se usar essas informações e identificar aqueles que provavelmente estarão protegidos contra a Covid grave.
“Essas descobertas nos ajudam a preencher algumas lacunas em nosso conhecimento, apresentando um quadro muito mais detalhado sobre como nossos corpos reagem a um novo vírus, especialmente nos primeiros dias de uma infecção, o que é crucial. Nosso estudo tem implicações significativas para futuros tratamentos e desenvolvimento de vacinas. Ao comparar nossos dados com voluntários que nunca foram expostos ao vírus com aqueles que já têm imunidade, poderemos identificar novas formas de induzir a proteção e, ao mesmo tempo, ajudar no desenvolvimento de vacinas mais eficazes para futuras pandemias. Em essência, nossa pesquisa é um passo em direção a uma melhor preparação para a próxima pandemia,” afirmaram os pesquisadores da University College London, Marko Nikolic e Kaylee Worlock. (Com informações do The Conversation, plataforma de divulgação científica)