Nada mais previsível do que a reação do regime venezuelano às denúncias de falta de transparência e veracidade no processo eleitoral, feitas pelo principal reitor do Conselho Nacional Eleitoral, Juan Carlos Delpino: Diosdado Cabello, o número dois do governo Nicolás Maduro, anunciou a sua destituição por abandono do cargo.
O paradeiro de Delpino é desconhecido desde o dia 28 de julho, dia das contestadas eleições, em que Maduro foi proclamado vencedor pelo CNE sem apresentação das atas de votação. Um mês depois do pleito, ele veio a público, por meio de sua conta no X, para enumerar, num comunicado de duas páginas, as irregularidades no processo eleitoral.
“Lamento profundamente que o resultado e o seu reconhecimento não sirvam a todos os venezuelanos, que não resolvam as nossas diferenças e não promovam a unidade nacional e que, em vez disso, existam dúvidas subjacentes entre a maioria dos venezuelanos e na comunidade internacional sobre os resultados”, assegurou.
Entre outras irregularidades apontadas no dia do pleito, Delpino enumerou a recusa do CNE em divulgar os resultados máquina por máquina; as alegações de fiscais de que foram expulsos das seções eleitorais após o encerramento, sem que pudessem exercer a supervisão; e a interrupção na transmissão eletrônica de resultados das máquinas de votação para o centro de dados do CNE.
Tudo isso vai ao encontro das denúncias da oposição, dos poucos observadores internacionais que acompanharam as eleições, como o Centro Carter, e da comunidade internacional. A chapa comandada por Edmundo González Urrutia assegura ter sido vitoriosa com 67% dos votos contra os 30% obtidos por Maduro.
Delpino é um dos cinco reitores do CNE e foi nomeado em agosto do ano passado. Ele se declara independente, mas estaria alinhado ao partido social-democrata Ação Democrática, banido pelo regime. Três dos integrantes do órgão eleitoral, ou seja, a maioria, são ligados ao chavismo.
Em sua denúncia — a primeira que parte de dentro do CNE – ele explicou que, diante das irregularidades, decidiu não subir à sala de totalização e comparecer ao anúncio do primeiro boletim, feito pelo presidente Elvis Amoroso. Delpino esteve ausente também da cerimônia de proclamação da vitória de Maduro, no dia seguinte.
“Como reitor principal, não tenho provas que sustentem os resultados anunciados. No dia 29 de julho, recusei o convite do presidente da CNE para assistir à cerimônia de proclamação, mantendo a minha posição em desacordo com a falta de transparência no processo. Essa decisão se baseia em meu compromisso com a integralidade eleitoral e em minha responsabilidade em garantir que os resultados reflitam a verdadeira vontade do povo venezuelano.”
O chavismo reagiu ao comunicado de Delpino com a manobra clássica do expurgo. Líder do partido oficialista, o PSUV, Diosdado Cabello pediu à Assembleia Nacional que determine a destituição do reitor. “Esta é uma questão de poder moral, porque o senhor abandonou o cargo, estava desaparecido há um mês, foram feitas inúmeras acusações, todos disseram que o governo o sequestrou, torturou, mas, não, o homem fazia parte de um plano”, alegou.
A crise política instaurada no país pelo questionado resultado eleitoral resultou no recrudescimento da perseguição aos opositores. González não aparece em público há três semanas, e 1.674 pessoas foram presas por razões políticas, segundo a ONG Foro Penal. Trata-se do maior número de detenções realizadas no país neste século.