Foco na vida real: jovens deixam redes sociais de lado e se dedicam a novos hábitos

Aplicativos de compartilhamento de fotos e vídeos são trocados por atividades ao ar livre, leitura e idiomas

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No meio de tantas curtidas, seguidores e comentários, ainda existe quem resista ao mundo virtual. No país onde nove em cada dez pessoas utilizam a internet todos os dias, a busca por uma vida sem exposição, o desinteresse em interações digitais e a vontade de aproveitar o tempo com atividades ao ar livre ou com estudos são algumas das motivações apresentadas por quem opta por permanecer desconectado e fora de redes sociais.

A decisão de deletar sua conta no Instagram há três meses marcou a escolha por “dar um tempo da vida virtual” da estudante de psicologia Maria Clara Silva Assunção, de 22 anos, moradora do Rio de Janeiro. Ela, que já tinha apagado antes suas contas no X e Tik Tok, decidiu iniciar um detox temporário das redes sociais para ganhar mais tempo para atividades do dia a dia, como estudar francês e ir à praia. No entanto, considerou a experiência tão positiva que decidiu permanecer off-line por tempo indeterminado.

— Desde que saí das redes sociais, me sinto menos ansiosa, impotente e estressada. Também diminuí o consumo e não me comparo com as outras pessoas com tanta frequência. Sinto que passei a aproveitar mais a companhia das pessoas ao meu redor e não tenho planos de voltar para as redes sociais — conta Maria Clara.

opção transformadora
Para a graduanda em tecnologia em laticínios Marina Toledo Melchiades, de 30, já são quatro anos distante das redes sociais, um afastamento inciado por conta da polarização política e as constantes discussões virtuais que o tema gerava. Hoje, a moradora de Minas garante que a experiência foi transformadora, proporcionando mais tempo para exercícios físicos e inserindo um novo hábito na rotina: a leitura. Ela revela que a opção ainda gera curiosidade nas pessoas, que insistem pelo seu retorno.

— Quando conto que não tenho redes, a primeira pergunta é, basicamente, se foi por causa de algum término de relacionamento — diz a universitária. — Fico feliz de ter me afastado desse ambiente com tanta desinformação e que nos causa um uso prejudicial da autoimagem, trazendo ansiedade, depressão, baixa autoestima etc.

A psicóloga Fabíola Luciano, especialista em terapia cognitiva comportamental, conta ter identificado um aumento de pacientes que optam por deixar as redes sociais, muitos deles jovens. Ela avalia como positiva a decisão, já que com o tempo off-line a pessoa passa a se conectar mais com a “vida real e com os desafios e vivências que ela traz”.

— Os sentimentos que a rede social causam são difíceis de manejar. Elas incentivam o ranqueamento social, o sentimento de inferioridade, comparação constante, insuficiência, ansiedade e dificuldade de valorizar a próprias conquistas, entre outras coisas — explica a profissional.

O abandono das redes, no entanto, é uma decisão na contramão do comportamento social no país, já que a proporção de brasileiros, com 10 anos ou mais, que utilizaram a internet aumentou no país, passando de de 87,2% em 2022 para 88% em 2023. Eram 66,1% em 2016, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) Tecnologia da Informação e Comunicação, divulgada na última semana pelo IBGE.

Ainda de acordo com o levantamento, 94,6% das pessoas disseram que se conectaram em 2023 para conversar por chamadas de voz ou vídeo — seja uma ligação no WhatsApp ou uma videochamada com amigos. Trocar mensagens de texto, de voz ou imagens por diferentes aplicativos aparece em segundo lugar, com 91,1% das respostas. O uso das redes sociais aparece em quarto, com 83,5%, atrás de assistir a vídeos, séries e filmes, em plataformas como YouTube e Netflix fica em terceiro lugar, com 87,6%.

O professor do Insper Sérgio Lazzarini, além de se manter longe das redes sociais, optou por não usar o aplicativo WhatsApp. Para acessá-lo, os únicos caminhos são via e-mail ou ligação telefônica.

— Como estou na área acadêmica, o e-mail ainda é padrão e acaba me servindo plenamente. Algumas pessoas reclamam que eu não uso WhatsApp, mas, se quiserem, podem me ligar. Simplesmente não preciso de uma nova ferramenta de comunicação — avalia ele, morador de São Paulo.

Já o artista Tiago Lyrio de Oliveira, de 44, chegou a ter um perfil no Facebook, mas apagou e agora mantém em seu celular apenas o aplicativo de troca de mensagens. A opção se deve à falta de vontade de expor informações de sua vida pessoal em um ambiente que não considera 100% real.

— Tem muita gente que tenta apresentar uma realidade que não é a dela ou mostrar conquistas que sequer existem. Em vez de acompanhar isso, uso meu tempo ajudando amigos em trabalhos, andando de skate, fazendo algumas trilhas e indo à paria — conta ele, que vive no Rio de Janeiro.

O bancário Gil Vieira Di Coimbra Rocha, de 39, de Goiânia, é a exceção na roda de amigos por ser o único que nunca teve redes sociais. Ele, que só aderiu ao WhatsApp por necessidade profissional, revela já ter olhado o perfil de conhecidos para matar a curiosidade de como as plataformas funcionam, mas nunca para ver exatamente o que os outros postam.

— Nunca tive rede em que o usuário compartilhe informações da sua vida pessoal. Não tenho interesse em ver a vida alheia e não quero ficar gratuitamente expondo a minha. Vejo pessoas que se perdem na internet, gastando muito tempo comprometido com algo que não vai levá-las a nada — avalia ele, que chegou a ser alvo de brincadeiras de amigos que criaram contas em seu nome para incentivar uma adesão, mas sem sucesso.

uso consciente
Segundo dados do Instituto Delete, sete em cada dez brasileiros são usuários excessivos de tecnologia e três em cada dez apresentam sintomas de dependência patológica e precisam de orientação profissional. No site da organização, há testes para que os usuários possam identificar dependências no uso de internet, telefone celular, mídias sociais e de WhatsApp.

Anna Lucia Spear King, doutora em saúde mental e professora da pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, na disciplina dependência digital, explica que cortar radicalmente o uso das redes pode não solucionar os problemas ocasionados pelo uso excessivo. Segundo ela, o comportamento se configura lesivo quando traz prejuízos na vida pessoal, social, acadêmica ou profissional da pessoa. Comportamentos como deixar de cumprir com obrigações, dificuldade no sono e até mesmo deixar de se alimentar para passar o tempo na internet são indicativos de distúrbios.

— Sou contra esse detox temporário digital, a pessoa precisa aprender a fazer um uso consciente da tecnologia. Não pode ficar de cinco em cinco minutos vendo Tik Tok, Facebook, Instagram e WhatsApp, tem que ter tempo para pensar e refletir sobre a própria vida, suas angústias, seus medos e inseguranças. Assim, ela evoluiu e aprende — destaca a professora.