Conselho da Amazônia e a Força Nacional Ambiental tentam corrigir equívocos

A criação também tenta melhorar a desgastada imagem do Brasil no exterior. Especialistas se dividem entre céticos e otimistas

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Na semana passada, o governo federal criou o Conselho da Amazônia e a Força Nacional Ambiental para passar o recado ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, de que o meio ambiente é importante para o Brasil. Diante do fiasco no setor no primeiro ano de governo, trata-se de um sinal necessário, e que reduz os poderes do ministro Ricardo Salles. A maior floresta tropical do mundo, com a maior biodiversidade do planeta e milhares de quilômetros de fronteiras, pode ser a diferença entre um acordo estratégico com a Europa ou um embargo comercial com poder para abalar a frágil recuperação econômica do país. É o calcanhar de Aquiles da política externa do governo Bolsonaro. Apesar disso, o Executivo parece ignorar que já possui uma estrutura para fiscalizar e trabalhar com a sustentabilidade na floresta tropical.

O anúncio da criação do conselho e de uma corporação nos moldes da Força Nacional de Segurança Pública foi feito no último dia 21, um dia após o início do fórum. O vice-presidente, Hamilton Mourão, será o responsável por coordenar os trabalhos a partir do Palácio do Planalto, embora não estejam claras quais serão as diretrizes e quanto de dinheiro o governo disponibilizará. Já está certo que o grupo tratará da regularização fundiária e da agenda da bioeconomia, por exemplo. Acontece que o cuidado com a agenda de bioeconomia era uma das funções do Serviço Florestal Brasileiro, órgão equipado com cientistas e laboratórios e que foi entregue ao Ministério da Agricultura em janeiro de 2019.
Na fiscalização, o problema se repete, conforme lembra o presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente (Asibama), Alexandre Gontijo. O trabalho sempre coube ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Por vezes, os órgãos contaram com a ajuda do Exército, estratégico para a região, e da Força Nacional, que emprestará a forma para a criação da Força Nacional Ambiental. “Temos pouca informação do que será esse conselho. Não é uma coisa que está definida. Mas é importante dizer que já temos órgãos ambientais que trabalham com a Amazônia há muito tempo”, afirma Gontijo.
Por meio de nota, o general Mourão destacou a criação do conselho como uma decisão do presidente da República, que “denota a excepcional importância que ele concede à Amazônia”. Ainda segundo o texto, a preocupação de Bolsonaro não se limita à preservação mas, também, ao desenvolvimento da região, “beneficiando, em particular, os brasileiros que lá habitam e ao país, de uma maneira geral”. Salles, por sua vez, disse que o conselho trabalhará em consonância com a Secretaria da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente. O ministério estuda usar parte dos R$ 430 milhões provenientes da Operação Lava-Jato para financiar a Força Nacional Ambiental.
“Estão tentando recriar a roda”, critica Gontijo. “A Amazônia é muito importante. É preciso promover o desenvolvimento sustentável, de acordo com os recursos disponíveis em cada região. A floresta controla o regime de chuvas que alimenta, inclusive, o agronegócio. Se acabar, todo o resto acaba”, alerta.

Campanha

O vice-presidente da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, Camilo Capiberibe (PSB-AP), se mostra cético com o conselho e a nova corporação. Ele destaca que o trato dispensado ao meio ambiente pelo governo Bolsonaro está atrelado à base eleitoral do presidente da República e não acredita que ele vá mudar. “Durante todo o ano de 2019, a gente acompanhou e o governo foi muito consistente em sua visão de projeto de desenvolvimento da Amazônia. Um desenvolvimentismo com base na visão do governo militar, que é ocupar as áreas, integrar os povos indígenas ao que eles consideram a civilização moderna. É a visão do presidente e se reflete, inclusive, na última declaração que ele deu, sobre índios se tornarem seres humanos como nós”, critica.
Para o deputado federal, trata-se de uma tentativa do governo de dar uma resposta para investidores. “Tivemos aumento do desmatamento em 2019. Paralisação do fundo Amazônia. Queda recorde nas multas do Ibama. Pra mim, está claro que o governo precisa dar uma resposta aos investidores, porque foi dado um ultimato por parte de investidores. É um sinal para o mercado. Não acredito que o presidente vá recuar nessa questão ambiental, pois ele tem grileiros, desmatadores, a parte mais atrasada do agronegócio na sua base eleitoral. O governo tem um compromisso muito definido e teria que romper essa aliança com esse setor e não vai fazer isso”, afirma Capiberibe.

Velha novidade

Se o conselho não leva em conta recursos humanos e técnicos disponíveis no próprio governo, tampouco é novidade a estratégia de diluir o trabalho do Ministério do Meio Ambiente. É o que aponta o professor de direito ambiental da Fundação Getúlio Vargas, Rômulo Sampaio. No governo Lula, ele lembra, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com status de ministério, também tirou o bioma do guarda-chuva do Meio Ambiente. À época, reclamava-se de um protecionismo por parte da pasta. O novo órgão daria mais liberdade para o Executivo investir em desenvolvimento para a região. Hoje, porém, o motivo é exatamente o oposto. “É um reposicionamento do governo que confessa que errou feio na avaliação dos cuidados da Amazônia e da pauta ambiental”, diz Sampaio.
Por outro lado, ele vê com bons olhos a criação do grupo de trabalho. “O descaso com o meio ambiente é um motivo fácil para a imposição de barreiras comerciais por outros países. O governo tenta fazer uma correção de rota. E me parece que acerta no comando. O general Mourão, de todos que poderiam ocupar a função, me parece ser o que mais conhece a Amazônia e com maior capacidade de diálogo”, pondera o professor da FGV.
O especialista destaca ainda que vários governos anteriores já tinham compreendido a importância da Amazônia. “O próprio regime militar percebeu que quando você fala de Amazônia, tem que passar a impressão de que se importa com a floresta e está comprometido com a defesa dela. Vários países condicionam repasses de recursos a essa proteção. Não é à toa que as primeiras leis ambientais vêm da ditadura militar”, lembra.

Segurança nacional

Professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o doutor em ecologia Henrique dos Santos Pereira destaca, por sua vez, o valor da floresta para o Brasil e para o mundo. “É o maior bioma brasileiro e detemos a maior parte da floresta tropical. Portanto, somos os principais responsáveis por sua preservação”, destaca. “Sendo a maior floresta tropical do mundo, é o maior centro de diversidade do planeta. Do ponto de vista humano, cultural, tem uma gama muito grande de etnias, com muitas populações tradicionais. E também tem uma parte urbana e industrial que é a casa de milhões de brasileiros”, elenca.
O bioma também é uma região importante do ponto de vista da segurança nacional. São milhões de quilômetros de fronteiras com sete países que também guarnecem parte da floresta. “Portanto, é muito importante a presença do Estado nessas regiões. A Amazônia também guarda recursos minerais estratégicos para o nosso país. Os grandes empreendimentos hidrelétricos dependem da região. E o que chama a atenção em escala global é o seu papel para o clima do planeta. Em tempos de crise climática, fica fragilizada nossa posição perante as demais nações, quando há um aumento no desmatamento. Se o Brasil não detiver o desmatamento, a própria floresta pode virar um grande emissor de gás carbônico. Passamos de heróis para vilões climáticos”, alerta Pereira.
O principal inimigo da região, ainda de acordo com o especialista, é a expansão da pecuária. Em torno de 70% a 80% das áreas queimadas são convertidas em pastagem. “Há também um impacto social sobre as populações locais, com invasão de territórios tradicionais e terras indígenas. É preciso que os governos assegurem os direitos dessas comunidades com a demarcação de terras”, lembra. Os povos tradicionais e os indígenas, pelo contrário, são considerados por estudiosos defensores da floresta e ajudam a preservá-la.

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