Um amigo de João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, relatou que foi alvo de disparos feitos por um policial após ele ter ajudado no socorro ao adolescente. A denúncia foi feita pelo jovem, que estava na casa e testemunhou o momento em que João Pedro foi baleado, em depoimento ao Ministério Público do Rio. Segundo o relato, após disparar três vezes na direção do jovem — que voltava ao local do crime após ter ajudado a levar o amigo, já baleado, até o helicóptero da Polícia Civil —, o agente teria pedido desculpas e dito que “achou que era bandido”.
João Pedro foi morto durante operação das polícias Civil e Federal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no dia 18 de maio. No depoimento ao Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP, o amigo contou que, após os agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) invadirem a casa e o adolescente ser baleado, dois dos amigos foram chamados por um policial para ajudar no socorro. De acordo com o relato da testemunha, antes de pedir ajuda, o agente havia deixado João Pedro, já ferido, cair enquanto tentava segurá-lo sozinho.
A testemunha e outro jovem, então, ajudaram a levar o baleado para um carro que estava estacionado na frente da casa — que pertencia ao pai de um dos adolescentes. Embarcaram no veículo os dois amigos e um policial que carregava João Pedro. O carro foi conduzido até um campo de futebol, onde estava o helicóptero. O policial embarcou com João Pedro.
Os dois amigos, então, voltaram, sozinhos, à casa onde aconteceu o crime. Após estacionar o carro e abrir o portão, a testemunha contou que “um policial que estava no quintal efetuou três disparos” com um fuzil. De acordo com o jovem, os tiros deixaram marcas no muro: “Está lá, ao lado do portão da garagem, na coluna que sustenta o portão”. Por fim, a testemunha afirmou que o policial pediu desculpas e alegou que atirou porque achou que um bandido poderia estar entrando na casa.
No depoimento, o amigo afirma que “João Pedro já parecia morto” enquanto era socorrido: “Quando eu peguei ele, ele já estava todo mole, com o olho revirado”.
Perícia achou marcas no muro
Há outras provas no inquérito que corroboram o relato do amigo de João Pedro. Outro jovem que estava na casa também mencionou os tiros em depoimento ao Gaesp: “Os policiais efetuaram disparos na direção de X.”, afirmou a testemunha, mencionando o nome do adolescente alvo dos disparos. O amigo, entretanto, não conseguiu precisar se os tiros foram disparados durante ou depois do socorro.
As marcas dos três tiros mencionados pelo jovem alvo dos disparos foram encontradas pelo perito da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) que examinou o local do crime logo após João Pedro ser baleado. Segundo o laudo da perícia de local, “ao lado esquerdo do portão de madeira da garagem, foram evidenciados três impactos por projéteis de arma de fogo”. De acordo com a análise do agente, os tiros que produziram os buracos teriam sido dados dos fundos em direção à parte da frente da casa.
A maioria das 64 marcas de tiros achadas na casa, entretanto, foi produzida por disparos feitos a partir do portão de entrada — justamente por onde os três policiais civis investigados entraram no local. Como o perito encontrou marcas nos fundos e na frente da casa, ele concluiu que houve “produção de tiros em sentidos opostos”.
A conclusão da perícia beneficia os policiais investigados pelo crime — pois corrobora as versões do três, de que houve um tiroteio com traficantes na casa. No entanto, agora, o depoimento do adolescente revela que os tiros na direção contraria também podem ter sido disparados por um dos agentes.
Nenhum dos policiais da Core que prestaram depoimento assumiu a autoria dos tiros no muro nem mencionou que viu os disparos acontecerem.
Amiga acusou delegado de mudar depoimento
Uma outra amiga de João Pedro acusa o delegado Allan Duarte, responsável pela investigação do homicídio, de ter mudado o depoimento que ela prestou na DHNSGI no dia do crime. Ela afirmou, no segundo depoimento que deu sobre o caso, ao MP, que a versão que deu sobre os fatos na DH não bate com o que foi registrado no papel: segundo a testemunha, diferentemente do que consta no depoimento, ela não afirmou que viu criminosos na casa no dia em que João Pedro foi morto.
A menor foi levada para a DH logo depois do crime, a pedido de Duarte, dentro de um blindado da Core. Duarte, que é titular da DHNSGI, estava na operação que culminou na morte de João Pedro. O delegado, entretanto, permanece como responsável pelo inquérito.
No depoimento que a testemunha prestou em 18 de maio, assinado por Duarte e por ela, consta que a menor “viu através da cortina criminosos armados com armas longas, pulando o muro e entrando dentro de casa”. A versão beneficia os três agentes da Core investigados pelo crime, pois corrobora os relatos que eles deram — todos alegam que trocaram tiros com traficantes dentro da casa.
Em novo relato, ao MP do Rio, duas semanas após o crime, ela afirmou que não disse que viu criminosos pularem o muro da casa e que “em nenhum momento utilizou a expressão ‘criminosos’ na delegacia”. Disse também que “não viu o que estava escrito em seu depoimento em sede policial” e que “não viu qualquer pessoa diversa das que estavam com roupa preta ou camuflada no interior da casa” — ou seja, os policiais civis e federais que chegaram no local depois que João Pedro foi baleado.