Chega de FAKE NEWS Nas Redes Sociais

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A pandemia do novo coronavírus contribuiu para deixar ainda mais evidente o papel nefasto da desinformação na sociedade contemporânea. Além da tragédia provocada pelas mortes, o mundo paga um preço altíssimo por aquilo que, logo no início, a Organização Mundial da Saúde (OMS) qualificou como uma “infodemia”.

As redes sociais são há muito tempo o palco preferido de charlatães, teóricos da conspiração e políticos inescrupulosos. A Covid-19 só tornou isso mais evidente. Da cloroquina ao “isolamento vertical”, o negacionismo dos fatos e da ciência tem custado milhares de vidas. Não é a primeira vez. Basta lembrar o genocídio da minoria Rohingya em Mianmar, que começou com uma campanha no Facebook.

Desde o início da década, ficou claro que o sonho de liberdade trazido pela internet se transformara em pesadelo. Facebook, WhatsApp, Instagram, YouTube, Twitter e quejandos se tornaram veículos para campanhas de desinformação que não apenas tornaram a política refém do discurso de grupos extremistas, mas deram impulso ao preconceito, ao racismo e ao discurso de ódio.

Apesar do papel que desempenharam na ascensão do populismo nacionalista nos Estados Unidos e de regimes que ameaçam a democracia em países tão diversos quanto Filipinas, Índia ou Brasil, as redes sociais – em especial o Facebook, dono também do Instagram e do WhatsApp, e o Google, dono do YouTube – têm tido sucesso em se manter ao largo de regulações mais rígidas, sob o argumento de proteger a liberdade de expressão de seus usuários.

Há, porém, vários sinais de que as sociedades democráticas não estão mais dispostas a tolerar o atual statu quo, representado pela atitude arrogante de Mark Zuckerberg – uma mistura de indiferença, oportunismo e irresponsabilidade. Um deles foi dado ontem pelo Senado, ao aprovar, por 44 votos a 32, o Projeto de Lei 2.630/2020, de combate a notícias falsas.

É verdade que foi uma tramitação atribulada e apressada, em que várias formulações do texto continham rematados absurdos. Longe de representar ameaça à liberdade de expressão, porém, a versão final que seguiu para a Câmara contém medidas importantes para a transparência e para a regulação da propaganda nas redes.

Há previsão para exclusão de contas falsas, registro de mensagens lidas por mais de mil usuários, identificação de publicidade (em especial eleitoral), acesso a informações remotas mantidas fora do país e compartilhamento de dados. O monitoramento de conteúdo continua sujeito a ordem judicial e, embora persistam pontos equivocados (em particular, os relativos à moderação), o recado está claro: as plataformas precisarão fazer mais para manter a qualidade do debate democrático.

Não só o Brasil tem apertado o cerco contra Facebook e Google. Na Alemanha, desde 2017, são obrigados a retirar discurso de ódio do ar em questão de horas, sob pena de multas de até € 50 milhões. A França aprovou em maio uma lei em tons semelhantes, depois alterada pelo Conselho Constitucional, sob o argumento de que as redes sociais seriam incentivadas a retirar qualquer conteúdo do ar preventivamente – e de que isso ameaçava a liberdade de expressão. A decisão final, como no texto aprovado aqui, continuará cabendo à Justiça.

A maior pressão contra as plataformas da internet tem vindo não apenas das autoridades, mas do mercado. E não só na Europa ou no Brasil, mas lá mesmo nos Estados Unidos – terra onde a liberdade de expressão é um valor constitucional sacrossanto, e empresas do Vale do Silício são eudeusadas como ícones do empreendedorismo.

Desde 2016, o Facebook tem sido acusado, pela direita, de restringir publicações conservadoras e, pela esquerda, de ser responsável pela desinformação que elegeu Donald Trump. A ameaça de regulação mais dura fez Zuckerberg, em contraste com a inclinação natural do Vale do Silício, se aproximar de Trump, com quem esteve duas vezes no ano passado (a última, em jantar reservado na Casa Branca).

No discurso, o Facebook afirma tomar medidas contra desinformação – como o anúncio recente de que rotulará posts de políticos que violarem suas normas. Na prática, nada afetou campanhas mentirosas. É permitida propaganda política com informações falsas e, sempre que criticado, Zuckerberg repete o bordão: “Não podemos ser árbitros da verdade”. Uma eventual derrota de Trump, nem é preciso dizer, traria de volta o fantasma de regulações mais draconianas, nos moldes das europeias, ou até mesmo de quebra da empresa.

Os ventos da política têm soprado contra Zuckerberg. O favoritismo de Joe Biden nas eleições de novembro é único na história americana (leia mais aqui). O racismo se tornou um tema central na campanha depois do assassinato de George Floyd em Minneapolis. Facebook e YouTube se tornaram alvos imediatos, por funcionarem como veículos de propagação do discurso de ódio.

O YouTube se viu constrangido a retirar do ar nesta semana conteúdos de conhecidos supremacistas brancos que estão no ar há anos (e sempre fizeram propaganda aberta por Trump). Facebook e Instagram, em contrapartida, passaram a enfrentar um boicote sem paralelo de mais de 300 grandes anunciantes, empresas como Unilever, Coca-Cola e Pfizer, que não querem ver suas marcas associadas a conteúdos racistas por meio do mecanismo conhecido como “publicidade programática”. Para não falar na debandada de políticos, modelos e celebridades.

A “infodemia” deixou ainda mais claro para todos o preço da irresponsabilidade de Google e Facebook. A liberdade de expressão, que ambos dizem defender, sempre deve ser protegida como valor fundamental. Mas é preciso não cair na falácia de que tal liberdade implica o direito a uma plataforma de alcance global para propagar diante de uma audiência de milhões, não raro sob a proteção do anonimato, o racismo, o ódio, a mentira e a morte.

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