Sirius: acelerador de elétrons revela detalhes do novo coronavírus

Pesquisa deve ser útil na busca por tratamentos para a covid-19

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O Projeto Sirius, em Campinas (SP), é o maior investimento já realizado em ciência e pesquisa no Brasil e deve funcionar integralmente em 2020."

O Sirius, nome da nova fonte de luz síncrotron brasileira, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), realizou os primeiros experimentos em uma de suas linhas de luz nesta semana. A primeira estação de pesquisa a entrar em funcionamento é capaz de revelar detalhes da estrutura de moléculas biológicas, como proteínas virais.

Cristal da proteína do novo coronavírus coletado para ser submetido à análise
Cristal da proteína do novo coronavírus coletado para ser submetido à análise – Divulgação/CNPEM

Nessas análises iniciais, pesquisadores do CNPEM observaram cristais de uma proteína  imprescindível para o ciclo de vida do vírus SARS-CoV-2, o novo coronavírus. Os primeiros resultados revelam detalhes da estrutura dessa proteína, importantes para compreender a biologia do vírus e apoiar pesquisas que buscam novos medicamentos para a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

A primeira estação de pesquisa a entrar em funcionamento no Sirius é a linha de luz Manacá, dedicada a cristalografia de proteínas. Usando a difração de raios X esta linha de luz é capaz de revelar a posição de cada um dos átomos que compõem a proteína estudada, o que auxilia os pesquisadores a investigar a sua ação no organismo e sua interação com moléculas que têm potencial para o desenvolvimento de fármacos.

Além do Sirius, há outros aceleradores no mundo estudando as moléculas do coronavírus. “Há mais de 200 estruturas de pedaços do coronavírus depositada no banco de dados internacional, mas a nossa [fonte de luz síncrotron], já é uma das melhores em termos de resolução, já estamos competitivos comparados com outros experimentos. é uma corrida, tem muitos pesquisadores no mundo tentando fazer isso, estamos colhendo pistas, e isto que está sendo feito em vários aceleradores. Os pesquisadores querem olhar a estrutura e testar ligantes que podem ser candidatos a fármacos”, disse a pesquisadora do CNPEM que coordena a primeira estação de pesquisa a entrar em operação, Ana Carolina Zeri.

Neste primeiro experimento no Brasil foi analisada a 3CL Protease, do SARS- CoV-2. “Também conhecida por Mpro, essa molécula, em formato que lembra um coração, é uma das principais proteases do vírus, essencial para seu ciclo de vida. Essas proteases, fundamentais para a replicação viral, são alvos conhecidos para o desenvolvimento de medicamentos, já que, ao inibir essas proteínas, é possível interferir na proliferação do vírus. Inclusive, as primeiras drogas para HIV foram desenvolvidas mirando proteases do vírus e as drogas com essa ação estão presentes nos coquetéis utilizados para HIV, até hoje”, explicou a pesquisadora da força tarefa do CNPEM contra covid-19, Daniela Trivella.

Imagem em 3D de proteína do novo coronavírus obtida no Sirius.
Imagem em 3D de proteína do novo coronavírus obtida no Sirius. – Divulgação/CNPEM

O início dos experimentos nas instalações do Sirius envolve um minucioso processo de testes, no qual milhares de parâmetros são avaliados para garantir a geração de dados precisos. “Para constatar que a estação de pesquisa está dentro dos parâmetros projetados, gerando resultados confiáveis, resolvemos primeiramente a estrutura de proteínas bem conhecidas, como lisozima – uma molécula presente na nossa lágrima e saliva. Reproduzimos as medidas esperadas para essas amostras-padrão e, então, ao verificarmos a boa performance da máquina, seguimos para a coleta de dados de experimentos reais, com cristais de proteínas do SARS-CoV-2”, explica Ana Carolina Zeri. 

Primeiros experimentos

A amostra analisada nos primeiros experimentos no Sirius foi a proteína 3CL do SARS-CoV-2. Produzida e cristalizada no Laboratório Nacional de Biocências (LNBio), do CNPEM, a 3CL participa do processo de replicação do vírus dentro do organismo durante a infecção.

“Inicialmente, reproduzimos a estrutura de uma proteína já conhecida para testar os resultados gerados pela Manacá. Com a obtenção de dados confiáveis e competitivos, vamos aprofundar os estudos em biologia molecular e estrutural que integram nossa força-tarefa contra o SARS-CoV-2. Temos vários grupos de pesquisadores mobilizados para investigar os mecanismos moleculares relacionados à atividade dessa proteína, buscar inibidores de sua atividade, estudar outras proteínas virais, gerar conhecimentos que podem apoiar o desenvolvimento de medicamentos contra a doença”, detalhou o Diretor do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Kleber Franchini.

Os próximos passos da pesquisa do CNPEM integram a Rede Vírus MCTI, comitê de assessoramento estratégico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações que atua na articulação de Unidades de Pesquisa envolvidas no combate ao coronavírus.

Sirius está aberto aos pesquisadores

“Além do nosso compromisso com a agenda pública de pesquisas com o SARS-CoV-2, coordenada pelo MCTI, o início da operação da Manacá vai beneficiar a comunidade científica de todo o País. Pesquisadores dedicados a estudar os detalhes moleculares relacionados à doença poderão submeter, a partir da próxima semana, propostas de pesquisa para utilizar essa linha de luz”, anunciou o Chefe da Divisão de Materiais Moles e Biológicos do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do CNPEM, Mateus Cardoso.

Para utilizar o Sirius, as propostas de pesquisa da comunidade científica passarão por uma avaliação técnica dos especialistas do LNLS. “Neste momento, consideramos que a máquina está em fase de comissionamento científico (fase final de testes), realizando experimentos ainda em condições que impõem algumas limitações. Entretanto, em resposta à crise causada pela covid-19, optamos por disponibilizar antecipadamente essa ferramenta aos pesquisadores que já têm familiaridade com experimentos de cristalografia de proteínas, para que eles possam avançar no entendimento molecular do vírus”, ponderou o Diretor do LNLS, Harry Westfahl Jr.

Dentre as 13 estações de pesquisa do Sirius previstas para a 1ª fase do projeto, duas delas tiveram as montagens priorizadas, desde o início da pandemia, por permitirem estudos sobre o vírus e sua interação com células humanas. Além da Manacá, a equipe do projeto corre contra o tempo para entregar, ainda nos próximos meses, a linha de luz Catereté, voltada a técnicas de Espalhamento Coerente de Raios X, onde será possível produzir imagens celulares tridimensionais de alta resolução.

O diretor-geral do CNPEM e do projeto Sirius, José Roque, destaca que, em resposta à uma situação emergencial, a comunidade científica está sendo chamada a apresentar suas propostas de pesquisa em SARS-CoV-2. “Começamos a oferecer condições de pesquisa inéditas para os pesquisadores do país. Neste momento, em que se fala tanto da importância da ciência e tecnologia para a solução de problemas, estamos diante de uma máquina avançada, projetada por brasileiros e construída em parceria com a indústria nacional. Espero que, cada vez mais, todos os setores da sociedade reconheçam a importância da ciência para a solução dos nossos problemas e as capacidades que temos no país”, conclui.

Sirius

Projetado e construído por brasileiros, o Sirius é uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. Este grande equipamento científico possui em seu núcleo um acelerador de elétrons de última geração, que gera um tipo de luz capaz de revelar a microestrutura de materiais orgânicos e inorgânicos. Essas análises são realizadas em estações de pesquisa, chamadas linhas de luz. O Sirius irá comportar diversas linhas de luz, otimizadas para experimentos diversos, e que funcionarão de forma independente entre si, permitindo que diversos grupos de pesquisadores trabalhem simultaneamente, em diferentes pesquisas nas mais diversas áreas, como saúde, energia, novos materiais, meio ambiente, dentre outras. Sirius é financiado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.

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