Alcançar cota de candidatas mulheres ainda é desafio para partidos mineiros

Mais de 10 após lei que determinou maior espaço para as mulheres na política do Brasil, partidos não conseguem garantir que regra seja colocada em prática

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O adiamento das eleições em função da pandemia de coronavírus garantiu um prazo maior aos partidos políticos para a composição das chapas e o registro dos candidatos que concorrerão no pleito deste ano.

Ainda assim, algumas legendas em Minas estão enfrentando dificuldades para cumprir a cota de gênero de 30% reservadas a candidaturas femininas, especialmente após virem à tona várias denúncias de candidatas laranjas nas eleições 2018, quando a Justiça Eleitoral prometeu aumentar o rigor na fiscalização.

É o caso do Democratas que, segundo o presidente do diretório mineiro, senador Rodrigo Pacheco, tem tido dificuldades em algumas cidades do interior do Estado.

“É natural que cada município tenha a sua realidade, e é evidente que em muitos municípios haja uma dificuldade de composição de atingir esse mínimo de 30% de mulheres na chapa”. Ele destacou que o partido está organizado em mais de 600 municípios mineiros.

Ele acredita que isso acontece porque as mulheres têm menos interesse na política. “Isso é natural que aconteça, até porque as mulheres ainda não se sentiram suficientemente atraídas pela política partidária. Nós esperamos muito que isso aconteça o mais brevemente possível porque, sinceramente nós acreditamos que a participação das mulheres vai melhorar muito a qualidade do ambiente política”.

Já o presidente do MDB em Minas, deputado federal Newton Cardoso Jr. destacou que não se trata de uma dificuldade específica de um partido, mas de algo que passa por todos as legendas e que tem como razão a falta de disposição das mulheres em protagonizar candidaturas. 

“O maior problema não é a dificuldade de conseguir mulheres. Mulher tem, mas as mulheres não querem participar do processo político, na grande maioria. São exceções hoje as mulheres que topam e são protagonistas do processo político de forma geral, sejam eleições municipais ou eleições nacionais. Isso é um fato”. 

Na avaliação do professor de direito eleitoral da PUC Minas e da Faculdade Arnaldo e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral, João Andrade, essa dificuldade só existe porque muitos partidos ainda não tomaram para si a tarefa de incentivar a participação feminina e formar mulheres capazes de disputar e vencer as eleições. “Desde 2009, (os partidos) já sabiam que tinham que formar mulheres em condições de disputar cargos públicos, mulheres competitivas, e a Lei dos Partidos Políticos é clara ao definir que é ônus dos partidos a educação política”.

Incentivos

Outros partidos – como o PT, PSDB e PSD – relataram não ter dificuldade em cumprir a cota de gênero. Em comum, todos eles destacaram que mantêm programas de incentivo às candidaturas femininas e também de formação de quadros e lideranças entre as filiadas.

“O fim das coligações nas eleições proporcionais e uma intensa campanha de ampliação da presença da mulher na atividade política surtiram efeito”, disse o presidente estadual do PSDB, deputado Paulo Abi-Ackel. Ele acrescentou ainda que o PSDB Mulher, tem uma intensa atuação em Minas e que o partido trabalha com a ideia de cerca de 1.500 mulheres candidatas às eleições proporcionais no Estado.. 
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Situação semelhante é apontada pelo presidente do PT em Minas, deputado Cristiano da Silveira. Ele garante que o partido não tem muita dificuldade em montar as chapas respeitando a cota de gênero e destaca que o partido, inclusive, terá muitas mulheres candidatas a prefeita.

“Na grande maioria dos municípios, nós temos candidaturas femininas sim, inclusive, muitas candidatas majoritárias. Para se ter uma ideia, das nove cidades que têm segundo turno em Minas Gerais, em cinco delas, o PT terá candidata mulher”, ressaltou. 

Já o senador Carlos Viana, presidente do PSD em Minas, destacou que desde o ano passado o partido vem trabalhando no sentido de se organizar para as eleições 2020.

“Desde o ano passado, nós temos trabalhado com as comissões locais a questão de incentivarmos as mulheres a serem candidatadas, não somente pela questão do cumprimento da cota, mas principalmente pelo equilíbrio cidadão”. Ainda segundo ele, o partido tem em Minas 14.946 mulheres filiadas de um total de 38.992 filiados no total. Ou seja, 38,3% dos nossos filiados são mulheres do PSD em Minas Gerais. Mas, ainda estamos muito longe do ideal, de nós alcançarmos o equilíbrio”, disse. 

Por meio de nota, o PSOL afirmou que a “luta das mulheres é prioridade” e teve “papel essencial na fundação do partido”.  “Nos últimos anos, temos apresentado o cenário de candidaturas e homens e mulheres de forma paritária, com 50% de mulheres”, diz o partido.

A reportagem também entrou em contato com os dirigentes de outros seis partidos em Minas – PSL, Novo, PRTB, PROS e Avante – mas nenhum deles respondeu aos questionamentos sobre a composição das chapas em relação à cota de mulheres.

Mudanças ao longo da década

A cota de gênero nas eleições brasileiras existe desde 2009 e foi criada como forma de estimular a participação feminina no processo político. Em uma alteração à lei 9.504/1997, foi acrescentada uma norma determinando que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. 

No entanto, nos últimos anos, surgiram muitas denúncias apontando que várias das candidaturas femininas lançadas pelos partidos eram “laranjas”, ou seja, as mulheres não recebiam recursos para as campanhas ou tinham que devolver os recursos recebidos e disputavam as eleições apenas para cumprir o número mínimo.

Diante disso, tanto o Ministério Público quanto a Justiça Eleitoral passaram a fechar o cerco no sentido de tornar efetivas as candidaturas femininas. Nas últimas eleições, o Ministério Público denunciou diversas candidaturas laranjas, especialmente no PSL, partido pelo qual se elegeu o presidente Jair Bolsonaro.

Já o Tribunal Superior Eleitoral aprovou uma resolução em 2018 definindo um mínimo de 30% de recursos para as candidaturas femininas e, no ano passado, acrescentou à medida a obrigatoriedade de que esse percentual acompanhe o percentual de candidatas do partido. Ou seja, se uma legenda lançar mais do 30% de mulheres, deve direcionar valor proporcional às suas campanhas. 

“Agora, o que se pretende é que as candidaturas femininas tenham embasamento, que possam concorrer de maneira efetiva e, para isso então, elas têm que ter um fundo destinado para viabilizar as campanhas. Então, para que não ocorram essas chamadas candidaturas laranjas, que as candidaturas sejam realmente oriundas dos partidos políticos e tenham o objetivo realmente de chegar a algum cargo público”, disse a secretária de Gestão da Informação e Atos Partidários do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Annelise Barbosa Duarte Viana.

Outro passo importante da Justiça Eleitoral no sentido de coibir candidaturas laranjas foi uma decisão, também do ano passado, em que a Corte cassou o mandato de seis vereadores eleitos em uma mesma chapa para a Câmara de Valença do Piauí (PI) após comprovação de que houve fraude à conta de gênero.

Na avaliação do professor de direito eleitoral da PUC Minas e da Faculdade Arnaldo e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral, João Andrade, abre um precedente para outros casos semelhantes e acaba inibindo a prática ilegal. “Isso tem um efeito positivo que vai além da própria ação, que é o efeito inibitório para outros partidos”.

Ele ressalta ainda que a decisão, apesar de representar uma novidade, está amparada pela legislação eleitoral. “Como acontece com as ações eleitorais, essa ação teve como consequência a perda do mandato eletivo. Mas, diferentemente das outras, em que só as pessoas envolvidas no ilícito é que em regra perdem o mandato, nessa aqui derrubou-se o registro de todos os candidatos do partido porque, na prática, entendeu o TSE que todos foram beneficiados pela fraude”, disse.

E explicou: “E é uma lógica relativamente simples: se o partido não tinha candidatas reais, então ele não preenchia os 30%, e portanto não poderia registrar aqueles candidatos que registrou. Embora essa decisão tenha sido inédita, as consequências delas estão previstas no Código Eleitoral, que fala que a votação contaminada por fraude é anulável. Então, o que o TSE fez foi anular a votação do partido ou da coligação inteira, como era o caso, derrubando o registro de todos os candidatos”.

Fim das coligações

Outra mudança que pode se traduzir em um desafio extra aos partidos em relação à cota de gênero nas eleições de 2020 é o fim das coligações para as eleições proporcionais. A medida agora só é permitida na eleição majoritária, o que então exige que cada um dos partidos isoladamente atendam aos 30% de mulheres candidatas em suas chapas. 

“Então, os partidos que, até 2018, poderiam se coligar para a eleição de vereador, agora não podem mais. Dessa forma, o que acontecia até então, de um partido apresentar mais mulheres e outro menos e, esse cômputo geral ser favorável à coligação, agora não pode mais. Então, o partido tem que apresentar sozinho o número mínimo de candidaturas femininas exigidas pela legislação”, explicou Annelise Viana.

Isso pode acabar fazendo com que, alguns partidos tenham que lançar menos candidatos no total. “Às vezes, o partido não tem um número de candidaturas femininas expressivas, então ele não pode apresentar mais candidaturas masculinas. Então, se requerem dez candidatos, pelo menos três tem que ser mulheres e, se não conseguirem o número de mulheres suficientes, talvez não consigam apresentar o número de candidaturas masculinas que eles desejariam”, explica a secretária do TRE-MG. 

Barreiras históricas 

“Não existe desinteresse das mulheres, existe é uma série de barreiras à ascensão delas na política”, assim explica a cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mara Telles, em relação à participação feminina. Atualmente, as mulheres são 15% na Câmara de 13% no Senado, enquanto somam mais da metade da população brasileira.. 

Segundo a pesquisadora, há inúmeros entraves para a ascensão das mulheres nas estruturas partidárias brasileiras, o que acaba desestimulando ainda mais a participação feminina.

“Há dentro dos partidos muitas barreiras para a ascensão delas aos cargos diretivos. Então, você vai encontrar muitas mulheres fazendo trabalho de base, mas poucas em cargos diretivos dentro dos partidos. Elas não ascendem e têm menor influência dentro da máquina partidária, inclusive, para defender suas próprias candidaturas”, disse. 

Além disso, Mara Telles aponta a própria organização da sociedade como fator de desestímulo. No Brasil, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelos cuidados com a casa, os filhos e os pais ou idosos da família, levando a uma sobrecarga de tarefas.

“Agora, na pandemia, isso está sendo ainda mais ressaltado. Foi feita uma pesquisa recente que aponta que parte significativa das mulheres está sendo assumindo a responsabilidade de cuidar, sobretudo dos idosos”.

Já em relação à eleição de mulheres, a cientista política ressalta que o eleitorado brasileiro não tem problema em eleger mulheres, tanto é que elegeu Dilma Rousseff em 2000 como a  primeira presidente mulher do País. No entanto, as candidaturas femininas ainda recebem poucos recursos e, ela afirma que a eleição no Brasil está diretamente associada ao volume de recursos investidos nas campanhas. 

“As mulheres têm maior dificuldade de competir e de se tornarem candidatas e, ainda quando se tornam, os recursos que são destinados à elas são menores. Mas, quando elas têm recursos financeiros, elas obtêm maior taxa de sucesso na competição do que os homens, segundo uma pesquisa do Vitor Peixoto. Então, não existe falta de vontade das mulheres, o que existe é falta de disponibilidade dos partidos de assumir efetivamente candidaturas de mulheres e repassar recursos financeiros para uma campanha tão disputada como brasileira, onde existe um grande número de candidatos e que a chapas tendo pouca visibilidade, consequentemente, têm chances eleitorais”, aponta.

Nesse sentido, o professor João Andrade arremata dizendo que a falta de recursos acaba por invisibilizar as candidaturas femininas.

“O que várias pesquisadoras, tanto da Ciência Política quanto eleitoralistas, já constataram,  é que de fato, o nome das candidatas mulheres não chega até o eleitor porque eleição e candidatura tem a ver com dinheiro no nosso arranjo político. Então, quem recebe dinheiro dos partidos políticos para viabilizar sua candidatura, é eleito. Existe uma correlação entre o tanto de dinheiro que irriga as campanhas e as chances reais dele ser eleito”.

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