Assembleia realiza audiência pública para tratar dos impactos da cheia do rio Madeira

Iniciativa do deputado Marcelo Cruz ouviu moradores e representantes governamentais

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Proposta pelo deputado estadual Marcelo Cruz (PTB), a Assembleia Legislativa realizou audiência pública nesta terça-feira (25), para discutir os impactos da enchente do rio Madeira, sobre as comunidades ribeirinhas, tanto na zona rural quanto na zona urbana de Porto Velho.

Ao abrir a audiência, o deputado disse que esteve no Baixo Madeira, onde presenciou os prejuízos que a comunidade enfrenta com a enchente deste ano. “Minha avó morreu, sem ser indenizada. Ela foi atingida pela cheia de 2014, já aos 87 anos e sofreu muito. Ou seja, senti na pele, na minha família, os efeitos das enchentes e por isso decidi comprar essa briga”, destacou.

Marcelo Cruz encaminhou às Secretarias de Meio Ambiente do Governo e da Capital, além do Ibama, requerimentos solicitando informações a respeito das licenças ambientais vigentes, e seus respectivos prazos de validade, concedidas para a usina hidrelétrica de Jirau.

O deputado federal Léo Moraes (PTB), a secretária adjunta da Secretaria de Ação Social (Seas), Liana Silva, o major BM Tadeu Sanches, chefe da Defesa Civil Estadual, o coordenador da Defesa Civil no município de Porto Velho, Marcelo Santos, o vereador Tiãozinho (PTB), José de Arimatéia, vice-presidente da Emater, além de lideranças e moradores das áreas atingidas, participaram da reunião.

Léo Moraes pontuou que essa discussão se arrasta há anos, e ocorre muitas vezes de forma unilateral, sem a presença de representantes das usinas e do setor público, responsável pela emissão de licenças e o acompanhamento das compensações.

“As usinas alagaram áreas superiores ao previsto no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nada foi feito. Outro ponto é que o Ministério de Desenvolvimento Regional tem recursos à disposição para áreas afetadas, mas Porto Velho sequer apresentou projetos básicos. Estamos nos mobilizando para que uma Comissão do Congresso, junto com especialistas, possa vistorias as duas usinas do Madeira”, acrescentou.

Tiãozinho reclamou que, mais uma vez, nenhum representante das usinas esteve presente à audiência pública. “Eles não estão interessados nas discussões. Peço que as usinas instalem também sirenes ao longo do rio, para alertar a comunidade em caso de algum desastre, pois o que ocorreu em Brumadinho e Mariana (MG), precisa nos manter em alerta”, destacou.

O chefe da Defesa Civil Estadual disse que é preciso que os órgãos governamentais, do Estado e da União, precisam acompanhar os impactos do EIA e outras ações, ligadas à outorga da concessão da construção das usinas. “Se reconhecer qualquer elevação do rio, acima do Abunã, por exemplo, a usina de Jirau poderia colocar em risco essa concessão”, explicou.

Ele disse ainda que compete à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a cobrança às usinas sobre planos de evacuação, de treinamento e de enfrentamento de um eventual rompimento de barragens hidrelétricas.

Liana Silva iniciou sua fala dizendo ter origens no distrito de Calama, com conhecimento sobre a realidade das comunidades ribeirinhas do Baixo Madeira. “Ainda na transição, nos preocupamos com a questão orçamentária, para caso ocorresse uma cheia. O Estado está em alerta, já adquiriu quase 20 mil galões de água, com alguns entregues já em Candeias do Jamari e em Nova Mamoré e no Baixo Madeira vai ser enviado também”.

A partir do dia 28, um barco vai descer o Madeira, levando água e 900 cestas básicas. “Fazer um planejamento, uma prevenção, já que esse fenômeno ocorre ano após ano, precisa ser uma prioridade de Governo. Estamos em fase de construção do Plano Plurianual (PPA) e queremos abranger essa necessidade”, completou.

Sobre a suspensão da descida do barco pelo Madeira, na semana passada, a adjunta informou que o transporte não pode ser suspenso, mas foi reajustado, para que possa atender às famílias atingidas pela cheia. “É importante resolver o problema, para que não fique ano após ano, fazendo ações emergenciais”.

Marcelo Cruz quis saber quais os planos da Seas, para após as cheias, para atender às comunidades. Marcelo Santos garantiu que a prefeitura irá perfurar poços nas comunidades ribeirinhas, para garantir água.

“Sobre as ações para prevenção de riscos, caso haja alguma ruptura de barragem e alagação, estamos atuando com a usina de Santo Antônio um estudo para Zona de Auto Salvamento (ZAS), embora não haja esse risco de rompimento”, afirmou.

A coordenadora de Assistência Social da Seas, Fabiane Pasarini, fez um breve relato da situação das áreas de reassentamento, nas localidades atingidas em 2014.

“A gestão Marcos Rocha (PSL) está muito atenta às aquisições e desapropriações. Estamos em processo de regularizações e acompanhando cada caso. Importante que as famílias entendam que as áreas ficaram longe da margem dos rios, até para evitar novos impactos”, completou.

O representante da Emater assegurou que a empresa tem dado o apoio possível aos produtores. “Fizemos um levantamento dos impactos, em 2014, que apontou um prejuízo em torno de R$ 125 milhões na agropecuária. Estamos à disposição para atuar em parceria com as demais pastas governamentais, pois sabemos das dificuldades de se reconstruir a produção”.

Sobre o financiamento rural, ele disse que os agentes financeiros podem identificar melhor as necessidades e a Emater atuar em conjunto. “Hoje, 100% dos financiamentos estão inadimplentes. Se não produzem, se perdem a produção, não podem pagar. Realmente, precisam de uma atenção especial”.

Ao final da audiência, o deputado Marcelo Cruz disse que vai seguir buscando informações sobre o que foi feito, o que foi tratado com as usinas, o que foi cumprido, o que está pendente, quais as ações prioritárias e que devem sem implementadas. “Estou tomando pé da situação, que é ampla e complexa, mas não quero e não vamos parar por aqui: vamos seguir reunindo informações e trabalhando para que as responsabilidades sejam dadas a quem dá causa a essa situação”.

 

Depoimentos

Nágila Maria, moradora do distrito de São Carlos, destacou a iniciativa de realizar a audiência, para que possa trazer alguma resposta. “Que agora, com o trabalho e o empenho do deputado Marcelo Cruz, possamos ter um resultado melhor do que nos anos anteriores, onde quase nada avançou e a comunidade tá revoltada”, desabafou.

Ela creditou às usinas do Madeira o volume de águas a cada período de inverno. “O sonho dos ribeirinhos é ter a sua casa, a sua vida de volta. Mesmo após a cheia de 2014, nada foi feito e as famílias continuam abandonadas. As pessoas não puderam ter acesso à moradias aqui na capital e não temos meios de sobreviver. Não temos mais como produzir e não fomos indenizados para reconstruir o mínimo. As usinas precisam nos indenizar”, garantiu.

Paulo de Souza, representando o Baixo Madeira, na Vila do Monte Belo, disse que as famílias da localidade perderam tudo. “Muitos dizem que as cheias não têm nada a ver com as usinas. Eu sou nascido e criado na região e estou com 62 anos, nunca vi algo parecido. Ficamos quatro meses dentro d’água e ninguém fez nada. Cadê a nossa São Carlos, que iria ser feita? Veio essa nova cheia e, mais uma vez, as famílias estão sofrendo”.

Segundo ele, é importante que a Assembleia Legislativa abra espaços para que pessoas simples como ele, possam relatar seu sofrimento. “Agradeço ao deputado Marcelo, por nos dar esse espaço, por nos dar voz. Somos gente simples e que não tem força sozinhos”, observou.

Marcelo Cruz retomou a palavra e reforçou que está reunindo informações, para se posicionar e atuar em defesa das comunidades. “Estamos buscando informações, juntando dados e depoimentos, para que possamos definir os encaminhamentos e ações. É ouvindo quem é atingido, que podemos traçar uma estratégia de atuação”.

Alessandro Borges, da localidade de Cujubim Grande, disse que a área foi atingida diretamente pelas cheias, e alertou para o fato do rio Madeira subir e descer três vezes ao dia. “Pessoas nascidas e criadas no Baixo Madeira, nunca viram isso: um rio do tamanho do Madeira ter esse sobe e desce no mesmo dia, não é normal. Não sou especialista, mas não tem como excluir a responsabilidade das usinas nesse processo”.

Para ele, o descaso é muito grande com comunidade pequenas, tradicionais e carentes, que ficam sem nenhum amparo, sem nenhum apoio dos grandes empreendimentos energéticos.

“Cerca de 95% da produção do Baixo Madeira foi perdida. Quem conseguiu um financiamento, não vai ter como pagar. Precisa alongar esse prazo. Produtos que seriam entregues para a merenda escolar, foram perdidos. O medo é de que o ano que vem alague de novo. Não é um caso isolado. Um pai de família que planta macaxeira ou banana, não tem mais sossego, mais garantia de que vai colher, para sustentar sua família”, lamentou.

 

Comissão

O advogado Fadrício Santos representando a OAB/RO, sugeriu formar uma Comissão para seguir discutindo e apontando soluções, foi um dos encaminhamentos da audiência pública. Ele disse que a Ordem tem acompanhado essa situação e se posicionado em defesa das famílias atingidas.

Cabo Moura, líder comunitário, integra Comissão que trata da questão dos atingidos pela cheia de 2014, e denunciou que foram adquiridas terras públicas, por preços acima do mercado, mas que nunca foram entregues, pois as áreas não seriam recomendadas para reassentamentos. “Que a coisa agora aconteça. É vergonhosa a situação, ano após ano, as famílias perdem tudo e ninguém nos defende, nos apoia. Há muita promessa, muita média, muita hipocrisia e politicagem”, observou

Allan França, que tem uma propriedade rural na região de Abunã, declarou que não tem como não apontar a responsabilidade das usinas nas cheias. “A região foi afetada e não se consegue contato com ninguém. O solo está encharcado e causa prejuízos para todo mundo, pois não podemos mais plantar e nem criar nada”.

Ele denunciou que desde 2010 não tem sido feita a estrada na comunidade da Vila da Penha, por ela estar alagada, tendo virado um charco. “Mas, a usina de Jirau não reconhece isso, infelizmente. E no Ramal São Sebastião, onde reconheceram as indenizações há seis anos, ninguém foi indenizado até agora”.

França questionou ainda a autorização da elevação da cota da usina e a área alagada ser maior do que a área de supressão vegetal. “Tem que ser revisto o estudo de impacto ambiental, pois a situação está muito acima do que foi previsto”.

A diretora da Escola Estadual de São Carlos, Marie Lima, disse que é necessário um trabalho para garantir, de forma permanente, apoio às famílias do Baixo Madeira. “As pessoas querem trabalhar, querem viver a sua vida, sem depender, a cada cheia, de água mineral e cesta básica da Defesa Civil. Está claro que após as usinas, as áreas estão alagadas e não permitem mais o plantio”, destacou.

Ela questionou ainda a aplicação, pelo Governo e prefeitura, dos royalties advindos das usinas do Madeira. “Quanto desse recurso tem sido aplicado para promover o desenvolvimento do Baixo Madeira? Quem foi mais afetado com essas usinas? As comunidades ribeirinhas, e por isso precisamos trabalhar para compensar a quem está sendo diretamente afetada”, completou.

O professor Adailton Noleto, representando o assentamento Aliança, conclamou que os órgãos e Poderes possam atuar de forma conjunta em ações judiciais e administrativas. “Não basta só conhecer a comunidade e sua realidade. É preciso ser deliberativo, ter um encaminhamento e efetividade nas ações”.

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