Fome no Brasil: em 5 anos, cresce em 3 milhões o nº de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, diz IBGE

Cerca de 10,3 milhões de brasileiros vivem em lares nessa situação. Percentual de domicílios com alimentação satisfatória atinge patamar mínimo em 15 anos.

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Depois de recuar em mais da metade em uma década, a fome voltou a se alastrar pelo Brasil. Em cinco anos, aumentou em cerca de 3 milhões o número de pessoas sem acesso regular à alimentação básica, chegando a, pelo menos, cerca de 10,3 milhões o contingente nesta situação. É o que apontam os dados divulgados nesta quinta-feira (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento foi feito entre junho de 2017 e julho de 2018 e apontou piora na alimentação das famílias brasileiras. Entram na conta somente os moradores em domicílios permanentes, ou seja, estão excluídas do levantamento as pessoas em situação de rua, o que poderia aumentar ainda mais o rastro da fome pelo país.

Além do aumento da população que passa fome no país, a pesquisa mostrou também que:

  • O Brasil atingiu o menor patamar de pessoas com alimentação plena e regular
  • A fome é mais prevalente nas áreas rurais
  • Quase metade dos famintos vive na Região Nordeste do país
  • Metade das crianças com até 5 anos vive tem restrição no acesso à alimentação de qualidade
  • Mais da metade dos domicílios onde há fome são chefiados por mulheres
  • Quanto maior o número de moradores no domicílio, menor é o acesso à alimentação plena
  • Arroz pesa mais no orçamento de famílias com insegurança alimentar, aponta IBGE
  • Brasileiros gastam mais com jogos e apostas que com arroz, aponta IBGE

Classificado pelo IBGE como segurança alimentar, o acesso pleno e regular aos alimentos de qualidade – em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais – atingiu o menor patamar em 15 anos.

Fome no Brasil  — Foto: Economia G1

Fome no Brasil — Foto: Economia G1

“Ao olhar para a série histórica, a gente observa que houve diminuição da segurança alimentar e o consequente aumento dos índices de insegurança alimentar entre a população brasileira”, enfatizou o gerente da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, André Luiz Martins Costa.
 

De acordo com a pesquisa, 63,3% dos domicílios no Brasil tinham a chamada segurança alimentar, abaixo dos 65,1% apurados em 2004, quando tem início a série histórica do levantamento. O IBGE destacou que este percentual cresceu, consecutivamente, nas duas pesquisas seguintes, realizadas em 2009 e 2013, mas retrocedeu ao mínimo histórico em 2018.

A maior cobertura da segurança alimentar foi registrada em 2013, quando chegou a 77,4% o total de domicílios em que a alimentação podia ser considerada como plena e regular.

Na comparação com 2013, o número de domicílios com segurança alimentar teve queda de 13,7%. Em contrapartida, aumentou em 71,5% o número de domicílios com insegurança alimentar.

O IBGE classifica a insegurança alimentar em três níveis – leve, moderada e grave – da seguinte maneira:

  • Insegurança alimentar leve: há preocupação ou incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro, além de queda na qualidade adequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentação consumida.
  • Insegurança alimentar moderada: há redução quantitativa no consumo de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação.
  • Insegurança alimentar grave: há redução quantitativa de alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores do domicílio. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no lar.

Foi a insegurança alimentar moderada a que mais cresceu percentualmente entre os domicílios brasileiros entre 2013 e 2018 – uma alta de 87,53%. A insegurança alimentar leve teve alta de 71,5% no mesmo período, enquanto a grave, que caracteriza a fome, aumentou em 48,8%.

Fome voltou a se alastrar entre os domicílios brasileiros a partir de 2013, segundo dados do IBGE — Foto: Economia/G1

Fome voltou a se alastrar entre os domicílios brasileiros a partir de 2013, segundo dados do IBGE — Foto: Economia/G1

Fome tem maior prevalência em áreas rurais

Embora o maior número das pessoas em situação de miséria alimentar viva em áreas urbanas, é nas áreas rurais que a fome é mais prevalente.

De acordo com o IBGE, dos cerca de 10,3 milhões de famintos no país, 7,7 milhões viviam em perímetro urbano, enquanto 2,6 milhões, em regiões rurais. Todavia, proporcionalmente, estes números representavam, respectivamente, 23,3% do total da população que vivia em área urbana e 40,1% da população rural.

“As pessoas que estão em meio urbano conseguem mais alternativas para a sua alimentação, substituindo itens com maior facilidade que na área rural, que tem menor variedade de alimentos disponíveis”, apontou o gerente da pesquisa, André Costa.

Quase metade dos famintos vive no Nordeste

Dos cerca de 10,3 milhões de brasileiros que passaram fome em 2018, 4,3 milhões viviam na Região Nordeste, o que corresponde a 41,5% do total de famintos no país. Em seguida, aparece a Região Sudeste, com 2,5 milhões de habitantes com fome, e o Norte, com pouco mais de 2 milhões de pessoas nesta situação.

Mapa da fome no Brasil: quase metade dos famintos vive na Região Nordeste do país — Foto: Guilherme Pinheiro/Editoria de Arte

Mapa da fome no Brasil: quase metade dos famintos vive na Região Nordeste do país — Foto: Guilherme Pinheiro/Editoria de Arte

No entanto, se considerada a proporção de domicílios com restrição severa no acesso à alimentação adequada, a Região Norte é a que lidera o ranking. Lá, 10,2% dos domicílios estavam em situação de fome no período do levantamento. Essa proporção é cerca de cinco vezes maior que a observada no Sul, onde 2,2% dos domicílios foram classificados com insegurança alimentar grave.

O IBGE destacou que no Norte e Nordeste menos da metade dos domicílios (43% e 49,7%, respectivamente) tiveram acesso pleno e regular à alimentação adequada. No Sul, esse percentual chegou a 79,3%. Sudeste e Centro-Oeste aparecem na sequência, com 68,8% e 64,8%, respectivamente, dos domicílios com segurança alimentar.

Metade das crianças sob insegurança alimentar

Ao analisar a situação alimentar por faixa etária, o IBGE identificou que metade das crianças com até 4 anos de idade vivia em domicílios com algum tipo de insegurança alimentar – 34,2% delas em lares com insegurança alimentar leve, 10,6% com insegurança alimentar moderada, e outros 5,1% com insegurança grave, que caracteriza a fome.

Na faixa etária entre 5 e 17 anos, passou da metade (50,7%) o total destes jovens vivendo sob algum tipo de insegurança alimentar. Na faixa etária entre 18 e 49 anos, este percentual foi de 41,2%, enquanto no grupo de 50 a 64 anos este percentual caiu para 34,6%.

A menor proporção de pessoas vivendo sob algum tipo de insegurança alimentar estava na faixa etária acima de 65 anos – 21,3%. Ao todo, cerca de 2,7% dos idosos com mais de 65 anos tiveram insegurança alimentar grave no período da pesquisa, ou seja, passaram fome entre 2017 e 2018.

“À medida que a idade da pessoa aumenta, aumentam também as chances dela ter maior segurança alimentar”, apontou o pesquisador do IBGE, André Costa.

O estudo mostrou ainda que, nos domicílios em condição de segurança alimentar, predominam os homens como responsáveis pelo rendimento doméstico. Conforme o levantamento, 61,4% dos domicílios com acesso pleno e regular à alimentação de qualidade eram chefiados por homens. Já as mulheres eram responsáveis por 38,6% dos domicílios nessa situação.

“Domicílios cuja mulher é a pessoa de referência estão mais associados à insegurança, assim como domicílios com muitos moradores”, observou o gerente da pesquisa.

Entre os domicílios com insegurança alimentar grave, ou seja, em situação de fome, 51,9% eram chefiados por mulheres, de acordo com o levantamento.

Ao analisar a situação alimentar dos domicílios por cor ou raça, constatou-se que apenas 36,9% dos lares com segurança alimentar eram chefiados por pessoa autodeclarada preta ou parda. Este percentual passava de 50% para os três níveis de insegurança alimentar – 50,7% para insegurança leve, 56,6% para insegurança moderada e 58,1% para insegurança grave.

Onde comem três, não comem sete

Ao analisar a situação alimentar considerando a composição do domicílio, o IBGE identificou que quanto menor o número de moradores, maior a segurança alimentar.

De acordo com o levantamento, 72,5% dos domicílios com acesso pleno e regular à alimentação adequada de qualidade tinham até três moradores, enquanto 26,3% tinham entre quatro e seis moradores. Apenas 1,1% deles tinham mais de sete habitantes.

Quanto maior o número de moradores, menor a garantia de alimentação de qualidade e em quantidade suficiente. — Foto: Economia/G1

Quanto maior o número de moradores, menor a garantia de alimentação de qualidade e em quantidade suficiente. — Foto: Economia/G1

Já entre os domicílios com insegurança alimentar grave – com restrição severa de alimentos, que caracteriza a situação de fome – 61,2% tinham até três moradores, 32,4% entre quatro e seis, e 6,4% tinha mais de sete.

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