Nos últimos quatro anos, eu vi pessoalmente o presidente americano Donald Trump em dias bons e dias ruins. Mas 7 de novembro, quando ele perdeu a eleição para o democrata Joe Biden, foi um dia como nenhum outro.
Vestido com uma jaqueta corta vento, calças pretas e um boné branco do Maga (sigla em inglês para Faça a América Grande de Novo), o presidente deixou a Casa Branca poucos minutos antes das 10h (horário local). Ele havia passado parte das horas anteriores tuitando sobre acusações de fraude nas eleições.
Ali fora ele se inclinava ligeiramente para a frente, como se estivesse sendo empurrado pelo vento. Ele embarcou em um veículo de cor escura e seguiu para seu clube de golfe, Trump National, em Sterling, na Virgínia, a cerca de 40 km da Casa Branca.
Naquele momento, ele projetava um ar confiante. Estava um dia lindo, perfeito para jogar golfe, e ele passaria seu dia no clube.
Mas as pessoas que trabalhavam para Trump pareciam nervosas.
“Como vai você?”, perguntei a uma delas.
“Tudo bem”, disse ela. Ela sorriu, mas seus olhos se estreitaram. E olhou para seu telefone.
Trauma eleitoral
A votação foi há poucos dias, na terça-feira (3/11), mas parece ter sido há muito mais tempo. É que a Casa Branca passou por alguns traumas desde a eleição.
Um deles se deu quando o canal fechado Fox News, conhecido por sua cobertura mais pró-Trump, declarou que Biden havia vencido no Estado do Arizona, o que deflagrou uma crise na Casa Branca e uma briga contra o comando do canal porque Trump temia que a narrativa de uma derrota dominasse os dias seguintes da votação.
Outro trauma na Casa Branca passava pela pandemia de covid-19. Muitas das mesas de trabalho na Ala Oeste (West Wing) estavam vazias quando entrei ali na manhã de sábado (7/11). Vários funcionários haviam sido infectados com o coronavírus e estavam fora do escritório. Outros estavam em quarentena.
Então, a partir das 11h30, enquanto o presidente estava em seu clube de golfe, a BBC e as redes dos Estados Unidos começaram a projetar e declarar a vitória de Joe Biden, o adversário de Trump.
Eu estava sentada em um restaurante italiano a quase 1 km do clube quando ouvi a notícia. Sou membro do grupo de imprensa da Casa Branca, um pequeno conjunto de jornalistas que viaja acompanhando o presidente. Estávamos todos esperando ele sair do clube de golfe.
“Ele é tóxico”, disse uma mulher do lado de fora do restaurante que, como a maioria de seus vizinhos nesta área de tendência democrata, votou em Biden.
Outros se perguntaram em voz alta quando o presidente deixaria o clube e voltaria para a Casa Branca. Passaram-se minutos, depois horas.
“Ele está no tempo dele”, disse um policial, baixinho, a um colega.
O presidente não tinha pressa em sair. No clube, estava rodeado de amigos. Fora dos portões, apoiadores gritaram para mim e para outros repórteres: “‘Desinvistam’ na mídia!” (em alusão ao pleito de movimentos negros de desinvestir na polícia e direcionar recursos para programas sociais.)
Uma mulher de salto médio e bandana vermelha, branca e azul carregava uma placa dizendo “Parem o roubo” (em alusão à frase de Trump que cobrou a paralisação da contagem de votos por causa de acusações, sem prova, de fraude nas urnas).
Um homem dirigia seu caminhão para cima e para baixo na via em frente ao clube com várias bandeiras, incluindo uma representando o presidente em pé sobre um tanque, como se ele fosse o comandante do mundo. Ilustra como seus apoiadores o veem — e como Trump se viu nos últimos quatro anos.
Então finalmente ele saiu do clube e começou sua jornada para a Casa Branca.
Seus críticos, milhares deles, o aguardavam.
‘Você perde e todos nós ganhamos’
O comboio do presidente seguiu pela Virgínia. Eu e outros jornalistas estávamos em uma van que quase se envolveu em um acidente na Fairfax County Parkway. Sirenes soaram.
Quanto mais perto chegávamos da Casa Branca, maiores ficavam as multidões: as pessoas estavam lá para comemorar a derrota dele. Alguém ergueu um cartaz: “Você perde e todos nós ganhamos”. As pessoas buzinavam e zombavam.
Então, quando voltamos para a Casa Branca, o presidente entrou por uma porta lateral, uma entrada que os presidentes raramente usam. Seus ombros estavam caídos e sua cabeça voltada para baixo.
Ele elevou o olhar e viu a mim e a outros do grupo de imprensa e nos deu um sinal de positivo. Foi um gesto indiferente. Ele não ergueu a mão bem alto nem apertou o punho, como costuma fazer.
Seja na Casa Branca ou no clube de golfe, o presidente nunca vacilou: ele faz afirmações infundadas sobre fraudes eleitorais e insiste que sairá vitorioso.
Até agora ele não concedeu a vitória ao adversário, gesto tradicional na política americana. Mas familiares e aliados se dividem sobre a estratégia de não aceitar a derrota.
Segundo reportagem da CNN, a primeira-dama, Melania Trump, e o genro Jared Kushner defendem que ele conceda, mas dois dos filhos mais velhos, Eric e Donald Jr., discordam e apoiam a batalha judicial contra o resultado das urnas.