Semanas atrás, havia dois leitos vagos entre os 10 que o médico Jaques Sztajnbok supervisiona na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo (SP). A situação causou surpresa no médico. Segundo ele, desde o início da pandemia de covid-19 não houve um dia sequer em que sobraram vagas no local.
A redução de pacientes com o novo coronavírus também foi notada semanas atrás no pronto-socorro do instituto de infectologia. A busca por atendimentos relacionados à covid-19 havia caído.
Mas a situação voltou a preocupar recentemente os profissionais da unidade de saúde. Os pedidos de internações aumentaram, assim como a busca por atendimentos a suspeitas de infecções pelo coronavírus.
“Temos a impressão nítida de que a situação voltou a piorar”, diz Jaques, que hoje não tem mais vaga entre os 10 leitos de UTI que supervisiona.
Nos últimos dias, os números de atendimentos a pacientes com a covid-19 cresceram em hospitais particulares de São Paulo. O Hospital Sírio-Libanês, por exemplo, informou que atingiu 120 internações nos últimos dias, número ao qual havia chegado durante o ápice da pandemia.
Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que houve aumento na busca por atendimentos relacionados à covid-19 em diferentes hospitais privados de São Paulo nos últimos dias.
A atual situação nas unidades particulares da capital paulista remete ao que aconteceu em março, no início da pandemia. A rede privada foi a primeira a ficar sobrecarregada por pacientes infectados pelo coronavírus. Depois, toda a rede pública de saúde sofreu duramente com leitos escassos e diversas dificuldades estruturais diante da rápida propagação do vírus.
O Emílio Ribas foi o primeiro hospital da rede pública a ficar com a UTI lotada em São Paulo em decorrência da covid-19. Profissionais que trabalham na unidade, ouvidos pela BBC News Brasil, revelam que têm vivido o temor de que a situação volte a piorar.
“A minha impressão é de que é inevitável que os casos aumentem novamente. É muito nítido que a situação está ficando pior em São Paulo. O aumento recente no movimento do Emílio Ribas mostra isso”, diz Jaques à BBC News Brasil.
Apesar dos relatos de profissionais de saúde sobre o aumento no atendimento a pacientes com a covid-19, o governo de São Paulo nega que a situação da covid-19 esteja piorando no Estado.
A situação atual em SP
Uma reportagem publicada pelo jornal O Globo mostrou um levantamento da Info Tracker, ferramenta desenvolvida pela USP e Unesp para monitorar a pandemia, que apontou aumento de, aproximadamente, 50% no número de casos suspeitos de covid-19 entre 1º de agosto e 5 de novembro na Grande São Paulo e na capital paulista. Os números suspeitos passaram de 339,9 mil para 504,9 mil casos.
Até a quinta-feira (12/11), foram confirmados 1.156.652 casos de covid-19 e 40,2 mil mortes em São Paulo. A Secretaria de Saúde do Estado não divulga os casos suspeitos, somente os confirmados, sob o argumento de que segue norma estabelecida pelo Ministério da Saúde.
Nos últimos dias, São Paulo, assim como todo o país, registrou um “apagão” de dados relacionados à covid-19, em decorrência de um problema no sistema do Ministério da Saúde. A situação, que durou seis dias e foi contornada na quarta-feira (11/11), dificultou a inserção de óbitos pelos municípios brasileiros. Ainda não se sabe os impactos disso nos números recentes sobre o coronavírus.
Segundo o governo de São Paulo, não houve aumento de internações pela covid-19 nas últimas semanas no Estado. O coordenador do Centro de Contigência do Coronavírus em São Paulo, José Medina, afirmou que os números de internações em hospitais privados nas últimas quatro semanas foram estáveis e caíram em relação ao mês passado.
Os relatos de profissionais da saúde, porém, apontam que a atual situação no Estado é preocupante e pode piorar.
Recentemente, a infectologista Christina Gallafrio Novaes, do Hospital das Clínicas de São Paulo, enviou uma mensagem a seus amigos por WhatsApp pedindo que eles intensifiquem os cuidados para não se contaminarem com o novo coronavírus. Segundo o texto compartilhado pela médica, e divulgado pela Folha de São Paulo, “as infecções por covid têm aumentado na cidade de São Paulo entre as classes A e B nas últimas 3 semanas”.
Christina citou que vários hospitais particulares de São Paulo, como o Sírio-Libanês, Oswaldo Cruz e o 9 de julho, enfrentam aumento significativo de atendimentos.
“Espero que esse aumento não passe para a população menos favorecida, porque o HC já não tem condições de reservar novamente um instituto inteiro, como fez na primeira onda, para tratar covid, uma vez que está lotado agora com as internações por outras doenças que estavam represadas. Não teremos mais condições de ter, como antes, 500 leitos de UTI”, escreveu a infectologista.
O relato de Christina ilustra o temor dos médicos que acompanham casos de covid-19. No Emílio Ribas, no ápice da pandemia havia mais de 100 pacientes, de diferentes hospitais de São Paulo, à espera de uma vaga na UTI do local.
“Do fim de fevereiro até agosto ou setembro, praticamente todos os leitos do Emílio Ribas que estão sob a minha chefia eram destinados a pacientes com a covid”, diz Jaques. A princípio, havia 30 leitos de UTI no instituto de infectologia. Diante da alta demanda, o número dobrou.
“As solicitações, que chegaram a 104 para uma vaga de UTI, foram caindo com o passar dos meses. Diminuíram para 80, depois 60… até que não havia mais pedidos”, comenta Jaques. Ele conta que os pedidos de UTI diminuíram consideravelmente a partir do fim de agosto.
Novos casos
Apesar de continuar atendendo pacientes com a covid-19, a situação no Emílio Ribas parecia controlada. Isso porque os números da doença começaram a cair em São Paulo, assim como em diversas partes do país.
Há cerca de duas semanas, os médicos do instituto de infectologia acenderam o alerta, quando notaram o aumento de novos casos suspeitos de coronavírus.
“Os pedidos de transferências de outras unidades praticamente dobraram nos últimos 15 dias. O número de atendimento de covid-19 no pronto-socorro, que tinha reduzido bastante, praticamente dobrou e voltou a números pouco anteriores ao pico, que foi entre abril e maio”, relata a infectologista Marta Ramalho, do Emílio Ribas.
A infectologista Daniela Pellegrino, também do Emílio Ribas, afirma que os novos casos são, na maioria, pacientes mais jovens quando comparado a meses atrás, quando muitos eram idosos. “Atualmente são casos menos graves, mas muitos precisam de internação. Apesar disso, há menos admissão na UTI e menos óbitos (em comparação ao pico da pandemia)”, conta a médica.
O infectologista Sergio Cimerman, da diretoria técnica do Emílio Ribas, pondera que os números atuais do hospital não se comparam aos novos registros da rede privada de São Paulo. “A piora (no instituto de infectologia) atual não é expressiva como nos particulares”, diz.
Os riscos do aumento de casos
O Emílio Ribas tem 60 leitos de UTI. A reportagem apurou que, apesar de os 10 que estão sob responsabilidade de Jaques estarem lotados, há vagas na Unidade de Terapia Intensiva do local. A atual taxa de ocupação do hospital, que também conta com 64 leitos de enfermaria, não foi divulgada até a conclusão deste texto.
Nas últimas semanas, quando a situação dos casos de covid-19 parecia amenizada na unidade de saúde, o hospital passou a atender também pessoas com outras doenças em alguns dos leitos que desde o início da pandemia atendiam apenas pacientes com o coronavírus. “Estamos preocupados com isso, porque (se os casos de covid-19 piorarem) teremos de remodelar (a atual organização de leitos que atualmente estão disponíveis a diversas doenças)”, diz Jaques.
Segundo os médicos ouvidos pela reportagem, São Paulo e outros Estados brasileiros podem enfrentar aumento considerável de casos e mortes da covid-19 como tem acontecido atualmente com diversos países da Europa.
Sérgio Cimerman considera que ainda não é possível avaliar o atual avanço da pandemia em São Paulo. Ele afirma que é preciso esperar dias ou semanas para analisar o atual avanço do coronavírus. “Como o fluxo nos hospitais privados aumentou muito, muita gente testando positivo, é provável que isso se propague para as unidades públicas (do Estado) também”, aponta.
“É muito claro que a situação piorou e deve piorar”, declara Jaques Sztajnbok. Para ele, o aumento de casos da covid-19 em São Paulo é inevitável, porque houve relaxamento de medidas que podem prevenir a propagação do coronavírus.
“A adesão ao uso da máscara caiu, muitos não adotam o distanciamento social e há aglomerações. Por exemplo, muitas pessoas têm frequentado bares, restaurantes ou outros locais fechados que não seguem as normas sanitárias e agem como se não tivesse uma pandemia em curso”, acrescenta Jaques.
“Eu acho a atual situação preocupante! Não sei o que pode acontecer até a chegada de uma vacina”, lamenta a infectologista Daniela Pellegrino.