Seu trabalho integral é de “desprogramador de seitas”, como é conhecido pela imprensa.
Através de intervenções — ele já fez mais de 500 —, o americano ajuda pessoas a deixarem de seguir grupos perigosos.
“Na essência, todos esses grupos são muito parecidos: um líder totalitário que se torna foco de adoração; um processo de doutrinação que resulta em influências indevidas; e a exposição de pessoas ao risco, uma vez que o grupo de fato se torna destrutivo”, explica Ross à BBC.
Hoje com 60 anos de idade, ele convive há tempos com ameaças.
“Já fiquei sob proteção do FBI (polícia federal dos EUA) e do Departamento de Justiça, já fui perseguido por detetives particulares, processado judicialmente cinco vezes… Alguns grupos já até compraram meu lixo para obter informações sobre mim.”
Os problemas trazidos por estes grupos, diz Ross, são mais amplos do que parece.
‘Meu filho foi pego. Você pode ajudar?’
No último século, acontecimentos horríveis promovidos por seitas chegaram às manchetes.
Houve o famoso massacre de Jonestown, quando mais de 900 pessoas morreram por suicídios e assassinatos em uma comunidade fundada pelo líder cristão Jim Jones, no ano de 1978; os assassinatos perpetrados por seguidores da “Família Manson” em 1969; e os crimes de tráfico sexual da seita Nxivm, que levou seu líder a uma condenação de 120 anos de prisão.
Ross desempenhou um papel nesse julgamento, testemunhando e expondo as táticas do grupo em outubro do ano passado.
“Olhamos para essas seitas e pensamos: eles são muito doidos. Mas não percebemos que dentro desses grupos, tudo o que está fora está sendo submetido à manipulação”, disse Ross em entrevista ao programa de rádio da BBC Outlook.
Uma seita pode atingir o senso de realidade de uma pessoa e forçá-la a construir um novo, criando uma ruptura entre o que o grupo diz ser real e o que realmente é real.
Ross passou por isso em sua vida pessoal, quando tinha cerca de 30 anos de idade e foi visitar a avó em uma casa de repouso no Estado do Arizona. Ela lhe contou que uma enfermeira estava tentando levá-la para um controverso grupo religioso que visava a conversão de judeus.
“Fiquei muito chateado, senti que queria protegê-la. Procurei o diretor da casa de repouso, e uma investigação foi aberta. Descobriu-se que uma seita havia planejado secretamente que alguns de seus membros trabalhassem no asilo, com o objetivo de chegar aos idosos.”
Ele então passou a trabalhar em um programa para apoiar prisioneiros judeus, que também eram alvos de grupos religiosos extremistas ou de ódio.
No começo, ele dividia a rotina com o comércio de carros antigos em um ferro-velho. Depois, ele se tornou um “desprogramador” em tempo integral.
“Comecei a receber mensagens de famílias dizendo: ‘Olha, não sei o que fazer. Meu filho, minha filha está envolvida neste grupo. Você pode ajudar?’.”
“Ao lado de um psicólogo, passei a conversar com essas pessoas.”
“As famílias ficavam muito aliviadas, porque muitos desses grupos eram perigosos. Alguns deles abusavam de crianças, alguns eram violentos. Muitos levaram as pessoas ao sofrimento psicológico e ao afastamento da família.”
A técnica da ‘desprogramação’
Segundo Ross, sua técnica “sempre seguiu o mesmo processo básico, mas foi se tornando cada vez mais sofisticada”.
“Trata-se de voltar ao processo de recrutamento e examiná-lo: quais técnicas foram usadas para recrutar uma pessoa? Eles foram enganosos? Prenderam a vítima no grupo, de alguma forma?”
Para criar um sentimento de pertencimento exclusivo, seitas podem empregar da pressão coletiva à hipnose, além da privação de comida e do contato físico. Para descobrir estas estratégias, porém, é preciso que o “desprogramador” converse com a vítima por muitas horas.
Também ajuda pesquisar muito sobre a seita em questão e seus termos — para que Ross consiga conversar com seus seguidores na “mesma língua”.
A primeira intervenção costuma acontecer de surpresa, para evitar que a seita sabote o trabalho.
“A pessoa poderia ir até o grupo e contar: ‘Minha família quer conversar comigo sobre meu envolvimento neste grupo. O que vocês acham que devo fazer?’. O grupo diria: ‘Não vá.'”
Entretanto, Ross reconhece que a intervenção surpresa muitas vezes não leva a boas reações — e sim à raiva e à tristeza, com a pessoa sentindo-se “encurralada”.
“A família vai falar à pessoa de suas preocupações. Explicarei o motivo de estar ali. É um diálogo que normalmente dura dois ou três dias”, diz o “desprogramador”, que estima sua taxa de sucesso entre sete e 10.
“Ou seja, ao final da intervenção, cerca de 70% das pessoas dirão: ‘vou dar um tempo do grupo’.”
Ameaças de morte
Em meados dos anos 1980, o trabalho de Ross começou a ganhar espaço na imprensa.
Conforme isso aconteceu, ele se tornou também cada vez mais visado pelos mesmos grupos que tentava combater.
“Fui chamado, sabe, de Satanás… e palavras que não vou repetir. Existem grupos que realmente têm ressentimento e me odeiam.”
“Mas simplesmente percebi que o fato desses grupos não gostarem de mim era uma evidência de que estava tendo algum impacto. Eles estavam preocupados com a perda de seguidores, porque frequentemente a desprogramação teria um efeito cascata.”
A primeira ameaça de morte que o americano recebeu foi em 1988, quando denunciou na TV o líder de uma seita. Desde então, foram várias outras.
“Diria que não há um mês em que não receba alguma ameaça por e-mail, ou que o Departamento de Justiça não me envie um aviso sobre um grupo ter me colocado na sua lista de alvos.”
Ross também já recebeu duras críticas, como a de odiar as religiões ou de alguma forma tentar, com seu trabalho, restringir a liberdade religiosa.
Suas técnicas de desprogramação também já foram acusadas de modificar comportamentos de forma forçada, ou de serem uma “lavagem cerebral” em si mesmas.
Ross responde que só atua contra grupos que representem algum tipo de perigo para seus seguidores.
“Estou focado no comportamento, não na crença. As pessoas podem acreditar em todos os tipos de coisas com as quais não concordaria, mas se não fizerem mal, se não machucarem as crianças, se não tiverem um comportamento destrutivo, elas nunca estarão no meu radar.”
Desprogramações involuntárias
A principal polêmica em torno do trabalho de Ross diz respeito à desprogramação involuntária — quando a vítima não consente o processo, que pode envolver restrições físicas.
Isso é legalizado nos EUA para menores, sob supervisão dos pais ou responsáveis. Mas para adultos, a questão é mais complicada.
Dos mais de 500 casos que Ross já atendeu, ele diz que cerca de dez foram desprogramações involuntárias.
“(Nesses caso) A família decidiu que era a última alternativa para salvar alguém que amava. Podia ser uma escolha controversa no sentido de que não é certo forçar alguém contra sua vontade. Mas, dadas as opções, eles (parentes) viam isso como um mal menor. E estava disposto a trabalhar com eles.”
“Às vezes, era questão de vida ou morte. Por exemplo, tive um caso em que uma pessoa precisava tomar insulina, e o grupo dizia para ela parar.”
Sua última intervenção involuntária, e também a mais famosa, foi a de Jason Scott em 1991.
A mãe de Jason havia se envolvido e depois se desentendido com uma seita, desejando sair, junto com seus três filhos adolescentes.
“Ela estava terrivelmente angustiada. Um de seus filhos havia sido abusado sexualmente, o que a levou a querer deixar o grupo. E ela sabia que Jason estava prometido em um casamento arranjado com uma mulher do grupo.”
Ross foi contratado. Ele conseguiu desprogramar os dois filhos mais novos, mas Jason, com 18 anos, recusou. Ele lutou contra os seguranças que sua mãe havia contratado e acabou sendo levado à força para um esconderijo.
Lá, Ross conversou com o jovem e com outros membros da família por cerca de cinco dias. No final, Jason parecia ter mudado.
Mas não: ele fugiu, voltou à seita e denunciou Ross à polícia, que foi detido e acusado de executar uma prisão ilegal. Ele foi absolvido, mas o caso não parou aí.
Em 1995, Jason processou Ross, dizendo ter sido vítima de tratamento depreciativo, intimidação, violência e vigilância constante durante a intervenção.
A Justiça considerou Ross responsável por uma conspiração que privou Jason de seus direitos civis e liberdades religiosas. Foi determinado que ele pagasse mais de US$ 2 milhões em danos.
“Declarei falência. Foi um momento muito difícil da minha vida”, lembra o americano.
Mas em uma nova reviravolta, Jason acabou se reconciliando com seus irmãos e a mãe e fez um acordo com Ross, que agora precisaria pagar apenas US$ 5 mil, e não mais US$ 2 milhões. Jason pediu também ajuda para desprogramar a esposa, que ainda frequentava o grupo.
“Isso é o que costuma acontecer em uma reprogramação falha. A pessoa recebe muitas informações e pode não agir imediatamente, mas talvez o faça mais tarde. Jason basicamente deixou o grupo por muitos dos motivos que nós discutimos na intervenção.”
Este caso, entretanto, o fez questionar algumas de suas práticas.
“Independentemente das circunstâncias, decidi nunca mais fazer uma desprogramação involuntária em um adulto”, diz ele.
Alguns de seus casos mais bem-sucedidos, por sua vez, levaram a relações longas.
“Algumas pessoas mantêm contato, me enviam cartões de Natal, me convidam para casamentos. Agradeço muito. Uma mulher que ajudei a sair de um grupo que esterilizava seus membros, quando teve seu primeiro filho, me mandou uma foto do bebê.”