Por FERNANDA VALENTE | O TEMPO BRASÍLIA
A exigência do comprovante de vacinação ou de testagem negativa para a Covid-19 é uma medida em prol do bem-estar coletivo seja no ambiente de trabalho, como em locais voltados ao lazer, como cinemas, hotéis e restaurantes. A argumentação é da presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, em entrevista exclusiva ao jornal O TEMPO.
Segundo a ministra, o empregador tem autonomia para decidir se vai exigir o comprovante, mas também tem a obrigação de “proporcionar um ambiente de trabalho saudável e seguro”. Peduzzi explica que a empresa pode aplicar advertência, suspensão ou até demitir por justa causa se houver determinado a apresentação do documento e o empregado se recusar em justificativas. As alternativas são a apresentar o exame negativo ou justificativa baseada em atestado médico.
“A recusa injustificada é que, dependendo da situação concreta, pode estar sujeito a uma penalidade. É o bem estar da maioria que deve prevalecer. E repito: isso não apenas nos ambientes de trabalho e não apenas no Brasil. Estamos identificando no mundo exigências não só para entrar no avião, para desembarcar no país, para entrar no restaurante, entrar no hotel, conforme seja necessário, porque a situação não está ainda sob controle”, defende.
Na entrevista, a ministra fez um balanço de sua gestão à frente da Corte — o mandato se encerra em fevereiro, quando o ministro Emmanoel Pereira tomará posse para o biênio 2022-2024. Aos 69 anos, Peduzzi dedicou ao menos 20 anos ao TST, onde alçou ao cargo mais alto da carreira em 2020, sendo a primeira mulher a assumir a presidência da Corte. Assim que chegou teve o desafio de gerenciar o tribunal e fazer adequações frente à pandemia de Covid-19.
Peduzzi refletiu sobre os impactos da pandemia nas relações de trabalho. Embora defenda a importância do trabalho remoto e veja nele uma necessidade em decorrência da pandemia, a ministra afirma que ele não deve ser um padrão no serviço público. “O que não é adequado é ordinarizar. Ele [teletrabalho] foi muito necessário em um momento de crise, de necessidade de saúde pública, mas não vejo como ordinarizar o instituto.”
Além disso, a ministra falou sobre o vínculo empregatício entre as empresas de aplicativos e os entregadores, e explicou os direitos e garantias legais previstos aos trabalhadores autônomos.
Abordou ainda a reforma trabalhista e o recente movimento na Espanha em revogar trechos da lei: “Essas mudanças envolvem os governos. Se existe um governo com uma feição mais social, a tendência é ampliar os direitos sociais. Se existe um governo mais liberal, ele vai focar mais na economia. São alterações que se produzem, sem dúvida, de acordo com particularidades de natureza econômica, como na Europa, mas também política e social”.
A reportagem de O TEMPO conversou com a ministra e agora publica a íntegra da entrevista concedida por videoconferência.
O TEMPO: Vou começar a nossa conversa com foco nas mudanças no mundo do trabalho em decorrência da pandemia da Covid-19. Calhou de ser o mesmo período que a senhora assumiu a presidência do tribunal, então quais foram os principais desafios percebidos na Justiça do Trabalho? E que balanço faz de sua gestão?
PEDUZZI: O desafio não foi só da Justiça do Trabalho, foi de todo o Poder Judiciário, de todos os poderes da República e especialmente de todos os trabalhadores e todas as pessoas que enfrentaram essa situação. O [desafio] da Justiça do Trabalho foi continuar prestando à sociedade o serviço que lhe foi atribuído que é decidir os conflitos. Continuamos resolvendo os conflitos por meio da promoção da conciliação ou da mediação, inclusive pré-processual, ou da decisão judicial.
Nesse cenário de crise – que foi contemporâneo ao momento em que eu assumi a presidência do TST – exigiu realmente criatividade, dedicação, empenho e especialmente compatibilidade com o desenvolvimento tecnológico que possibilitou que mantivéssemos julgamentos virtuais […] não só por meio das sessões, mas das audiências telepresenciais, e continuássemos executando de forma remota o trabalho que devemos à sociedade.
Felizmente já tínhamos o processo judicial eletrônico implementado na Justiça do Trabalho, nós aperfeiçoamos essa implementação. Hoje tudo funciona por esse meio. Nós investimos ainda mais em tecnologia da informação. […] Além dos julgamentos por videoconferência, temos o balcão virtual de atendimento ao público e as secretarias funcionando por esse meio, temos provas digitais, enfim… desenvolvemos uma série de ferramentas para melhor prestar o nosso serviço.
O TEMPO: Então o balanço da sua gestão foi muito positivo.
PEDUZZI: Foi positivo porque conseguimos aumentar a nossa produtividade apesar do cenário de crise e por meio da implementação do trabalho remoto. Fizemos investimento em pessoal, fornecemos equipamentos para servidores que não possuíam isso em casa, e produzimos um ambiente de trabalho no âmbito doméstico similar – na medida do possível – ao presencial. Nosso grande reconhecimento foi a outorga, pelo Conselho Nacional de Justiça, ao Tribunal Superior do Trabalho do selo diamante de qualidade. São examinados vários vetores, como produtividade, ferramentas tecnológicas, transparência, atendimento ao público. Nós conseguimos nos dois anos consecutivos receber o selo diamante e isso é o nosso atestado de qualidade.
O TEMPO: Adentrando no tema da pandemia, uma questão que tem gerado discussões principalmente nos últimos meses é a exigência do comprovante de vacinação por parte da empresa. Essa obrigação de alguma forma compromete os direitos do funcionário?
PEDUZZI: Nós não temos uma lei que diga que é obrigatório apresentar o atestado. Não existindo nenhuma obrigação legal expressa nesse sentido, cada empresa tem autonomia […] para a exigência ou não. Está dentro do chamado poder diretivo do empregador fazer ou não essa exigência.
No Poder Judiciário há uma resolução do STF que nós seguimos no âmbito do TST. Editamos também uma resolução impondo esta obrigatoriedade da apresentação do certificado de vacinação ou de garantia equivalente, como apresentação do PCR com até 72 horas de antecedência, que pode ser renovado, ou uma justificativa para não tomar a vacina. Nesta [última] situação o empregado ficará em trabalho remoto ou, se não for possível, se estabelecerá uma condição especial para ele. Então há exceções devidamente justificadas por meio da apresentação de atestado médico.
Hoje a tendência tem sido a de adotar essa exigência [nos tribunais]. […] E por que? Nós temos a obrigação de preservar a saúde, não só dos magistrados, dos servidores e de todos os colaboradores e das pessoas que frequentam o tribunal. E assim se dá nos ambientes de trabalho, no cinema, lazer, viagens, hotéis e restaurantes. É uma medida adotada em nome do bem-estar coletivo, de uma obrigação geral que o empregador tem de proporcionar um ambiente de trabalho saudável e seguro.
O TEMPO: E o que pode acontecer com o funcionário que negar mostrar esse documento? O tribunal em algum momento já julgou isso?
PEDUZZI: A questão deve ser analisada considerando o caso concreto. Nós temos decisões de Tribunais Regionais do Trabalho. Uma do TRT de São Paulo que foi muito divulgada na mídia – que é até hoje paradigma – que tratou de uma empregada que era auxiliar de limpeza de um hospital infantil. Definiu-se naquela situação a obrigatoriedade de apresentação do atestado [de vacina] como legítima. E a negativa [em mostrar o documento] foi qualificada como justa causa para a rescisão do contrato considerando justamente essa particularidade. Se provou no processo que houve uma ampla campanha dos benefícios e necessidade da vacinação e o ambiente onde ela exercia o trabalho era sensível. […]
Nesses casos em que há disponibilidade, há um plano nacional de vacinação, ela é gratuita, não se caracteriza – segundo o Supremo Tribunal Federal – violação à liberdade e consciência. […] É possível aplicar uma penalidade de advertência, suspensão ou até uma [demissão por] justa causa se houver uma determinação pelo poder diretivo do empregador no sentido da apresentação e o empregado se recusar a fazê-lo.
Todo empregado que descumpre uma ordem geral ou específica, ou é um ato de indisciplina, insubordinação, está sujeito a essas penalidades. No caso do comprovante de vacinação, ele pode apresentar as alternativas de exame negativo ou uma justificativa baseada em atestado médico. A recusa injustificada é que, dependendo da situação concreta, pode estar sujeito a uma penalidade. É o bem estar da maioria que deve prevalecer. E repito: isso não apenas nos ambientes de trabalho e não apenas no Brasil. Nós estamos identificando no mundo exigências não só para entrar no avião, para desembarcar no país, para entrar no restaurante, entrar no hotel, conforme seja necessário, porque a situação não está ainda sob controle.
O TEMPO: Ainda nesse tema, se fala muito sobre a precarização do trabalho com novas plataformas, com as empresas de aplicativo, em especial agora na pandemia. Há alguma previsão de quando o Tribunal vai julgar casos de vínculo de trabalho entre as plataformas e esses trabalhadores de forma definitiva? Gostaria que a senhora falasse sobre isso, porque até então há entendimentos distintos nas turmas do TST. Ou há uma previsão de que isso será resolvido caso a caso?
PEDUZZI: O fato social, da vida, é incontrolável. Nós hoje não podemos barrar a tecnologia. Se um país disser ‘aqui a tecnologia não é realidade e nós não vamos nos adaptar a essas novas formas de trabalho’, ele ficará não só socialmente excluído, mas sobretudo do ambiente econômico. O avanço tecnológico e a necessidade de que se acompanhe isso em todos os países é uma realidade. E essa realidade hoje se traduz por meio das contratações das plataformas digitais. […] Imagina que antes você ligava para uma pizzaria que ficava próxima da sua casa para encomendar uma pizza. Hoje há o IFood. E independe de onde está para que a entrega seja feita num prazo mínimo porque os algoritmos vão localizar o local do cliente com aquele que vai fazer a entrega, com aquele que vai produzir o alimento. […]
A cibernética realmente mudou as práticas da vida. Você entra numa plataforma e contrata os serviços mais diversos, inclusive aqueles que eram realizados por meio de uma relação de emprego tradicional, por essa nova modalidade que chama ‘crowdworking’, ‘crowdsourcing’. São pessoas inominadas que são arregimentadas ali para prestar determinados serviços por meio presencial ou por meio da internet. Isso produz necessidade de novas regulamentações. Nós temos projetos de lei que visam disciplinar essas novas relações.
O que tem prevalecido hoje? A negociação coletiva disciplinando essas condições novas de trabalho que não são tradicionalmente operadas e regidas pela CLT ou pelo vínculo tradicional de emprego. Sempre digo que a grande preocupação hoje é garantir a essas categorias de trabalhadores um patamar civilizatório mínimo que garanta e que preserve a dignidade do ser humano. Esses trabalhadores têm que ter proteção previdenciária durante e após a extinção do vínculo, eles têm que ter proteção à saúde, tem que ter proteção para trabalhar numa jornada regular que lhe permita descansar e lhe garante a saúde. […]
Hoje o trabalho autônomo foi trazido para o bojo da CLT e ele importa em obrigações previdenciárias sem dúvidas. Mas há outras que precisam ser estabelecidas, quer por meio do contrato coletivo, quer por meio do contrato individual, como horário de prestação de serviço, limites para que jornadas não sejam extenuantes e que não coloquem em risco a saúde, não só do trabalhador, mas daqueles que estão operando no meio que ele está convivendo. A Justiça do Trabalho tem como meta e finalidade resolver esses conflitos. Então, ainda que não exista uma lei específica, ela deve resolver o conflito.
Sobre vínculo de emprego, existe ou não existe. Nós temos hoje no TST decisões da 5ª Turma e da 4ª Turma negando o vínculo de emprego, admitindo um vínculo de trabalho autônomo, mas que não é o de emprego regido pela CLT. Mais recentemente um julgamento teve início e se encaminha na 3ª Turma, com dois votos proferidos no sentido da afirmação do vínculo de emprego. Houve pedido de vista. Nós temos até um processo que foi colocado para julgamento na nossa seção uniformizadora, mas que foi retirado de pauta no final do ano passado. Não chegou a ser julgado ainda, mas em breve será retomado na pauta. Nós vamos nos manifestar sobre essa questão, que é de grande complexidade exatamente porque a tecnologia e a contratação por meio de plataformas é uma realidade do mundo. Nós precisamos estar sempre evoluindo e compreendendo que novas disciplinas normativas sucessivamente são adotadas.
O TEMPO: O ideal seria fazer uma lei nova para trazer as questões de inteligência artificial, por exemplo, coisas que não foram abarcadas na reforma passada ou vai realmente ter que depender do caso a caso e o tribunal vai ter que julgar isso e pronto?
PEDUZZI: As contratações que ocorrem por meio das plataformas digitais com a participação dos algoritmos, não temos uma lei que diga que produz ou não um vínculo de emprego. Seria muito difícil uma lei que dissesse genericamente que existe ou não vínculo exatamente porque tem examinar o caso concreto.
Se eu contrato uma pessoa não em razão da sua pessoalidade, mas em razão de uma especialidade que existe, por exemplo, se precisa em pessoas que atuam com computadores, que construam softwares.. posso fazê-lo por meio de uma convocação pública. É muito difícil dizer que há ou não o vínculo de emprego.
No caso dos motoristas que houve um crescimento geométrico desses mecanismos de prestar trabalho também considero que não é fácil editar uma lei dizendo que sempre haverá vínculo de emprego ou não haverá vínculo de emprego. As situações de cada país podem ser diversas. Uma plataforma pode ter uma negociação coletiva de forma abrangente. Negociação coletiva não precisa ser só entre categorias que envolve empregado e empregador, você pode estabelecer condições amplas de trabalho autônomo, mas que disciplinam garantias efetivas. A garantia não é só decorrente da relação de emprego, pode ter relação de trabalho. […]
Não foi sem causa que a nossa reforma trabalhista de 2017 teve como foco principal a valorização da negociação coletiva. É um instrumento muito importante nesse contexto para disciplinar até que se amadureça os institutos e que uma lei seja produzida, mesmo que não seja genérica, mas que estabeleça e analise aquelas condições que vão fomentar a edição legislativa que pode dispor sobre responsabilidade civil.
Se houver a prática de um ato ilícito que produz um dano, houver nexo de causalidade, e houver culpa do autor dessa prática, haverá responsabilização. Essa responsabilidade independe de vínculo de emprego. São questões bem complexas e temos um terreno bem fértil para que o Poder Legislativo se debruce na edição de normas que venham disciplinar esses fatos sociais.
O TEMPO: O presidente sancionou nesta semana uma lei que prevê proteções básicas para o trabalhador das empresas de aplicativo. Falando do que se passou, as pessoas que foram expostas ao contágio, sem que as plataformas tenham dado o suporte num primeiro momento, podem pedir indenização e as plataformas podem vir a ser responsabilizadas?
PEDUZZI: Fora o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade, se for comprovado que houve culpa – que é a forma de identificar a responsabilidade – do agente, no caso do empregador, ou daquele que contratou o trabalho, ele responderá civilmente não só por danos materiais como por danos morais que possam decorrer da prática daquele ato ilícito.
No campo do Direito do Trabalho o que é possível de ocorrer: tivemos a prática do trabalho retomo nesse período de pandemia e hoje já estamos retomando o presencial, mas na época do teletrabalho, como que você vai identificar se o empregador é ou não responsável se você adquiriu Covid-19 e deixou uma sequela capaz de gerar uma reparação por danos morais ou materiais? É muito difícil. Na sua casa há uma liberdade que não há no ambiente de trabalho. O empregador não tem o controle efetivo sobre o que ocorre na residência do funcionário ou se recebeu uma pessoa contaminada. Por isso que a prova da culpa por quem alega e invoca a responsabilidade civil de outrem, é uma necessidade.
Só haverá responsabilização civil do empregador em relação aquele empregado que está trabalhando de modo remoto na sua residência ou em outro local se o empregado comprovar que o empregador agiu com culpa… que lhe fez alguma exigência de ingressar em um ambiente onde havia contaminação, mas não é fácil. Exatamente por isso a lei tem que ser sobretudo justa, para ser justa é necessário que se prove que ele [empregador] agiu com culpa. Se provar que ele participou para a ocorrência do evento danoso, ele vai responder. Se não houver essa prova, ele não vai responder. Porque o empregado pode ter frequentado um lugar onde se produziu o contágio e o empregador não tem nada a ver com isso. Por isso a obrigatoriedade da prova da culpa.
O TEMPO: Agora falando de futuro, a sra disse recentemente que o teletrabalho foi uma necessidade imposta pela pandemia. Em sua opinião, isso tende a ser mantido? E o que precisa ser melhorado?
PEDUZZI: O teletrabalho é uma realidade. A Reforma Trabalhista de 2017 disciplinou de uma forma muito minudente o teletrabalho, só que ele era pouco implementado. Em geral, era implementado em situações que convinha mais ao empregado do que ao empregador. Hoje o empregador descobriu também uma série de vantagens no teletrabalho. Só o período de transporte do empregado, o trajeto de ida e volta para para o trabalho – que é responsável por mais de 20% dos acidentes de trabalho – deixou de existir esse risco. Então, custos de aluguel, de espaços que podem ser menores. Hoje o teletrabalho, sem dúvidas, não digo que vai permanecer como nos tempos da pandemia, mas ele será bem mais utilizado do que período pretérito porque convém a ambos. […] Me parece que é indevido dizer que é obrigatório. Ninguém pode impor o teletrabalho para outrem. Nem o empregador para o empregado, nem o empregado para o empregador. Se for conveniente para ambas as partes, ele provavelmente vai permanecer em um percentual bem maior do que antes de fazia. […] Nós já temos uma disciplina normativa que autoriza essa continuidade.
O TEMPO: No serviço público isso também vai ser mantido?
PEDUZZI: Já tínhamos uma resolução no TST para situações em que havia necessidade. Situações em que a lei determinava, como no caso para acompanhar cônjuge que tem um trabalho no organismo internacional, situações excepcionais, como fazer um doutoramento que interessa às duas partes, um mestrado, um curso… situações que havia uma justificativa. Penso que não devemos ordinarizar.
No tribunal nós cumprimos a resolução que é anterior a pandemia. Em situações onde se justifica ou quando se trata de uma situação que convém à administração, então se autoriza o trabalho remoto. Vai depender da própria chefia em que o requerimento é feito, mas é uma exceção. Nós não vamos ordinarizar porque, superada a dificuldade, nada substitui o trabalho presencial. Ele [remoto] poderá continuar em situações em que o empregado justificar necessidade hoje por uma questão de atestado médico, previsto pelo serviço médico do tribunal, ou por uma situação de obrigatoriedade de afastamento. […]
O que não é adequado é ordinarizar, pretender que continue sendo o padrão. Não. Ele [trabalho remoto] foi muito necessário em um momento de crise, de necessidade de saúde pública, mas não vejo como ordinarizar o instituto.
O TEMPO: A Espanha começou o ano já com revogações na lei trabalhista por uma série de fatores que foram analisados na realidade local. Quais os erros e os acertos podem ser observados e adequados à realidade brasileira? Porque muito se critica a Reforma Trabalhista de 2017 e queria entender qual é o seu posicionamento.
PEDUZZI: Verifiquei que isso foi executado até como uma forma de a Espanha receber um aporte de ajuda financeira da União Europeia para recuperar-se de uma crise que resultou da pandemia e do período em que o país teve dificuldades para manter a economia funcionando. Então o país foi incentivado a alterar em alguns aspectos a legislação trabalhista – em 2021 se alterou o que se fez em 2012, na Espanha. […]
O ponto principal me pareceu justamente a limitação da celebração de contratos temporários, como contratos por hora certa, contratos sazonais como os de safra, e o objetivo era estimular a celebração de contratos por prazo indeterminado. Aqui no Brasil a regra base também é o contrato com prazo indeterminado, exceto naquelas situações justificadas pela pré-determinação do período. Me parece que isso não teve um objetivo exclusivamente trabalhista, mas sim de fortalecer o mercado de trabalho espanhol. […] Se você tem o contrato por prazo indeterminado, em vigor você consome mais porque pode adquirir produtos, participa mais do mercado de trabalho por saber que daqui há um ano vai estar recebendo o seu salário. Se você tem um contrato por três meses, você vai economizar. Não se sabe como será o quarto mês. É um mecanismo que envolve esse perfil não só trabalho, mas que envolve mercado, consumo, e economia.
O outro ponto que também foi alterado na Espanha diz com a ultratividade das cláusulas coletivamente ajustadas. Se sustentou que às vezes as negociações eram demoradas para renovar acordos coletivos de trabalho e que, vencido o período, os empregadores suprimiam benefícios que já não estariam mais em vigor, então se estabeleceu a ultratividade. Aqui não temos a ultratividade, mas são situações diversas porque o sistema sindical na Espanha é diferente do nosso. Lá há o princípio do pluralismo sindical, aqui temos a unicidade. São situações peculiares que eu não diria que são capazes de justificar [o movimento de] ‘ocorreu lá, ocorrerá aqui também’.
Outro aspecto de relevo no caso Espanhol é a prevalência do acordo setorial que fixa a remuneração de trabalhadores terceirizados sobre os acordos particulares. O objetivo foi garantir uma remuneração igual para trabalhadores que exercem suas atividades independente de ser fixo ou terceirizado. Isso significa princípio da isonomia. […]
Essas mudanças envolvem os governos. Se existe um governo com uma feição mais social, a tendência é ampliar os direitos sociais. Se existe um governo mais liberal, ele vai focar mais na economia. São alterações que se produzem, sem dúvida, de acordo com particularidades de natureza econômica, como na Europa, mas também política e social.
O TEMPO: No Brasil é realmente aguardar para ver os próximos capítulos?
PEDUZZI: Visualizo no Brasil que a Reforma disciplinou fatos que vinham ocorrendo, o teletrabalho é o maior exemplo. […] Trouxe para a formalidade disciplinando trabalhadores que estavam na informalidade, que são os contratos do trabalho intermitente, do trabalho em tempo parcial. Sobretudo o grande foco da nossa reforma foi a valorização na negociação coletiva para promover segurança jurídica. […] O que a Justiça do Trabalho pode avaliar são os requisitos formais, mas o conteúdo da negociação coletiva é soberano. Os sindicatos é que são soberanos em fixar para as categorias profissional e econômica as condições que lhe parecerem adequadas. Isso é o que foi o principal, então não vejo nenhuma incompatibilidade com essas reformas que estão sendo produzidas na Espanha.
O TEMPO: Uma última pergunta com relação a negociação coletiva… Ela foi disciplinada na Reforma, mas foi judicializada e estamos no aguardo de uma definição sobre o alcance dela por parte do Supremo Tribunal Federal. O quanto essa judicialização é problemática para o país?
PEDUZZI: O STF já se manifestou na questão da valorização da negociação coletiva, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. […] O Tema 1046 é muito importante porque vai estabelecer se há ou não limites para a negociação. […] Esse julgamento já teve início, ele deve prosseguir e será muito importante para que a segurança jurídica seja plena e que as partes possam continuar negociando sem o temor de amanhã ter uma declaração de inconstitucionalidade de conteúdo de uma cláusula.