Posse no STJ: tensão entre Bolsonaro e Moraes, momentos constrangedores e gafes

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A cerimônia de posse de Maria Thereza de Assis Moura e Og Fernandes na presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi marcada por um clima de tensão por conta da presença de Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes, que se sentaram frente a frente, e por gafes e momentos considerados constrangedores por autoridades que estiveram no plenário da Corte Especial do tribunal nesta quinta-feira (25).

Os olhos do público presente e dos jornalistas que acompanhavam a cerimônia no tribunal estavam voltados para dois convidados: o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Diferentemente de quando estiveram juntos na semana passada na posse do ministro na presidência do TSE, o encontro desta vez foi marcado por apreensão.

Isso porque aconteceu dois dias após Moraes ter autorizado, a pedido da Polícia Federal, o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra empresários que discutiram em um grupo de mensagens no celular a preferência por um golpe de Estado no lugar de uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas de intenção de voto.

Bolsonaro criticou a operação pela primeira vez nesta quarta-feira. Em um evento realizado na cidade de Betim, em Minas Gerais, o presidente afirmou que os signatários da Carta pela Democracia – que contou com o apoio de mais de um milhão de pessoas – deveriam se manifestar sobre o caso. “Cadê a turminha da carta pela democracia?”, questionou.

Nesta quinta, em transmissão em suas redes sociais após a posse no STJ, Bolsonaro voltou a criticar Moraes e a cobrar que o ministro apresente a fundamentação de sua decisão para autorizar a operação “o mais rápido possível”. Subindo o tom, sem citar Moraes nominalmente, o presidente disse ainda que, em sua avaliação, “não falta mais nada para que realmente possamos ter um problema grave no Brasil provocado por uma pessoa”.

Na cerimônia, Bolsonaro estava sentado na mesa de honra, entre a ministra Maria Thereza e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso Nacional. Do outro lado de Maria Thereza, estavam o presidente do STF, ministro Luiz Fux, e a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo. Na primeira fileira, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli – que logo depois deixou o evento –, Rosa Weber e Nunes Marques. André Mendonça se sentava em outra fileira.

Na mesma área em que estavam os ministros do STF, também estavam ministros do governo federal, como Victor Godoy, da Educação, Wagner Rosário, da CGU, Paulo Guedes, da Economia, e Bruno Bianco, da AGU. O ministro Anderson Torres, da Justiça e Segurança Pública, também estava presente e cumprimentou Moraes assim que o presidente do TSE chegou. Torres já criticou decisões do ministro no passado.

O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, também estava lá. No centro da crise entre o TSE e as Forças Armadas por conta de sugestões para melhorias no processo eleitoral, o general conversou brevemente com Dias Toffoli antes do início da cerimônia.

Moraes e Bolsonaro estavam frente a frente. Sentado na primeira fileira, o ministro, no entanto, passou a maior parte da cerimônia, que durou aproximadamente duas horas, mexendo no celular. Além de usar o aparelho para trocar mensagens durante a solenidade, o ministro também, pelo celular, despachava assuntos urgentes do TSE.

Foi dali, sentado na primeira cadeira, que Moraes rejeitou um pedido do candidato à Presidência da República Pablo Marçal (Pros) para que seu partido fosse proibido de declarar apoio a qualquer outra sigla ou candidato concorrente até que houvesse uma decisão definitiva sobre seu registro.

O ministro deixou o celular de lado quando foi citado nominalmente por Maria Thereza em seu discurso de posse. Antes de dizer que o Judiciário forte é essencial para a existência do Estado Democrático de Direito, a nova presidente do STJ mencionou as autoridades presentes no evento.

Quando registrou a presença do presidente do TSE, foi sucedida por aplausos da maioria das pessoas que estava no tribunal. Moraes foi a única autoridade da lista de Maria Thereza a ser ovacionada. E o presidente Jair Bolsonaro o único a não aplaudir Moraes, que recebeu uma salva de palmas por dez segundos.

A cerimônia também era aguardada porque contaria com a presença do procurador-geral da República, Augusto Aras, que, nesta semana, criticou a decisão de Alexandre de Moraes. De acordo com ele, o ministro não ouviu a PGR com antecedência sobre a realização da operação.

Ao longo do dia, havia a expectativa da ida de Aras ao evento e da possibilidade de haver constrangimento por conta da presença dele e de Moraes no mesmo local. Horas antes, interlocutores do procurador-geral rechaçaram um eventual climão por parte de Aras. Mas uma dor no ombro, que se intensificou ao longo do dia, impediu o procurador-geral de comparecer ao evento.

Aras foi representado por sua vice, Lindôra Araújo. Ao dar início a discurso na cerimônia, a número dois da PGR cumprimentou nominalmente Luiz Fux e fez questão de expressar seu “cumprimento especial” aos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Esqueceu-se de reverenciar os demais ministros presentes. Alertada por Fux, que estava a seu lado, sobre a presença de outros ministros, Lindôra estendeu os cumprimentos a Nunes Marques e a André Mendonça.

Mas não cumprimentou Moraes, que estava sentado a sua frente. A saudação veio somente dez minutos depois, ao final de seu discurso, após ser avisada por uma autoridade. “Eu também agradeço muito a presença do ministro Alexandre de Moraes, que não estava do lado de lá, mas estava do lado de cá”, justificou, fazendo referência à posição em que o ministro estava sentado.

A vice-procuradora com frequência crítica a atuação de Moraes na condução de inquéritos que tramitam no STF. Uma dessas críticas foi feita meses atrás, após o ministro não acatar, como é praxe, um pedido de arquivamento feito por Lindôra de uma investigação contra Bolsonaro por divulgação de inquérito sigiloso da PF. Moraes abriu prazo para que a PF desse prosseguimento às investigações para embasar uma nova decisão da vice-procuradora.

Lindôra recorreu. Foi dura em seu despacho. Afirmou que a ordem de Moraes foi ilegal e que decisão parece ter abdicado do seu papel imparcial e equidistante para fazer valer o seu entendimento quanto ao que a PGR disse. E que o que ministro fez, ao não ouvir a PGR e dar prosseguimento às diligências, foi persecução penal especulativa indiscriminada.

O episódio azedou o clima entre eles. Nesta semana, assim como Aras, Lindôra disse não ter sido avisada da operação autorizada por Moraes e pediu ao ministro acesso aos documentos do processo.

O fato de a vice-procuradora-geral não ter mencionado Moraes em seus cumprimentos não foi o único momento considerado constrangedor por algumas das autoridades que lá estavam. A certa altura de seu discurso em homenagem a Maria Thereza, Lindôra disse que a nova presidente merece tudo o que lhe foi dito pelo ministro Herman Benjamin, convidado a falar em nome dos demais ministros sobre a nova comandante do STJ.

Mas Lindôra engatou: “Ela [Maria Thereza] é paulistana, gente. Ela é paulistana. Vai exigir um pouquinho mais de trabalho da gente”. Há quem diga que a vice-procuradora quis dizer com isso que a ministra é workaholic. Surpresa, Maria Thereza reagiu: “Por quê?” A vice-procuradora, sem saber como responder, afirmou: “Dizem que sim, né? Não sei é verdade”.

Em uma tentativa de aliviar o clima, o presidente Jair Bolsonaro disse baixo, mas em um volume suficiente para os microfones captarem: “E palmeirense [além de paulistana]”. “Não, palmeirense, não!”, retrucou Lindôra, ao que Maria Thereza respondeu orgulhosamente com um sim. “Nossa, nisso eu não estou de acordo”, finalizou Lindôra, em tom de brincadeira que não foi acompanhado pelos demais.

Na cerimônia que apenas marcaria a troca na gestão do STJ e que acabou sendo palco para gafes, momentos de apreensão e de constrangimento nem mesmo o pianista escalado para tocar o Hino Nacional escapou do olhar e dos ouvidos críticos das autoridades que estavam por lá.

Desembargadores, conselheiros de órgãos ligados ao Judiciário e ao Ministério Público e advogados comentavam ao final da execução do Hino que não era possível reconhecê-lo.