Juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia emitiram nesta sexta-feira (17) mandados de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, e para a Comissária para os Direitos da Criança da Rússia, Alekseyevna Lvova-Belova, por crimes de guerra em áreas ocupadas na Ucrânia.
A Câmara de Pré-Julgamento II do TPI considerou que os dois acusados são responsáveis pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia, segundo comunicado do TPI.
“O Sr. Vladimir Vladimirovich Putin, nascido em 7 de outubro de 1952, Presidente da Federação Russa, é alegadamente responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de população (crianças) e de transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa”, diz a nota.
O próprio Kremlin já admitiu o envio dos jovens ucranianos à Rússia, mas alega tratar-se de órfãos.
O procurador-chefe do TPI, Karim Khan, disse que centenas de crianças ucranianas foram levadas de orfanatos para a Rússia. “Muitas dessas crianças, alegamos, já foram entregues para adoção na Federação Russa”, disse ele.
Reações
A Rússia chamou a decisão de “sem sentido”.
O conselheiro de Segurança do país e ex-presidente russo, Dmitry Medvedev, ironizou a decisão. Em uma publicação no Twitter, disse: “O Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra Vladimir Putin. Não é preciso explicar onde esse papel será usado”, escreveu Medvedev, que, ao lado da frase, colocou um emoji com o desenho de um rolo de papel higiênico.
O Ministério de Relações Exteriores russo replicou a mensagem de Medvedev – que desde o início da guerra adotou a postura de lançar ameaças contra o Ocidente e frases polêmicas.
Já Kiev celebrou a decisão. “É apenas o começo”, declarou o chefe de gabinete da presidência, Andrii Yermak. O procurador-geral da Ucrânia, Andriy Kostin, disse que a medida é “histórica para a Ucrânia e todo o sistema de direito internacional”.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que o mandado de prisão “é apenas o começo no caminho de responsabilizar a Rússia pelos crimes e atrocidades na Ucrânia”.
Rússia não reconhece Tribunal
Na terça-feira (13), antes da publicação dos mandados, a Rússia já havia alertado que não reconhece o TPI em Haia. Isso porque uma reportagem do jornal “The New York Times” do mesmo dia afirmou que o Tribunal de Haia estudava abrir processos contra Putin por crimes de guerra, entre eles o de sequestro de menores.
“Não reconhecemos este tribunal e não reconhecemos a jurisdição do tribunal. É assim que nos sentimos sobre isso”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, quando questionado sobre como o governo russo via potenciais ordens do órgão internacional em relação à guerra na Ucrânia.
Segundo o mestre em relações internacionais pelas Universidades de Estrasburgo, na França, e Groningen, na Holanda, Uriã Fancelli, “esse sistema internacional de Justiça tem algumas fragilidades, porque não existe, por exemplo, uma organização ou polícia com poder de força para entrar na Rússia e prender o Putin. Um desafio é o fato de a Rússia não ser signatária do Tribunal Penal Internacional.”
O Tribunal Penal Internacional, criado com base no Estatuto de Roma de 1998, não faz parte das Nações Unidas e se reporta aos países que ratificaram (ou seja, adotaram internamente como lei) esse documento. Entre os países que não são membros do estatuto do tribunal estão a Rússia (que assinou, mas não ratificou o documento), os Estados Unidos (que assinou o estatuto, mas retirou a assinatura posteriormente) e a China (não assinou).
Em novembro de 2016, Putin assinou uma ordem dizendo que a Rússia não planeja se tornar membro do TPI. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores russo, o tribunal não conseguiu se tornar um órgão de justiça internacional verdadeiramente independente e confiável, informa a agência Tass.
Outra acusada
O TPI também emitiu um mandado de prisão para a Maria Alekseyevna Lvova-Belova, Comissária para os Direitos da Criança do Escritório da Presidência da Federação Russa. Ela é acusada dos mesmos crimes de Putin.
“Existem motivos razoáveis para crer que Lvova-Belova tem responsabilidade penal individual pelos crimes referidos, seja por ter cometido os atos diretamente, em conjunto com terceiros ou através de outros”, diz a nota.
Segundo a Câmara de Pré-Julgamento II, esse tipo de mandado de prisão costuma ser secreto, mas nesse caso foi divulgado para sensibilização do público aos crimes cometidos, principalmente porque é um crime que ainda está em andamento.
Um ano de guerra
A guerra da Ucrânia completou um ano no fim de fevereiro, com a perspectiva de seguir se arrastando ao longo de 2023 e ameaças de Moscou de uma retomada de territórios. O governo russo também tem dado indícios de uma possível parceria com a China. Nesta sexta-feira (17), o Kremlin anunciou um encontro entre os presidentes dos dois países, Xi Jinping e Vladimir Putin, na semana que vem em Moscou.