Gigantes da economia vão ao STF contra limite de terras a estrangeiros

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Representantes da indústria, da mineração e do agronegócio foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para se manifestar contra restrições impostas a empresas nacionais com capital estrangeiro para a aquisição de terras no Brasil. Entidades desses setores afirmam que essas limitações afetam a competitividade e o desenvolvimento do país, além de gerar um cenário de insegurança para negócios que afugenta investidores internacionais.

Além de ser objeto de reclamação de gigantes da economia no STF, em ações que aguardam julgamento mas que já tiveram o poder de suspender todos os processos relacionados à aquisição de terras por estrangeiros no país, o tema tem sido usado como munição em grandes guerras empresariais envolvendo companhias brasileiras como a J&F e a Odebrecht e corporações e fundos de investimentos estrangeiros.

Empresas que tenham a maior parte do seu capital estrangeiro também devem seguir essas mesmas regras. Uma regulamentação dessa lei feita nos anos 1990 prevê que aquisições que ultrapassem esses limites sejam submetidas à aprovação do Congresso Nacional. A controvérsia está justamente na manutenção da restrição para as empresas.

O que está em debate no STF é se a aplicação dessa regra a empresas foi ou não recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Uma ação da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do governo federal, pede a anulação de um parecer da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que liberou cartórios de aplicarem a norma da lei de 1971.

Em outra ação, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) pede ao STF que consolide o entendimento segundo o qual a restrição não possa ser aplicada a empresas nacionais com capital estrangeiro majoritário. A ação foi motivada por um parecer do ex-advogado-geral da União, Luís Adams, que manteve o entendimento do governo de que a norma da década de 1970 ainda vale.

Esse parecer foi endossado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu segundo mandato, em 2010, e é vinculante, ou seja, norteia o entendimento de toda a administração pública federal, o que inclui o Incra, órgão responsável pela fiscalização de propriedades rurais.

A entidade ruralista afirma que o dispositivo viola a Constituição porque ela só permite a discriminação positiva, ou seja, permite que os empresários nacionais recebam incentivos e benefícios para terem competitividade com estrangeiros, mas não que haja mecanismos legais que cerceiem os negócios de estrangeiros no Brasil.

A SRB afirmou, nos autos, que muitas das empresas nacionais associadas a ela se viram “prejudicadas” por não poderem ampliar seus negócios ou dar continuidade às atividades que demandam expansão em razão da limitação das terras. Os ruralistas afirmam ainda que as restrições interferem na renda dos produtores, inclusive os de pequeno e médio porte, porque muitas vezes eles têm sua produção atrelada à “viabilidade da agroindústria”.

Eles alegam também que o mecanismo dificulta o financiamento da atividade agropecuária e diminui “a liquidez dos ativos imobiliários, com perda de valor para as empresas agrárias, cujos valores poderão ser destinados para outros países, em detrimento do desenvolvimento nacional”.

Mineração e indústria apoiam ruralistas

A ação da SRB foi movida em 2015 e tem recebido o reforço de entidades da indústria e da mineração. Em julho de 2023, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) entrou com pedido de amicus curiae — do latim, amigo da causa — para reforçar o pedido do agronegócio contra a restrição de terras para capital estrangeiro.

Os industriais afirmam que o regime diferenciado entre empresas brasileiras, com e sem capital estrangeiro majoritário, “afeta a competitividade da indústria nacional, pois torna menos atraente o investimento estrangeiro no Brasil, aumentando a probabilidade de que os investimentos sejam destinados para outros países, em detrimento do próprio desenvolvimento nacional”.

“Infelizmente esta já é uma realidade e se tem conhecimento de empresas brasileiras com capital estrangeiro que se veem obrigadas a investir em outros países justamente em decorrência desta limitação de adquirir imóveis no Brasil”, afirma a Fiemg, ao dizer que a regra tem provocado insegurança jurídica no mundo dos negócios.

No caso das mineradoras, a legislação não impõe restrições à atuação de estrangeiros no país e o solo é explorado a partir de concessões às empresas. Na prática, a terra continua sendo um bem da União. O problema para essas empresas é que a atividade delas, não raro, envolve a aquisição de imóveis dos quais é necessária a retirada de pessoas e reassentamento.

O Instituto Brasileiro da Mineração (Ibram), presidido pelo ex-ministro Raul Jungmann (Segurança Pública e Defesa), afirma que, além disso, também há dificuldades de implementação de medidas de compensação ambiental quando se faz necessária a supressão de vegetação.

Nesses casos, segundo o Ibram, a compensação é feita por meio da compra e doação ao Estado. “Alguns cartórios de registro de imóveis levantam restrições à efetivação da aquisição, dificultando o cumprimento dos condicionantes ambientais previstos no licenciamento ambiental”, diz o Ibram. O instituto relata ao STF que mineradoras têm enfrentado dificuldades com o Incra para a aquisição desses imóveis.

Ministro do STF chegou a suspender negócios

Em abril de 2023, o ministro do STF André Mendonça suspendeu todos os processos no país que tratam de compra de terras por estrangeiros, acolhendo um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mendonça disse que o pleito da entidade indicava “um cenário de grave insegurança jurídica, o que justifica a suspensão nacional dos processos”.

A liminar foi derrubada pelo plenário do STF, em maio. O placar foi apertado: 5 a 5. Diante da ausência de um ministro, com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski, ficou rejeitado o pedido, como manda o regimento interno do STF nessas situações. O mérito das ações, contudo, ainda não foi julgado pelo Supremo.

Dificuldades na fiscalização

Ex-diretor de ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, onde ficou mais de uma década, Richard Torsiano afirma que, pelo fato de a lei ser antiga, o tema da entrada de capital estrangeiro nas compras de terras brasileiras precisa de mais estudos.

“Há algumas avaliações sobre potencial de concentração de terras ou sobre influência na agricultura familiar, mas por outro lado também tem teses defendendo que isso traria um impacto positivo no desenvolvimento econômico do país, para o PIB brasileiro que está muito escorado no agronegócio. Então, acho que nós não temos estudos robustos ainda”, diz Torsiano.

Ele afirma que os cartórios, o Incra e a Advocacia-Geral da União (AGU) não têm “expertise técnica” para avaliar “arranjos societários” e nem “fazer o controle acionário de empresas”. Segundo o ex-diretor do Incra, mesmo que seja mantido o entendimento sobre a restrição às empresas com capital majoritário estrangeiro, a falta de expertise na fiscalização faz com que perdurem a “compra de terras pelas portas dos fundos que vão construindo arranjos para burlar a lei”.

Diante da falta de especialização dos órgãos fiscalizadores, ele defende que as instituições que acompanham e fiscalizam o mercado financeiro sejam obrigadas a compartilhar informações com o Incra.

AGU de Lula mantém posição

Procurada pelo Metrópoles, a AGU afirmou que mantém o entendimento do ex-chefe do órgão Luís Adams e que continuará a defendê-lo no STF. Em um parecer já enviado à Corte à época de Adams, o órgão afirmou que “não se considera integral e substancialmente brasileira” uma empresa cujo capital seja maioritariamente estrangeiro.

“Logo, tal empresa pode e deve ser tratada de maneira especial e até mesmo restritiva, se necessário, quando comparada com as pessoas jurídicas brasileiras consolidadas com capital social predominantemente nacional. A medida, portanto, não excede o necessário tratamento diverso que deve ser dado aos desiguais”, disse.

A posição é contestada pela Sociedade Rural Brasileira, a qual, em uma das ações em curso perante o STF, argumenta que essa diferenciação viola o preceito fundamental constitucional da igualdade, o que não pode ser admitido.

Carta na manga em grandes brigas

Em pelo menos duas brigas empresariais recentes, que atingem a cifra de bilhões de reais, a questão das terras nas mãos de empresas com capital estrangeiro tem sido usada como carta na manga para ganhar as disputas.

Na maior briga societária da história do país, a J&F busca anular a venda da Eldorado, seu braço no ramo de produção de celulose, para a empresa indonésia Paper Excellence.

O negócio é avaliado em R$ 15 bilhões. A briga começou sob o argumento do grupo brasileiro de que a empresa estrangeira não havia apresentado garantias suficientes para concluir a aquisição.

A J&F perdeu em um julgamento feito em uma Câmara de Arbitragem, uma espécie de tribunal privado e, há anos, tenta anular essa decisão na Justiça comum.

Mais recentemente, a empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista têm lançado mão do argumento de que a Paper sabia que era necessária autorização do Congresso para concluir o negócio. E tem usado um parecer do Incra e outro do Ministério Público Federal (MPF) em desfavor da Paper para reforçar o argumento de que a aquisição da Eldorado deve ser anulada.

A Paper alega que “adquiriu uma fábrica de celulose, em que a madeira é insumo e não a atividade principal, não sendo necessário, portanto, ter propriedades rurais ou arrendamentos de terras”.

A empresa indonésia sustenta que “suas atividades empresariais não possuem características com quaisquer dos motivos que levaram às restrições impostas pela Lei nº 5.709 [de 1971] e que levaram a AGU a emitir um entendimento em 2010 sobre o assunto”.

“Em nenhuma de suas operações nos países onde atua a empresa possui terras. A Paper confia que as autoridades agirão de modo a garantir a segurança jurídica no Brasil, visando ao respeito dos contratos e da Lei, sem criar uma situação inédita contrária aos investimentos no país”, diz a empresa.

Em outra grande disputa, que estava na Justiça, a Atvos, antiga Odebrecht Agroindustrial, pediu ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União), para que se manifestasse sobre sua aquisição pela Lone Star, que tem capital norte-americano.

O senador se posicionou contra o negócio e enviou um ofício à Justiça de São Paulo. A briga se arrastou por anos, e, em razão de outros motivos, a Lone Star fechou um acordo para ser remunerada em troca de desistir da empresa, que ficou, em parte, com o grupo árabe Mubadala.