Dunga sobre futebol brasileiro: ‘Daqui a pouco, europeus vão comprar jogadores na barriga da mãe’

Capitão do Tetra fala com exclusividade ao 'Estadão' sobre bastidores da conquista nos Estados Unidos em 1994, Neymar, Dorival Júnior e momento atual da seleção

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Em 17 de julho de 1994, o Brasil quebrava um jejum de 24 anos e voltava a ser campeão da Copa do Mundo ao vencer a Itália, nos pênaltis. A quarta estrela no peito viria, e os heróis daquela geração ficaram marcados para sempre. O gesto de Dunga, capitão, erguendo o troféu no estádio Rose Bowl naquela tarde seria eternizado.

Hoje, Dunga vive longe dos holofotes do futebol, mas presente em algo muito maior do que isso com o seu instituto, que auxilia entidades, instituições beneficentes e comunidades carentes do Rio Grande do Sul. O ex-camisa 8 foi figura presente há alguns meses, enquanto o estado gaúcho sofria com as enchentes que vitimaram centenas.

Desde 2016, quando teve encerrada sua segunda passagem como técnico da seleção brasileira, Dunga tem pouco aparecido no meio do futebol. Convites, segundo o próprio, não faltaram.

Vini Jr. é o melhor jogador do mundo?

Pra mim, ele é o melhor do mundo. Se ele fosse europeu, pode ter certeza que 90% aqui no Brasil estariam dizendo que ele era o melhor do mundo, né? Como foi o Mbappé ano passado, né? Todo mundo só compara o Mbappé com o Vini Jr., né? ‘Ah, mas o Mbappé ganhou o Mundial’. Legal, o Vini ganhou duas Champions.

Neymar ainda tem espaço na seleção?

Dizer que ele é peça fundamental da seleção vai depender dele, certo? Agora, se você falar da qualidade dele como jogador, ele ainda é importante, sem dúvida. Se ele voltar da lesão com o mesmo ritmo e qualidade é um jogador diferenciado. No Brasil, há essa questão de não gostarmos muito da personalidade dos jogadores. É uma coisa. Mas como jogador, cara, é indiscutível.

As polêmicas recentes sobre a aparência dos jogadores da seleção

Ah, para mim, tudo que se fala demais é exagero. Acho que tudo na vida tem que ter equilíbrio, né? Nossa época não tinha essa moda de agora. Virou moda. Mas eu acho que a gente tem que falar do jogador, se ele joga ou não joga. O que ele faz é complementar, não diz muito a respeito.

É lógico, se tratando de Brasil, se tratando de futebol, principalmente seleção brasileira, tudo vende tanto para o bem como para o mal. Precisa ver se o jogador tem personalidade para suportar essa pressão, essa cobrança. Porque ele está de cabelo rosa, porque pode ter certeza, se ele tiver o cabelo preto e errar, ele vai ter um pouco de crítica. Mas se ele estiver com cabelo rosa e errar, os caras vão detonar ele. Aí precisa ver se o jogador está preparado para enfrentar isso, entendeu?

O trabalho de Dorival e a não vinda de Ancelotti

Ele está bem, se adequou bem no São Paulo e no Flamengo. A seleção brasileira está no caminho certo, um cara ponderado, e temos que apoiá-lo. Mas a gente tem que deixar o cara trabalhar, dar força para ele. Ele já mostrou no São Paulo, no Flamengo e no Ceará que tem qualidade, experiência… então temos que apoiar.

Ninguém tinha certeza de que ele (Ancelotti) ia vir, né? Vamos lá, o treinador da Argentina tinha experiência? Ele fez um trabalho excelente, não foi? Não depende só do treinador, depende de toda uma estrutura ao redor dele, dos jogadores para vencer. A gente adora criticar os sul-americanos e elogiar os europeus. Claro que eles têm coisas boas, claro que são bons treinadores, mas eles precisam se adaptar. Você acha que o Ancelotti, que chega no Real Madrid e fala uma vez por semana com a imprensa, viria para o Brasil e teria que falar toda semana, sendo alvo de críticas à sua família? Você acha que ele conseguiria? Se é certo ou errado, não sei, mas é a cultura de cada país.

Principal memória da Copa de 94

Nosso ambiente era muito, muito bom. Quando digo que o nosso ambiente era muito, veja bem, quando se gosta de uma pessoa, tem que dizer a verdade, certo? E aquele grupo dizia a verdade, mesmo que doesse. Gostávamos uns dos outros, mas era um pensamento coletivo, era para o bem do time. Então, quando falo que o ambiente era muito bom, não era só brincadeira e risada. Não, não era.

Quando tínhamos que apontar os erros uns dos outros e dizer que precisava melhorar, fazíamos isso porque queríamos vencer e, principalmente, porque tínhamos a compreensão de que dependíamos uns dos outros. E se eu visse alguém fazendo algo errado e não falasse, perderíamos. Então, eu tinha que cobrar, e ele tinha que me cobrar, para alcançarmos o resultado final.

No final, todos entendiam, talvez não gostassem da cobrança na hora, mas depois entendiam que era a mentalidade do grupo. E a lembrança da Copa de 94, uma lembrança que eu não esqueço, é na hora de bater o pênalti, né? Não consigo dormir tranquilo (risos).