O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quinta-feira (13) o julgamento sobre a criminalização da homofobia e da transfobia.
O julgamento começou em fevereiro, e esta será a sexta sessão destinada à análise do tema. Dos 11 ministros do tribunal, seis já votaram, todos a favor de enquadrar a homofobia e a transfobia como crime de racismo (veja no vídeo mais abaixo).
A análise, porém, tem gerado críticas de parlamentares, que afirmam que a decisão sobre o tema caberia ao Poder Legislativo, não ao Judiciário. Nas sessões destinadas ao julgamento, ministros já disseram avaliar que há omissão do Congresso.
Duas ações no STF pedem a criminalização de todas as formas de ofensas, individuais e coletivas, homicídios, agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima.
Na última sessão, a votação serviu exclusivamente para o STF decidir se continuaria a análise do caso, uma vez que, na ocasião, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado havia aprovado em primeiro turno um projeto sobre o tema. A maioria dos ministros entendeu que sim.
No mérito da questão, já votaram a favor de enquadrar a homofobia e a transfobia na lei de racismo os seguintes ministros:
- Celso de Mello;
- Edson Fachin;
- Alexandre de Moraes;
- Luís Roberto Barroso;
- Rosa Weber;
- Luiz Fux.
Faltam os votos dos ministros:
- Cármen Lúcia;
- Dias Toffoli;
- Gilmar Mendes;
- Marco Aurélio Mello;
- Ricardo Lewandowski.
Maioria do STF iguala homofobia a crime de racismo
Análises paralelas
Um dos pontos mais polêmicos é o que envolve religião. Enquanto o STF discute se equipara a homofobia ao crime de racismo, o Senado e a Câmara dos Deputados discutem exceções para discurso religioso.
As duas Casas deram andamento a projetos sobre o tema após o Supremo retomar o julgamento.
A proposta que criminaliza a homofobia no Senado prevê reclusão de um a três anos, além do pagamento de multa, para quem praticar, induzir ou incitar a intolerância, discriminação ou preconceito de orientação sexual ou identidade de gênero.
No relatório sobre o assunto, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propôs isentar de punição quem impedir ou restringir “manifestação razoável de afetividade” em templos religiosos. Questionado se pode abrir margem para interpretações, o parlamentar respondeu que a interpretação da lei “sempre exige o bom senso”. “É para isso que a gente tem juiz, magistrado, para fazer análise disso”, acrescentou.
O projeto ainda terá de passar por nova votação na CCJ, onde pode sofrer modificações. Se aprovada pela comissão, a proposta seguirá para análise da Câmara.
Na Câmara, uma proposta passou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias duas semanas após o STF formar maioria de votos a favor de enquadrar a homofobia como racismo. No texto, porém, não há crime em caso de “manifestação de crença em locais de culto religioso”, exceto se houver estímulo à violência.
O projeto, que já tramita há cinco anos, ainda tem que ser analisado por outras duas comissões da Casa e pelo plenário.
O que acontece em caso de decisão?
Se o Supremo finalizar o julgamento antes de as propostas serem aprovadas em definitivo pelo Congresso, os parlamentares ainda poderão legislar sobre a questão.
Isso porque a expectativa é que a Corte deve estabelecer uma regra até o Poder Legislativo se pronunciar.
No entanto, uma vez estabelecidos os limites constitucionais, o Congresso dificilmente poderá aprovar uma legislação que desrespeite os parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal.
Críticas de parlamentares
Este é um dos casos em que o Supremo é acusado por parlamentares de “legislar” sobre temas que, na opinião deles, caberiam ao Congresso.
O aborto em casos de anencefalia, as possibilidades de união estável de homossexuais e de registro civil para transgêneros, porém, só se tornaram direitos após a Corte tomar uma decisão.
Para o segundo semestre, há a expectativa de que o Supremo decida se o porte de drogas para consumo próprio é crime.
Argumentos apresentados ao STF
Enquanto associações LGBTI apresentaram argumentos a favor da igualdade de direitos, outras entidades também apresentaram fundamentos em defesa da liberdade religiosa.
Um exemplo é a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que representa igrejas evangélicas. A associação diz que, em geral, todas as religiões consideram a homossexualidade “ontologicamente como pecado ou contra seus valores e princípios morais”.
“É desproporcional, abusivo e inconstitucional admitir que, se um padre, pastor ou qualquer líder religioso, nos seus sermões, sendo fiel ao texto que eles têm como regra de fé e prática – a Bíblia, por exemplo –, assente que as práticas homossexuais são ‘pecados’, estejam assim sendo homofóbicos”, diz.
Outro argumento religioso foi apresentado pela Frente Parlamentar da Família e apoio à Vida, segundo a qual protestantes, evangélicos e católicos se veem ameaçados como indivíduos, família e igreja, já que a homossexualidade “discrepa da vontade Divina para a humanidade, havendo Deus criado homem e mulher”.
Paulo Lotti, representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (ABGLT), afirma ter “muita esperança” de que o Supremo reconhecerá a homofobia e a transfobia como crime.
“Tenho certeza que o STF reconhecerá o dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e a transfobia. Tenho muita esperança que ele as reconheça como crime de racismo, na acepção político-social de raça e racismo que o STF já afirmou, num famoso julgamento que ocorreu na década passada, sobre antissemitismo. Lembrando que há pareceres favoráveis da Procuradoria-Geral da República para tanto”, diz.
A Procuradoria Geral da República (PGR) afirma que a Constituição prevê a proteção aos direitos fundamentais.
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Voto do relator
Quando o julgamento começou, o relator de uma das ações, Celso de Mello, considerou que não há “qualquer ofensa ou dano potencial à liberdade religiosa” no caso. Ele também repudiou a homofobia e criticou a “inércia” do Congresso.
Afirmou que a livre expressão de ideias, pensamentos e convicções, inclusive em questões religiosas ou confessionais, não pode ser impedida pelo poder público ou por grupos antagônicos nem pode ser submetida a interferências do Estado, de qualquer cidadão ou de instituições da sociedade civil.
O ministro considerou, no entanto, que não se trata de “direito absoluto”. Argumentou que pronunciamentos que “extravasam os limites da livre manifestação de ideias”, transformando-se em insulto, ofensa ou estímulo à intolerância e ao ódio, “não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão do pensamento”.
“Isso significa, portanto, que a prerrogativa concernente à liberdade de manifestação do pensamento, por mais abrangente que deva ser o seu campo de incidência, não constitui meio que possa legitimar a exteriorização de propósitos criminosos, especialmente quando as expressões de ódio público — veiculadas com evidente superação dos limites da propagação de ideias — transgridem, de modo inaceitável, valores tutelados pela própria ordem constitucional”, votou o ministro.