‘Breu’ e som alto: por que academias brasileiras repelem alunos

O pesquisador Fábio Dominski observou que fatores como iluminação inadequada, música alta, falta de espaços livres e a pressão por corpos perfeitos contribuem para a desistência.

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Se você já pagou um plano anual na academia, foi alguns meses e depois nunca mais, não se culpe.

Um estudo na Noruega acompanhou 250 praticantes iniciantes em 25 academias. Após um ano, apenas 17% continuavam indo e 86% tinham parado, mas seguiam pagando —a maioria tinha adquirido um contrato de 12 meses que não podia ser cancelado.

A explicação para essa “fuga” pode estar no próprio ambiente da academia. Em um tour informal por esses espaços, o pesquisador Fábio Dominski, que é profissional de educação física e praticante assíduo de exercícios, observou que alguns eram bastante inóspitos e desmotivadores.

Dominski visitou 13 academias em três meses. Amparado na psicologia do exercício, sua área de pesquisa na Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), identificou características que impactam na permanência das pessoas.

A seguir, veja seis sinais que podem atrapalhar a continuidade em academias.

1. Ambiente escuro

“Eu perguntei para o proprietário de uma dessas academias qual era a intenção de se manter um ambiente escuro e com música alta. Ele relatou que realmente é para as pessoas não conseguirem ficar muito tempo lá”, conta Dominski.

O projeto de iluminação em academias varia de acordo com a modalidade. A pouca iluminação em salas de musculação pode dar sensação de sono e cansaço.

É diferente de uma sala de ioga, por exemplo, que visa o relaxamento, ou de um estúdio de spinning, que combina jogo de luzes para motivar de acordo com a música.

2. Música com volume alto

“Detesto a música da academia. Se esqueço meus fones, minha disposição diminui 200%”, diz a coordenadora de comunicação Debora Fôlègo, 33.

Segundo Dominski, a música faz parte do ambiente e deve existir, mas em nível de volume moderado, um pouco mais acelerada e com cuidado na letra. “A música tem um potencial grande de melhorar o desempenho, a motivação, a ativação e o prazer”, diz.

Um ambiente mais silencioso também é acolhedor para pessoas neurodivergentes que têm sensibilidade ao som. O mesmo vale para a questão da iluminação em quem tem fotossensibilidade: a proposta é encontrar um meio termo.

O pesquisador Alan Camargo Silva, doutor em saúde coletiva pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), analisou duas academias em sua tese para entender como as pessoas se relacionam com os limites de seus corpos: uma em bairro nobre e outra na periferia.

Ele percebeu que o volume da música era propositalmente baixo no espaço de alto padrão social. “O foco era eles se relacionarem. Como era classe alta, fechavam negócios, faziam acordos. Era uma forma de status”, explica.

3. Relógio adiantado

Não é em todas, mas o relógio de algumas academias estão adiantados em alguns minutos. “Foi uma coisa que observei e, quando eu era estagiário, eu fechava a academia e fazia isso também, adiantava o relógio em cinco minutos. Parece que para apressar mesmo as pessoas”, diz Dominski.

4. Mais máquinas do que espaços livres

O pesquisador da Udesc observa que, atualmente, as máquinas são feitas para que as pessoas não percam muito tempo nelas colocando e tirando pesos. Tem de ser o mais rápido possível para executar e ir embora logo.

Além disso, os equipamentos são pouco favoráveis a pessoas muito altas ou com grande volume de gordura corporal, o que afasta esse público.

Uma das soluções seria treinar com pesos livres em locais espaçosos, mas isso não se vê com muita frequência nas academias de rede.

5. “Corpos perfeitos”

“O espaço altamente organizado, a infraestrutura impressionante e os aparelhos de alta tecnologia transmitem a ideia de que os corpos que preenchem o ambiente devem ser adequados a este ideal de perfeição”, dizem os pesquisadores Roger Hansen e Alexandre Fernandez Vaz em artigo sobre como os corpos são vistos em academias.

Silva afirma que as redes de academias de baixo custo “ainda não conseguem capturar a diversidade e pluralidade de corpos e diferentes formas de estar nas academias”.

Desde a entrada, com imagens de corpos magros e musculosos nas paredes, às músicas e forma como as pessoas se tratam, o ambiente é hostil a quem está fora do considerado padrão.

“As pessoas magras, marombas, parecem que ficam te medindo. Ser acima do peso te faz sentir uma pressão em um ambiente onde a maioria é padrão”, comenta Debora. “Às vezes, sinto muito calor, mas nunca vou ficar de top no formato [de corpo] que eu tenho. Admiro quem tem coragem, mas eu não tenho.”

6. Ausência de socialização

Dominski acredita que as academias também podem criar vínculos sociais, uma necessidade humana básica, mas elas têm feito pouco com esse propósito.

“Isso tem a ver com pertencer, com senso de comunidade, que são características importantes para a motivação. Isso provavelmente tem dificultado a aderência das pessoas”, afirma.

Outro estudo apontou que quem frequenta academias boutique (mais especializadas, com uma ou duas modalidades de exercícios) é mais motivado e aderente do que aqueles que vão às academias de rede ou de bairro que oferecem muitas opções, sem personalização.

“Nossas descobertas sugerem que a ênfase no prazer do exercício e em uma comunidade social, a ‘filosofia’ das academias boutique, pode ser importante para alcançar a participação no exercício a longo prazo”, dizem as pesquisadoras.

‘Decretei que musculação não era pra mim’

“As academias ainda estão voltadas para as pessoas que já gostam de exercício. Elas ainda não acordaram para os públicos diferentes”, diz Zuleika Araújo, psicóloga do esporte e do exercício que trabalhou na gestão de academias por dez anos.

Os estudos também indicam que os modelos de negócio das academias atraem pessoas com diferentes origens e motivos para se exercitar. A jornalista Deise Almeida dos Santos, 32, experimentou algumas academias de musculação, mas nunca se sentiu confortável.

Diferente do ambiente acolhedor e coletivo que encontrou na dança desde a infância, sentiu-se coagida. “Aos 21 anos, decretei que musculação não era pra mim e que deveria procurar outra coisa para fazer”, diz.

Ela se encontrou em exercícios que são orientados mais de perto pelo profissional, algo que não tinha na musculação, e com mais liberdade, como muay thai, boxe e crossfit. “É o formato que mais faz sentido. Acho um ambiente mais diverso do ponto de vista de corpo e performance.”

Academia do prédio é melhor

O professor Moisés Barel, 42, frequenta academias desde 2000, mas nunca de modo contínuo. Além de não gostar de puxar ferro, duas coisas sempre o incomodaram: o som “tipo discoteca” e os gemidos do “pessoal marombado”, como diz.

Ele chegou a experimentar uma academia frequentada por pessoas mais velhas, com turmas menores, o que foi fundamental para ele. Mas o preço médio de R$ 400 mensais não era atrativo. Então, desde 2022, treina na academia do prédio onde mora.

“Quase sempre está no máximo com outras duas pessoas e, em boa parte dos casos, quando estou sozinho ou chego primeiro, coloco umas músicas dos anos 1980, 1990, que é o que gosto, e treino na boa”, diz. “Mas se eu morasse num prédio que não tivesse academia, teria continuado naquela onde ia com os velhinhos.”

Como seria o ambiente ideal?

Em seu tour, Dominski viu uma academia com vários sofás na recepção e outra com mesas de sinuca e pebolim, estratégias que estimulam integração e convivência.

“À primeira vista, muitas pessoas podem achar que a academia não é lugar disso, só que ali há uma intencionalidade em criar vínculos afetivos”, explica.

Para ele, o ideal também seria ter claridade, de preferência com entrada de luz natural, música em tom moderado e diversidade de equipamentos.

Quanto às relações, Araújo diz que os profissionais de saúde e de educação física deveriam buscar o real interesse das pessoas no exercício físico. “Para uma, pode ser não sentir dor; para outra, estar bem para brincar com os filhos”, diz a doutora em psicologia pela Unifor (Universidade de Fortaleza).

Considerando motivações de qualidade, Dominski afirma que o ambiente precisa ser inclusivo, abrangente e com supervisão adequada dos profissionais. O praticante também deve ter autonomia para escolher o tipo de exercício segundo as orientações.

Como ser frequente nos exercícios físicos

Primeiro, saiba que musculação em academias não é a única opção. De acordo com sua condição, busque outras possibilidades, incluindo fazer exercícios em casa ou ao ar livre.
Para criar o hábito, Araújo dá algumas dicas:

Evite a sabotagem: se você sabe que o cansaço no fim do dia pode te impedir, tente incluir o exercício no começo da sua rotina.

Facilite sua vida: no dia anterior, deixe roupas e acessórios prontos por perto. A resposta de levantar (ou chegar em casa), vestir-se e sair para a academia ou para correr na rua tem de ser o mais automática possível, para não ter brecha de discutir com a mente.

Entre em contato com o ambiente: pelo menos um dia, mesmo sem vontade (porque dificilmente ela vem), pratique seu exercício no local onde você fará sua atividade. Sair da inércia de ficar parado ajuda na criação do hábito. Ou seja, aposte na repetição.

Descubra o sentido do exercício para você: seu desejo pode não ser ficar com grandes músculos, mas ter disposição para fazer outras atividades diárias, testar sua capacidade física ou regular as emoções.