Em 1956, M. King Hubbert, um geocientista americano que trabalhava para a gigante petrolífera Shell, previu que a produção global de petróleo bruto atingiria seu pico por volta do ano 2000, antes de diminuir e eventualmente cessar por completo.

O cálculo, baseado em modelagens estatísticas das reservas do combustível fóssil que eram conhecidas na época, assustou produtores numa época em que o combustível impulsionava uma economia global em expansão. Muitos se preocuparam: falava-se em um possível desastre econômico, crise financeira global e até mesmo um apocalipse total.

A previsão de Hubbert, é lógico, não se concretizou. De fato, as reservas de petróleo mais facilmente acessíveis tiveram pico no início deste século. Novas tecnologias, porém, permitiram que o ritmo de produção seguisse aumentando quase todos os anos, até bater o recorde de 96,4 milhões de barris por dia em 2023.

Uma dessas tecnologias é o fraturamento hidráulico, conhecido como fracking. Esse processo consiste em injetar água e produtos químicos em rochas, criando inúmeras fissuras minúsculas que permitem a liberação de petróleo e gás.

O fracking começou a ganhar força nos Estados Unidos no início dos anos 2000, e fez do país o maior produtor de petróleo do mundo.

Embora tenhamos mais petróleo disponível do que nunca, ainda se fala em “pico do petróleo” (peak oil, em inglês). Analistas, contudo, têm preferido cada vez mais o termo “pico de extração” (peak extraction).

“Há 15 ou 20 anos, havia uma preocupação de que o fornecimento de petróleo atingiria um pico, que ficaríamos sem petróleo”, afirma Atul Arya, estrategista-chefe de energia da agência de rating americana S&P Global. “Agora a preocupação é meio diferente, de que nós vamos atingir um pico ou um platô na demanda.”

Energias renováveis começam a tomar espaço dos combustíveis fósseis

A demanda por energias renováveis está começando a aumentar mais rápido do que a demanda por combustíveis tradicionais, que ainda alimentam boa parte da matriz energética global.

Em 2023, o aumento global da capacidade de energia limpa – solar, eólica e outras – bateu um novo recorde, com a maior taxa de crescimento das últimas duas décadas, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Muito disso se deveu ao crescimento explosivo da indústria de painéis solares, principalmente na China.

Vista de parque solar na China: país é líder global na produção de energia solar e dos painéis usados para gerá-la

Desde 2000, a parcela de fontes renováveis no total da matriz elétrica global saltou de 19% para 30%, de acordo com um relatório divulgado em maio deste ano pelo think tank Ember. A análise prevê que a geração de energia por combustíveis fósseis provavelmente atingirá seu pico neste ano.

“Este é um ponto de virada crítico: as tecnologias ultrapassadas do século 20 já não podem mais competir com as inovações exponenciais e as curvas decrescentes dos custos de geração e armazenamento de energias renováveis”, pontua no relatório da Ember Christiana Figueres, ex-chefe de negociações climáticas da ONU.

O investimento em renováveis segue em tendência de alta, com os custos de geração de energia limpa caindo e o número de veículos elétricos aumentando consistentemente ano após ano. Especialistas preveem que, até 2030, carros elétricos responderão por entre metade e dois terços de todas as vendas.

Em 2023, o investimento em tecnologias limpas superou pela primeira vez os valores aportados em combustíveis fósseis, e deve bater a marca dos 2 trilhões de dólares (R$ 11,6 trilhões) neste ano, enquanto gás, petróleo e carvão somarão pouco mais de 1 trilhão de dólares (R$ 5,8 trilhões), segundo o relatório World Energy Investment 2024 da IEA.

Começo do fim dos combustíveis fósseis?

Especialistas em clima frisam que só será possível reduzir as emissões e restringir o aquecimento global a níveis mínimos se a humanidade deixar de explorar combustíveis fósseis – quanto antes, melhor.

Um estudo de 2015 publicado na revista Nature estimou que para limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius seria necessário deixar um terço das reservas mundiais de petróleo, metade das reservas de gás e mais de 80% das reservas de carvão debaixo da terra entre 2010 e 2050.

E o dinheiro pode acabar persuadindo alguns atores da indústria a parar. Em outubro de 2024, a IEA afirmou que o “impulso da energia limpa é suficientemente forte para provocar o pico na demanda por cada combustível fóssil até 2030”, mesmo em um cenário de pouca ação climática. Depois disso, a IEA sugere que seria muito mais difícil justificar novos e custosos projetos de combustíveis fósseis.

No relatório World Energy Outlook, a IEA afirma que as metas climáticas não serão o único motor do crescimento da energia limpa: também pesarão fatores como custo e “uma competição intensa por liderança nos setores de energia limpa, que são grandes fontes de inovação, crescimento econômico e emprego”.

De fato, alguns investidores – incluindo grandes fundos de pensão nos EUA e na Europa – começaram a se afastar dos combustíveis fósseis, tanto devido à pressão pública para cumprir metas climáticas quanto ao aumento dos riscos financeiros.

Petrolíferas seguem apostando em exploração

Mas Faye Holder, do think tank Influence Map, pondera que “todas as empresas, com exceção talvez da BP, estão aumentando sua produção de petróleo”. A avaliação se baseia numa análise da comunicação dessas empresas e de suas mensagens sobre renováveis.

Estatais de petróleo também estão apostando nos ganhos com combustíveis fósseis, ainda que os projetos aprovados agora talvez nunca se tornem lucrativos – demora anos para que novas áreas de exploração estejam equipadas com a infraestrutura necessária e prontas para perfuração. À medida que as renováveis se tornam mais baratas, projetos fósseis podem se tornar investimentos perdidos e obsoletos.

“Essa alienação é alarmante para os acionistas”, declarou Mark van Baal, fundador do grupo holandês de advocacy Follow This, em um pronunciamento publicado em outubro. “Gigantes do petróleo estão ignorando os cenários traçados pela IEA e prejudicando investidores ao se agarrarem a estratégias ultrapassadas de expansão de combustíveis fósseis.”

Mike Coffin, que chefia a equipe de pesquisa em petróleo, gás e mineração do think tank nova-iorquino Carbon Tracker, diz que “alguns países podem estar arriscando de 30% a 40% do seu orçamento caso a transição ocorra ou os preços de petróleo caiam”. “Isso vai ter um impacto imenso nas economias desses países, principalmente no padrão de vida desses países”, alerta.

Esse susto pode ser maior. Apesar de algumas notáveis exceções, muitos fundos de previdência ao redor do mundo ainda investem em petróleo e gás. Se essas empresas se derem mal, isso também ameaçará a aposentadoria de milhões de pessoas.

“Tudo isso vai nos ajudar a nos afastar do petróleo”, afirma Arya, da S&P. “Mas não vai ser do dia para a noite.”

Segundo as projeções, o mundo seguirá precisando de combustíveis fósseis por algum tempo. Eles são usados como fonte reserva de energia quando as usinas eólicas e solares não estão produzindo o suficiente. Além disso, algumas indústrias, como o frete marítimo, a aviação e a produção de cimento, aço e químicos estão longe da descarbonização. A humanidade também precisará encontrar meios mais eficientes para transportar e armazenar energia limpa antes que possamos abandonar os combustíveis fósseis de vez.

“O mundo não precisa escolher entre garantir o fornecimento confiável de energia e responder à crise climática”, assegurou o diretor executivo da IEA, Fatih Birol, no relatório de outubro da entidade. “Energia limpa é o futuro.”